Cuidar dos doentes e de quem cuida dos doentes
Se com os profissionais de saúde o enfrentamento dessa pandemia já é um imenso desafio, o que dirá sem eles. Por isso, é fundamental a adoção de medidas prudenciais para a preservação desses profissionais
Enfermeira, mãe de dois filhos, um de seis anos e outra de apenas 10 meses, esposa, filha, irmã e cidadã brasileira. Ela chega em casa sem cumprimentar ninguém. Tira as roupas longe de todos e toma um longo banho. Só depois, pode receber o aconchego da família. Essa passou a ser a rotina dela, todos os dias quando chega do hospital, desde que a ameaça do novo coronavírus entrou em nossas vidas.
Ela procura demonstrar força e se apega ao juramento de formatura, aquele mesmo sobre salvar e proteger vidas. Mas, para quem a conhece, o olhar é de insegurança. O medo reside justamente em trazer a Covid-19 para dentro da própria família dela.
Dados sobre o comportamento do vírus na China apontam que os profissionais de saúde formam o principal grupo de risco da doença. Na província de Hubei, mais de 1,7 mil agentes de saúde foram infectados, sendo que seis morreram de pneumonia viral, incluindo o médico que foi um dos primeiros a alertar sobre a epidemia.
Naquela mesma província chinesa, no Hospital Zhongnan, 30% dos infectados foram profissionais de saúde. No Hospital Wuhan, dois terços da equipe da UTI foram infectados devido à falta de recursos médicos, segundo declarou o diretor de terapia intensiva à rede de televisão CNN, em meados de fevereiro.
Outro aspecto da pandemia são os casos assintomáticos. Em estudo publicado na revista Science, cientistas chineses e norte-americanos, coordenados pela Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia, de Nova Iorque, demonstram que, apesar dos pacientes que desenvolvem a doença serem duas vezes mais contagiosos, os assintomáticos são seis vezes mais numerosos mesmo com propensão menor a infectar outros e acabaram se tornando o motor que move a epidemia, sendo responsáveis por dois terços das infecções.
Os números foram tirados da análise dos casos registrados em Wuhan,antes de a cidade impor seu toque de recolher. Naquele contexto, a estimativa é que os portadores assintomáticos do novo coronavírus representavam 86% dos casos. Ou seja, já que não há vacina ou remédios para conter o vírus, o que funciona para conteção é o isolamento das pessoas, especilamente daquelas que já são casos confirmados, mas não só dessas.
É fundamental que aconteça uma avaliação criteriosa pela equipe de medicina do trabalho local quanto à saúde do seus colaboradores nesse momento, principalmente dos sintomáticos, de tal forma que seja feito o afastamento das atividades laborais, quando necessário, e o acompanhamento de quando esse profissional poderá retornar. A triagem, que pode ser realizada pelo próprio médico especialista do trabalho, uma vez que as outras especialidades estão nesse momento sobrecarregas no atendimento à população, e deve atender às recomendações técnicas atualizadas.
O corpo clínico de uma unidade de saúde precisa se manter firme, saudável e com sua capacidade de recursos humanos adequada para o atendimento. A alta gestão das unidades de saúde (direção, chefias de recursos humanos, chefias de medicina do trabalho e NCIH) deve também direcionar seu olhar para dentro das unidades, para seu corpo de funcionários, linha de frente no cuidado à população.
É sabido que, na realidade brasileira, há pouco teste para muitos doentes. Entretanto, antes que o caos se instale, a recomendação de que apenas pessoas com sintomas graves devem ser testadas não deve se aplicar aos profissionais de saúde, sob risco de perdemos a já limitada força de trabalho desses profissionais.
Se com os profissionais de saúde o enfrentamento dessa pandemia já é um imenso desafio, o que dirá sem eles. Por isso, é fundamental a adoção de medidas prudenciais para a preservação desses profissionais.
Já a população deve continuar adotando as recomendações das autoridades de saúde, praticando, sempre que possível, o isolamento domiciliar e só procurar as unidades de saúde quando necessário. Atitudes solidárias e motivacionais, como o ato das palmas nas janelas em homenagem aos profissionais de saúde, são muito bem-vindas e têm um impacto positivo no enfrentamento da pandemia, como pude constar pessoalmente na reação da enfermeira personagem deste texto, que é minha esposa e companheira de uma vida. Mas, o que esperamos de fato é uma ação efetiva das autoridades de saúde para que os profissionais de saúde possam continuar a exercer seu papel de salvar vidas, no cenário de expansão acelerada da Covid-19 no Brasil, com consequências ainda imprevisíveis para todos nós.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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