Coronavírus: o povo de santo precisa dar sua contribuição
A expansão do novo coronavírus no Brasil deve acender o alerta de dirigentes e adeptos das religiões de matriz africana. Nossa religião possui uma ritualística que envolve muito contato físico e troca entre os participantes
A expansão do novo coronavírus no Brasil deve acender o alerta de dirigentes e adeptos das religiões de matriz africana. A transmissão comunitária do vírus já é uma realidade em pelo menos dois estados: São Paulo e Rio de Janeiro, com tendência de expansão para todo nacional. Projeções do Banco Central, reveladas pelo jornal Folha de S. Paulo, apontam que a velocidade de contágio no Brasil é maior do que em outros países, inclusive a China, podendo chegar a 80% da população, com pico esperado dentro de um mês.
Ainda sem tratamento ou sem vacina, o novo coronavírus apresenta um índice de letalidade baixo, entre 2 e 3%, segundo a Organização Mundial da Saúde, mas ainda sim superior ao de uma gripe comum. Entretanto, quando falamos da população idosa, esse índice aumenta significativamente, chega a 8% em pacientes de 70 a 79 anos e a 15% em maiores de 80 anos, conforme estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China. Ou seja, falamos de uma doença que mata preferencialmente os mais velhos.
Por isso, o momento é de serenidade, de racionalidade e de seguirmos orientações embasadas pela ciência e pelos especialistas da área. Ao contrário de orientações de lideranças de outras religiões, nós, adeptos das religiões de matrizes africana, devemos sim dar nossa contribuição para que o país enfrente essa doença.
Em geral, a recomendação dos órgãos de saúde tem sido de suspensão das atividades litúrgicas, especialmente aquelas abertas ao público. Entretanto, ainda há templos que não optaram por seguir essas orientações. Nesses casos, é preciso momentaneamente que, com respeito e disciplina, algumas tradições e paradigmas sejam rompidos em favor do bem comum e do senso de comunidade.
Explico. Nossa religião possui uma ritualística que envolve muito contato físico e troca entre os participantes, justamente atitudes que devem ser evitadas para contermos a propagação da doença. Por isso, por mais que possa parecer uma blasfêmia à tradição e aos dogmas das nossas crenças, é imperativo que rituais, como o da troca de bênçãos com beijo nas mãos, por exemplo, sejam interrompidos.
Em geral, a ritualística da benção ocorre justamente com os mais velhos, que são justamente o público mais exposto ao risco do novo coronavírus. Afinal, é preciso decidir se vamos proteger os nossos idosos ou se vamos deixá-los suscetíveis a uma doença que pode ser fatal para eles, em razão de um mero orgulho ritualístico?
No atendimento mediúnico, por exemplo, os cambonos (pessoas que auxiliam o trabalho dos guias espirituais) não devem mais ascender charutos, cigarros e cachimbo para as entidades. Tampouco deve haver compartilhamento de copos ou outros utensílios de uso pessoal, seja entre membros da corrente mediúnica ou entre corrente mediúnica e frequentadores do templo.
Além disso, é fundamental a disponibilização de álcool gel 70% em pontos estratégicos do templo para a frequente higienização das mãos de todos e a manutenção de janelas e portas abertas para melhor ventilação dos ambientes. Os dirigentes devem orientar, ainda, que pessoas doentes ou com sintomas de problemas respiratórios não participem das atividades do terreiro.
Isso nada tem a ver com o profano. É cidadania e proteção da saúde das pessoas. É seguir as recomendações do Ministério da Saúde para conter a expansão da doença, ou seja, higienização frequente das mãos, proteção da boca e do nariz ao tossir ou a espirrar, evitar contato com pessoas doentes, evitar aglomerações e manter os ambientes arejados.
Momentos excepcionais exigem medidas excepcionais. Nesta situação de crise para a saúde pública, o povo de santo pode e deve dar o exemplo. É o momento da racionalidade e da ciência estarem momentaneamente à frente das tradições e dos dogmas, por mais dolorido que isso possa ser para todos nós.
Afinal, nossa religiosidade é um ato de ligação com a espiritualidade, com o astral e com a ancestralidade, mas é também uma missão de amor, de caridade e de fraternidade com o próximo. Nada mais fraternal, neste momento, do que cuidar do próximo e dos nossos mais velhos, tão respeitados e essências em nossos cultos, ainda que esse cuidado exija uma mudança temporária de postura, de hábitos, de tradições e de dogmas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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