Crescimento econômico não juntará os cacos
A retomada do crescimento econômico é necessária, sem sombra de dúvida. Mas o crescimento do PIB não deixa de ser uma "cortina de fumaça" para acobertar o conflito de classes
Apesar de a economia brasileira ainda estar com dificuldades para crescer, é pouco provável que o PIB nacional tenha um desempenho tão negativo como teve em 2016, com recessão de 3,6%. A retomada do crescimento econômico é necessária, mas também merece algumas considerações em um cenário de polarização mais que evidente e prejudicial para o convívio social em um País tão miscigenado como o Brasil. O crescimento do PIB não deixa de ser uma "cortina de fumaça" para acobertar o conflito de classes.
A história mostra que a Rússia tinha uma economia atrasada nas duas primeiras décadas do século XX, enquanto países que passaram por revoluções burguesas já tinham o desenvolvimento econômico bem superior naquela época – Inglaterra (revoluções Puritana, nos anos 40 do século XVII, e a Gloriosa, em 1689, essa última que garantiu à burguesia direito a voto no Parlamento), França (revolução Francesa, de1789 a 1799) e Estados Unidos, com a independência do país (1776).
Mas é preciso entender que os mais pobres ficam quase impedidos de terem voz em um sistema no qual, para vários políticos, o voto é uma "roupa" da suposta democracia numa tentativa de esconder o ódio de classes – e também o patrimonialismo. Boa parte da sociedade acompanha o ódio de seus supostos representantes a camadas menos favorecidas. De acordo com o sistema, deve prevalecer a ditadura político-cultural, "legitimada" pela urna.
Uma coisa, por exemplo, é criticar a declaração do ex-presidente Lula ao dizer que não existe pessoa mais honesta que ele ou a inabilidade política da ex-presidente Dilma Rousseff. Outra é não votar no PT com este argumento: 'esses ignorantes miseráveis que sobrevivem às custas do governo têm de aprender a votar'. Ou, como fez, em outubro de 2014, o jornalista em Minas Gerais Paulinho Navarro, ao propor separatismo entre Brasil Norte-Nordeste, formado por "preguiçosos eleitores bolsistas" (expressão usava por ele no Twitter), e Brasil Sul-Sudeste, "com Aécio e demais trabalhadores esclarecidos", outro termo do colunista (veja aqui).
As inúmeras contradições da democracia demandam um conjunto de forças para ao menos sonhar com a refundação de um sistema político, para colocar de pé os pilares do crescimento econômico sustentável (não apenas no sentido ambiental), dos direitos humanos e do bem-estar social. Em um País tão polarizado como o Brasil, fica cada vez mais utópica a união entre patrões e empregados, ricos e pobres, negros e brancos, "esquerda" e "direita", héteros e homossexuais, com essa finalidade.
Outro fator contribui decisivamente para a falta de um convívio com pluralismo de ideias, mas sem ódio, que é a grande dificuldade em boa parte da população em analisar três questões: a primeira é que o objetivo do capitalismo é lucrar. Para haver lucro, deixa-se de distribuir renda, claro. Ou seja, a desigualdade é condição para o sustento do sistema capitalista.
A segunda é que, no caso de mulheres, negros e pobres, o preconceito que recai sobre esses segmentos está diretamente ligado à desigualdade social. Política de direitos humanos não é simplesmente priorizar determinado gênero, raça ou classe, mas uma necessidade consequente da formação social brasileira que, durante séculos, retirou a dignidade (isso mesmo, dignidade!) desses grupos, o que se reflete nas estatísticas socioeconômicas. Apenas para exemplificar a distorção da realidade social no pensamento de muitos brasileiros, o deputado Jair Bolsonaro (RJ), quando candidato à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorais da Câmara em 2014 pelo PP, disse que se ganhasse o pleito seria "daltônico". "Todos têm a mesma cor. O que o negro está sofrendo para que a gente possa melhorar com projetos aqui?", questionou (veja aqui a partir dos 4min7s).
A terceira questão é a seguinte: a criação da igualdade de oportunidade ainda é vista por muitos elitistas como uma solução que "fere" o princípio de que "todos são iguais perante a lei". Ou até mesmo pensamento de vagabundo. Quem acha que políticas voltadas para setores específicos da sociedade, como negros e pobres, é coisa de preguiçoso está, mesmo que sem intenção, eximindo o governo de suas responsabilidades, no sentido de criar igualdade de oportunidade – não significa que as atuais políticas direcionadas para negros e para pessoas de baixa renda estejam no modelo ideal.
No entanto, se, de acordo com elitistas, os beneficiários de programas sociais são vagabundos, vai a pergunta: e o governo serve para quê? As instituições políticas, então, podem ser vagabundas e agirem na base do "se virem"? Deixar a população "na guerra de todos contra todos", como dizia o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679)? Repito: não quer dizer que programas sociais são uma ótima política de longo prazo. Mais do que projetos direcionadas a grupos específicos é necessária a igualdade de oportunidade desde a creche, o que, infelizmente, está longe de acontecer.
O pluralismo político é saudável. Milhões de pessoas em um mesmo território com pensamento monolítico... nem em filme de ficção. Mas a polarização não é benéfica para o Brasil. Em sua obra "Origens do Totalitarismo", Hannah Arendt afirma que o isolamento é típico das tiranias, que buscam a destruição de laços sociais. Isolado, o homem perde força. Prevalece a impotência de se unir para lutar pelos seus direitos. Pois bem, no Brasil não impera nazismo nem bolchevismo. Todavia, eis o grande desafio do País: unir forças – comunidades científica e acadêmica, ativistas da comunicação pública, militantes de movimentos sociais, negros, público LGBT, etc., - para discutir formas de refundar o sistema político brasileiro e, em consequência, avançar cada vez mais rumo a uma economia sustentável, ao bem-estar social e aos direitos humanos. Mesmo sendo necessária, a retomada do crescimento econômico é de certa forma um 'finge de conta que está tudo bem'.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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