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    Jeffrey Sachs

    Professor da Columbia University (NYC) e Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções Sustentáveis da ONU. Ele tem sido um conselheiro de três Secretários-Gerais da ONU e atualmente serve como Defensor da iniciativa para Metas de Desenvolvimento Sustentável sob o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

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    Como os EUA e Israel destruíram a Síria e chamaram isso de paz

    A interferência dos EUA, a mando de Israel sob o governo de Netanyahu, deixou o Oriente Médio em ruínas, com mais de um milhão de mortos e guerras abertas

    Soldados israelenses se reúnem perto da linha de cessar-fogo entre a Síria e as Colinas de Golã ocupadas por Israel, 9 de dezembro de 2024 (Foto: REUTERS/Ammar Awad)

    Publicado originalmente por Common Dreams em 12 de dezembro de 2024

    Nas famosas palavras do historiador romano Tácito: “Arrasar, matar, usurpar sob falsos títulos, eles chamam de império; e onde fazem um deserto, chamam de paz.”

    Em nossa era, são Israel e os EUA que fazem um deserto e chamam isso de paz.

    A estória é simples. Em flagrante violação do direito internacional, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e seus ministros reivindicam o direito de governar sobre sete milhões de árabes palestinos. Quando a ocupação israelense de terras palestinas gera resistência militante, Israel rotula a resistência como “terrorismo” e pede aos EUA que derrubem os governos do Oriente Médio que apoiam os “terroristas”. Os EUA, sob a influência do lobby israelense, entram em guerra em nome de Israel.

    A queda da Síria nesta semana é o culminar da campanha Israel-EUA contra a Síria, que remonta a 1996, quando Netanyahu assumiu o cargo de primeiro-ministro. A guerra Israel-EUA contra a Síria intensificou-se em 2011 e 2012, quando Barack Obama secretamente encarregou a CIA de derrubar o governo sírio na Operação Timber Sycamore. Esse esforço finalmente “rendeu frutos” nesta semana, após mais de 300.000 mortes na guerra síria desde 2011.

    A queda da Síria ocorreu rapidamente devido a mais de uma década de sanções econômicas devastadoras, os fardos da guerra, a apreensão de petróleo sírio pelos EUA, as prioridades da Rússia no conflito na Ucrânia e, mais imediatamente, os ataques de Israel ao Hezbollah, que era o principal apoio militar ao governo sírio. Sem dúvida, Assad muitas vezes cometeu erros e enfrentou um descontentamento interno severo, mas seu regime foi alvo de colapso por décadas pelos EUA e Israel.

    Desde 2011, a guerra perpétua Israel-EUA contra a Síria, incluindo bombardeios, jihadistas, sanções econômicas, a apreensão de campos de petróleo sírios pelos EUA e mais, afundou o povo sírio na miséria.

    Antes que a campanha Israel-EUA para derrubar Assad começasse em 2011, a Síria era um país de renda média funcional e em crescimento.

    Em janeiro de 2009, o Conselho Executivo do FMI afirmou:“Os diretores executivos elogiaram o forte desempenho macroeconômico da Síria nos últimos anos, manifestado no rápido crescimento do PIB não petrolífero, nível confortável de reservas internacionais e dívida pública baixa e em declínio. Esse desempenho reflete tanto a robusta demanda regional quanto os esforços de reforma das autoridades para avançar em direção a uma economia mais orientada para o mercado.”

    Nos dois dias imediatos após o colapso do governo, Israel realizou cerca de 480 ataques em toda a Síria e destruiu completamente a frota naval síria em Latakia. Em busca de sua agenda expansionista, o primeiro-ministro Netanyahu reivindicou ilegalmente o controle sobre a zona desmilitarizada nas Colinas de Golã e declarou que as Colinas de Golã fariam parte do Estado de Israel “pela eternidade”.

    A ambição de Netanyahu de transformar a região por meio da guerra, que remonta a quase três décadas, está se desenrolando diante de nossos olhos. Em uma coletiva de imprensa em 9 de dezembro, o primeiro-ministro israelense vangloriou-se de uma “vitória absoluta”, justificando o genocídio contínuo em Gaza e a escalada da violência em toda a região:“Peço-lhes que pensem: se tivéssemos cedido àqueles que nos disseram repetidamente: 'A guerra deve ser interrompida' – não teríamos entrado em Rafah, não teríamos tomado o Corredor da Filadélfia, não teríamos eliminado Sinwar, não teríamos surpreendido os nossos inimigos no Líbano e no mundo inteiro com uma operação-estratagema ousada, não teríamos eliminado Nasrallah, não teríamos destruído a rede subterrânea do Hezbollah e não teríamos exposto a fraqueza do Irã. As operações que realizamos desde o início da guerra estão desmontando o eixo tijolo por tijolo.”

    A longa história da campanha de Israel para derrubar o governo sírio não é amplamente compreendida, mas o registro documental é claro.

    A estratégia do Clean Break afirma: “Nossa reivindicação sobre a terra – à qual nos apegamos por 2000 anos – é legítima e nobre”, e continua dizendo: “A Síria desafia Israel no solo libanês. Uma abordagem eficaz, com a qual os estadunidenses podem simpatizar, seria se Israel tomasse a iniciativa estratégica ao longo de suas fronteiras norte, envolvendo o Hizbollah, a Síria e o Irã, como os principais agentes da agressão no Líbano…”Em seu livro de 1996 Fighting Terrorism [Lutando Contra o Terrorismo], Netanyahu expôs a nova estratégia. Israel não lutaria contra os terroristas; lutaria contra os estados que apoiassem os terroristas. Mais precisamente, faria com que os EUA lutassem em seu lugar. Como ele explicou em 2001:“A primeira e mais crucial coisa a entender é esta: Não existe terrorismo internacional sem o apoio de estados soberanos... Retire todo esse apoio estatal e toda a estrutura do terrorismo internacional colapsará em pó.”A estratégia de Netanyahu foi integrada à política externa dos EUA. Derrubar a Síria sempre foi uma parte fundamental do plano. Isso foi confirmado ao general Wesley Clark após o 11 de setembro. Durante uma visita ao Pentágono, foi-lhe dito: “Vamos atacar e destruir os governos de sete países em cinco anos – começaremos pelo Iraque e depois vamos para a Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e Irã.” O Iraque seria o primeiro, depois a Síria, e os outros. (A campanha de Netanyahu pela guerra no Iraque está detalhada no novo livro de Dennis Fritz, Deadly Betrayal [Traição Mortífera]. O papel do lobby israelense é esclarecido no novo livro de Ilan Pappé, Lobbying for Zionism on Both Sides of the Atlantic [Fazendo Lobby pelo Sionismo em Ambos os Lados do Atlântico]. A insurgência que atingiu as tropas dos EUA no Iraque adiou o cronograma por cinco anos, mas não mudou a estratégia básica.

    Os EUA, até agora, lideraram ou patrocinaram guerras contra o Iraque (invasão em 2003), Líbano (financiamento e armamento de Israel pelos EUA), Líbia (bombardeio da OTAN em 2011), Síria (operação da CIA durante os anos 2010), Sudão (apoiando rebeldes para fragmentar o Sudão em 2011) e Somália (apoiando a invasão da Etiópia em 2006). Uma guerra futura dos EUA com o Irã, ardentemente buscada por Israel, ainda está pendente.

    Estranho como possa parecer, a CIA tem repetidamente apoiado jihadistas islâmicos para lutar nessas guerras, e os jihadistas acabaram de derrubar o regime sírio. A CIA, afinal, ajudou a criar a al-Qaeda no começo, treinando, armando e financiando os Mujahideen no Afeganistão a partir do final dos anos 1970. Sim, Osama bin Laden mais tarde se voltou contra os EUA, mas o seu movimento foi, de qualquer forma, uma criação dos EUA. Ironicamente, como confirma Seymour Hersh, foi a inteligência de Assad que “alertou os EUA sobre um iminente ataque com bomba da al-Qaeda na sede da Quinta Frota da Marinha dos EUA.”

    A Operação Timber Sycamore foi um programa secreto de um bilhão de dólares da CIA lançado por Obama para derrubar Bashar al-Assad. A CIA financiou, treinou e forneceu inteligência a grupos radicais e extremistas islâmicos. O esforço da CIA também envolveu uma “linha de ratos” para enviar armas da Líbia (atacada pela OTAN em 2011) para os jihadistas na Síria. Em 2014, Seymour Hersh descreveu a operação em seu artigo “The Red Line and the Rat Line” [A Linha Vermelha e a Linha de Ratos]:“Um anexo altamente classificado ao relatório, não divulgado, descrevia um acordo secreto alcançado no início de 2012 entre os governos de Obama e Erdoğan. Tratava-se da linha de ratos. Pelo acordo, o financiamento vinha da Turquia, além da Arábia Saudita e Catar; a CIA, com o apoio do MI6 [serviço secreto britânico], era responsável por levar armas dos arsenais de Gaddafi para a Síria.”

    Logo após o lançamento da Timber Sycamore, em março de 2013, em uma conferência conjunta entre o presidente Obama e o primeiro-ministro Netanyahu na Casa Branca, Obama disse: “Com relação à Síria, os Estados Unidos continuam a trabalhar com aliados e amigos e a oposição síria para acelerar o fim do regime de Assad.”

    Para a mentalidade sionista dos EUA-Israel, um apelo de um adversário à negociação é visto como um sinal de fraqueza do adversário. Aqueles que pedem negociações do outro lado geralmente acabam mortos – assassinados por ativos de Israel ou dos EUA. Vimos isso se desenrolar recentemente no Líbano. O Ministro das Relações Exteriores do Líbano confirmou que Hassan Nasrallah, ex-secretário-geral do Hezbollah, havia aceitado um cessar-fogo com Israel dias antes de seu assassinato. A disposição do Hezbollah de aceitar um acordo de paz, de acordo com os desejos do mundo árabe-islâmico por uma solução de dois estados, é de longa data. Da mesma forma, em vez de negociar para encerrar a guerra em Gaza, Israel assassinou o chefe político do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã.

    Para a mentalidade sionista dos EUA-Israel, um apelo à negociação por um adversário é visto como um sinal de fraqueza do adversário.

    Semelhantemente na Síria, em vez de permitir que uma solução política surgisse, os EUA se opuseram ao processo de paz várias vezes. Em 2012, a ONU havia negociado um acordo de paz na Síria que foi bloqueado pelos estadunidenses, que exigiram que Assad saísse no primeiro dia do acordo de paz. Os EUA queriam a mudança de regime, não a paz. Em setembro de 2024, Netanyahu se dirigiu à Assembleia Geral com um mapa do Oriente Médio dividido entre “Bênção” e “Maldição”, com Líbano, Síria, Iraque e Irã como parte da “maldição” de Netanyahu. A verdadeira maldição é o caminho de Israel de caos e guerra, que agora engolfou o Líbano e a Síria, com a fervorosa esperança de Netanyahu de arrastar os EUA para a guerra com o Irã também.

    Os EUA e Israel estão comemorando que conseguiram destruir mais um adversário de Israel e defensor da causa palestina, com Netanyahu reivindicando o “mérito por iniciar o processo histórico.” Muito provavelmente, a Síria agora sucumbirá à guerra contínua entre os muitos protagonistas armados, como aconteceu nas anteriores operações de mudança de regime dos EUA-Israel.

    Em resumo, a interferência dos EUA, a mando de Israel sob Netanyahu, deixou o Oriente Médio em ruínas, com mais de um milhão de mortos e guerras abertas em curso na Líbia, Sudão, Somália, Líbano, Síria e Palestina, e com o Irã à beira de um arsenal nuclear, sendo empurrado contra suas próprias inclinações para essa eventualidade.

    Tudo isso está a serviço de uma causa profundamente injusta: negar aos palestinos os seus direitos políticos em nome do extremismo sionista baseado no Livro de Josué do século VII a.C. Notavelmente, de acordo com esse texto – em que os próprios zelotes religiosos de Israel se baseiam – os israelitas nem eram os habitantes originais da terra. Pelo contrário, de acordo com o texto, Deus instrui Josué e seus guerreiros a cometer múltiplos genocídios para conquistar a terra.

    Diante disso, as nações árabe-islâmicas e, de fato, quase todo o mundo se uniram repetidamente para pedir uma solução de dois estados e paz entre Israel e Palestina.

    Em vez da solução de dois estados, Israel e os EUA fizeram um deserto e chamaram isso de paz.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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