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    Roberto Moraes

    Engenheiro e professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ)

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    Commoditificação de dados, concentração econômica e controle político como elementos da autofagia do capitalismo de plataforma

    O ensaio expressa uma síntese que se esforça para contribuir para a compreensão e debate, sobre o fenômeno da plataformização que produz significativas transformações no modo de produção capitalista no mundo contemporâneo

    O texto-ensaio com o título acima é fruto de um convite que recebi dos editores da revista ComCiência publicada pela SBPC e pelo Labjor (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo) da Unicamp [aqui]. 

    O convite para a publicação de um texto que compõe um dossiê da ComCiência sobre "Virtualização", se deu em função das abordagens que venho fazendo em textos, entrevistas e conferências virtuais, sobre o tema de minha pesquisa há quase dois anos, a respeito do "capitalismo de plataformas", em suas várias dimensões e escalas. 

    O ensaio expressa uma síntese que se esforça para contribuir para a compreensão e debate, sobre o fenômeno da plataformização que produz significativas transformações no modo de produção capitalista no mundo contemporâneo.

    Vivemos um gigantismo e uma quase onipresença do setor de tecnologia. A tecnologia deixou de ser apenas um fator de produção e hoje, passou a constituir, o maior oligopólio da história do capitalismo mundial, em que imperam as empresas, tipo plataformas-raiz, que são Big Techs. 

    Sobre o signo de uma ideia difusa de progresso e de um fetiche que a tecnologia exerce sobre toda a sociedade, hoje se tem uma enorme concentração de capitais nessas Big Techs. Através do seu papel de plataformas de intermediação, elas exercem um controle e um poder confiscatório, sobre todos os demais setores da economia, nos variados cantos do planeta.

    As plataformas digitais na condição de meio de circulação informacional e logístico, extraem valores e riqueza da produção e da distribuição para o consumo e assim ampliam a precarização sobre o trabalho com retirada de direitos sociais visando garantir maiores lucros e acumulação de capital no andar superior. É neste andar superior que o setor de tecnologia foi abraçado pela hegemonia financeira dos capitais de riscos e fundos e, assim, constituíram, esse novo oligopólio, quase que onipresente, sobre quase tudo que envolve a sociedade no mundo global na contemporaneidade.

    Na dimensão da política e da geopolítica, os efeitos da plataformização, são ainda mais preocupantes, através da captura de dados - que se tornou a nova commodity e um propriedade dos donos dos dinheiros – ela vem transformando a política, a partir do aprendizado de máquina dos algoritmos. 

    Trata-se de um processo em crescimento exponencial, porque na medida que se captura mais dados, armazenados em Big Datas, o aprendizado de máquina (Machine Learning) da Inteligência Artificial (IA) fica mais potente, tanto para uso comercial, quanto para uso das disputadas de poder, no campo que se passou a chamar da tecnopolítica.

    O resultado de tudo isso tem sido a guetificação, memificação e a perda da capacidade de interlocução da política, como forma de mediar os diferentes interesses na sociedade. Na prática, o meio que é a plataforma digital, por onde a informação trafega, se tornou um instrumento inverso à intermediação política. 

    As plataformas digitais, das quais as redes sociais são parte, acabaram promovendo a antipolítica, a não mediação e a interdição do debate e das formas de construção de acordos e pactos em meios aos conflitos na sociedade, produzindo efeitos severos e graves, sobre a já muito combalida, democracia liberal ocidental.

    Os algoritmos exploram as vulnerabilidades humanas, favorecem o individualismo e reforçam perigosamente a autoestima que é a origem da "egotização", na expressão do filósofo coreano Byung-Chul Han.

    Assiste-se a uma enorme fragmentação das coisas, fruto da explosão de informações (entre as fake news), que tende à superficialização e atomização, ao abandono da ideia de conhecimento, ciência e racionalidade, trazendo mais desgastes para a ideia da construção e da ação política. 

    Assim, em meio a algumas boas coisas que as plataformas digitais trazem para o convívio humano e em sociedade, com possibilidades de comunicação instantânea entre as pessoas, o possível acesso mais democratizado às informações, ao conhecimento, à cultura, essa ferramenta, acabou por nos conduzir a um processo paradoxal e imensamente preocupante. Há quem enxergue exagero ao listarmos os riscos e as preocupações. Porém, em decorrência dos bônus, da existência das redes sociais fomos impingido a conviver e enfrentar, um conjunto expressivo de ônus e sequelas que parecem colocar em risco o próprio processo civilizatório.

    Até aqui todos os esforços de regulação têm sido inúteis. Os Estados se mostram impotentes para controlar esse processo, seja em termos obrigação de divisão das empresas e oligopólios, seja em termos de tributação, ou controle da sociedade para o direito de privacidade que deveria proibir essa commoditificação dos nossos dados, seja para uso comercial e/ou político. 

    O que se vê são as próprias empresas-plataformas se propondo a se autocontrolarem ou regularem a si própria, o que configura a dominância de um modelo de negócio do mercado, para o mercado e controlado pelo mercado. Nesta fase, o capitalismo deixa de usar o mercado e assume por completo e de forma total o controle da sociedade, passando por cima de um Estado ausente e/ou submisso. Uma espécie de autocontrole do hipercapitalismo do presente.

    A ideia dos setores progressistas de ocupar espaços nas redes socais parece pouco eficiente, porque o controle de todo esse mecanismo está centralizado no mercado que tutela ainda o poder político e o judiciário. Até por isso, a regulação das plataformas digitais até agora não passam de quimeras e intenções.

    Tenho dúvidas se neste modelo é possível viabilizar esforços contra hegemônicos que tentam usar e ocupar as próprias redes e plataformas digitais para exigir o que não se consegue na sociedade.

    Porém, penso que é preciso seguir a luta. Responsabilizar os donos das plataformas digitais gigantes (FB, Google, Amazon, Apple, Microosoft) e exigir o controle e a privacidade dos dados pela sociedade e, se for o caso, até proibir, em nome da civilização determinados usos dessas redes.

    Só a pressão da sociedade modifica esse processo. Só a Política pode mudar (ou não) o que está em curso com o gigantismo e dominação do setor tecnologia através do processo de plataformização.  

    Assim, eu apresento este texto-ensaio que busca uma relação entre teoria, conceitos, categorias e alguns dados de pesquisas empíricas sobre o desenvolvimento das plataformas digitais, na expectativa de que eles possam contribuir para uma melhor compreensão e transformação deste fenômeno.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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