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    Paulo Gala

    Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. É professor de economia na FGV-SP desde 2002

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    Como o governo americano ajudou na criação do Google e do Vale do Silício

    "Pesquisas que levaram à ambiciosa criação do Google foram financiadas e coordenadas por agências do governo. As agências de inteligência esperavam que os cientistas da computação do país pudessem pegar dados de usuários, combiná-los com o que se tornaria conhecido como Internet e criar empresas comerciais para atender às necessidades do governo e do público", explica o economista

    (Foto: REUTERS/Mike Blake)

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    Duas décadas atrás, a CIA (central intelligency agency)  e NSA (national security agency), agencias americanas de inteligência, trabalhavam em estreita colaboração com o Vale do Silício em um esforço para rastrear os cidadãos no ciberespaço. O Google está no centro dessa história. Algumas das pesquisas que levaram à ambiciosa criação do Google foram financiadas e coordenadas por agencias do governo americano para encontrar maneiras de rastrear indivíduos e grupos online. As agências de inteligência esperavam que os principais cientistas da computação do país pudessem pegar informações e dados de usuários, combiná-los com o que se tornaria conhecido como Internet e começar a criar empresas comerciais com fins lucrativos para atender às necessidades do governo e do público. Eles esperavam orientar a revolução da supercomputação desde o início, a fim de compreender o que milhões de seres humanos faziam dentro dessa rede de informação digital. Essa colaboração tornou possível um estado de vigilância em massa público-privado que funciona até hoje. A Agência Central de Inteligência do governo americano (CIA) e a Agência de Segurança Nacional (NSA) perceberam que o futuro provavelmente seria moldado por essas tecnologias. Se as agências  de inteligência do governo quisessem realizar vigilância em massa para fins de segurança nacional, seria necessária a cooperação entre o governo e as empresas emergentes de supercomputação. Para fazer isso, eles começaram a se comunicar com os cientistas das universidades americanas que estavam criando essa revolução da supercomputação. Esses cientistas estavam desenvolvendo maneiras de fazer o que nenhum grupo de seres humanos sentado nas estações de trabalho da NSA e da CIA poderia esperar fazer: reunir enormes quantidades de dados e dar um sentido inteligente a eles. Na verdade, a própria Internet foi criada por causa de um esforço dessas agências: na década de 1970, a agência responsável pelo desenvolvimento de tecnologias emergentes para fins militares, de inteligência e de segurança nacional – a Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA) – conectou quatro supercomputadores para lidar com transferências massivas de dados. Essas operações foram depois transferidas para a National Science Foundation (NSF) que ajudou a proliferar a rede em milhares de universidades e, eventualmente, no público, criando assim a arquitetura da World Wide Web.

    Em meados da década de 1990, as agências de inteligência forneciam fundos para os esforços de supercomputação mais promissores na academia, orientando esforços para tornar grandes quantidades de informações úteis tanto para o setor privado quanto para o governo. Eles financiaram esses cientistas da computação por meio de um programa administrado pela CIA e a NSA e financiado por empresas militares e de inteligência, além do governo. Era o projeto Massive Digital Data Systems (MDDS). O MDDS foi apresentado a várias dezenas de cientistas da computação em Stanford, CalTech, MIT, Carnegie Mellon, Harvard mostrando o que CIA, NSA, DARPA e outras agências esperavam alcançar. A pesquisa seria amplamente financiada e administrada por agências científicas do governo como a NSF e permitiria que a arquitetura fosse ampliada para o setor privado se conseguisse alcançar o que as agencias esperavam. Nos anos seguintes, o objetivo declarado do programa era fornecer mais de uma dúzia de bolsas de vários milhões de dólares para promover esse tipo de pesquisa. As doações eram dadas em grande parte por meio da NSF para que os esforços mais promissores e bem-sucedidos pudessem ser capturados como propriedade intelectual e formar a base de empresas que atraiam investimentos do Vale do Silício. Este tipo de sistema de inovação público-privado ajudou a lançar poderosas empresas de ciência e tecnologia como Qualcomm, Symantec, Netscape e outras, e financiou a pesquisa fundamental em áreas como radar Doppler e fibra óptica, que são fundamentais para grandes empresas como a AccuWeather, Verizon e AT&T. Ainda hoje, a NSF fornece quase 90% de todo o financiamento federal para pesquisas em ciência da computação em universidades. Ao trabalhar com empresas emergentes de dados comerciais, sua intenção era rastrear grupos de pessoas com ideias semelhantes na Internet e identificá-los a partir das impressões digitais que deixaram para trás, assim como os cientistas forenses usam manchas de impressões digitais para identificar criminosos. As agencias previam que terroristas em potencial se comunicariam entre si neste novo mundo global conectado – e eles poderiam encontrá-los identificando padrões nesta enorme quantidade de novas informações. Em 1995, uma das primeiras e mais promissoras doações do MDDS foi para uma equipe de pesquisa em ciência da computação na Universidade de Stanford, com uma longa história de trabalho com bolsas da NSF e DARPA. O objetivo principal desta concessão era “otimização de consultas muito complexas” como parte de um esforço coordenado para construir uma enorme biblioteca digital usando a Internet como sua espinha dorsal. Essas bolsas financiaram pesquisas de dois estudantes de graduação que estavam fazendo avanços rápidos na classificação de páginas da web, bem como rastreando (e dando sentido) às consultas dos usuários: os futuros co-fundadores do Google, Sergey Brin e Larry Page. A pesquisa de Brin e Page com essas bolsas tornou-se o coração do Google: pessoas usando funções de pesquisa para encontrar exatamente o que queriam em um conjunto de dados muito grande. As agencias de inteligência, no entanto, viram outros benefícios nisso: a rede poderia ser organizada de forma que os usuários individuais pudessem ser identificados e rastreados de maneira única? Esse processo é perfeitamente adequado para fins de combate ao terrorismo e esforços de segurança interna: seres humanos e grupos com ideias semelhantes que possam representar uma ameaça à segurança nacional podem ser identificados online de forma única antes de causar danos. Isso explica por que as agências de inteligência acharam os esforços de pesquisa de Brin e Page tão atraentes; antes dessa época, a CIA usava amplamente os esforços de inteligência humana em campo para identificar pessoas e grupos que pudessem representar ameaças. A capacidade de rastreá-los virtualmente (em conjunto com os esforços em campo) mudaria tudo. Assim surgiu a Google.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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