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    Maria do Rosário

    Deputada federal (PT-RS) e ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

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    Da corrosão ética à necropolítica

    Manifestantes fazem ato pró-Bolsonaro, em defesa da Lava Jato, do ministro Sergio Moro (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

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    Há uma evidente corrosão ética e moral na institucionalidade brasileira. Se durante muito tempo os olhares neste sentido estavam dirigidos para o poder legislativo ou focalizaram seletivamente no poder executivo para armar o golpe contra Dilma, agora é possível ver com nitidez que o golpismo e a corrupção andam de mãos dadas na atuação de Sérgio Moro, Deltan e outros integrantes do sistema de justiça.  

    A corrupção transparece fortemente na fala e na ação política dos (des)governantes, que no assalto, agora em elucidação, ocuparam os postos de poder no país e continuam manipulando as instituições e a opinião pública.  

    Se de um lado denúncias gravíssimas ensejam não só apuração como punição dos que usaram e continuam usando o estado para fins e interesses próprios, de outro aqueles que estão com a caneta na mão vem cumprindo o papel de arrancar as raízes do que sobrou do patrimônio do país, dos trabalhadores e trabalhadoras  e da população mais pobre.  

    O lodo resultante do golpe de 2016, incluindo o atual ocupante da cadeira de Brasília, cuja característica mais notável é proferir frases difíceis de limpar,  promovem a maior varrição de cidadania da história recente.  

    Fazem o que, na soma final, o sulafricano Achille Mbembe chama de “necropolítica”. Não apenas no sentido original do termo, de biopoder, como é mais conhecido, mas no sentido da fratura social que nos faz achar que não há mais razão para participar de nada e o vazio diz a muitos que não há como viver.  

    Nesse sentido, a confluência da destruição ética e moral do arcabouço do estado democrático e das políticas dele derivadas produzem terra arrasada nos direitos econômicos e sociais, expressão mais visível dos direitos humanos. 

    Na última semana, enquanto se aprovava o texto que irá ao plenário para destruir as bases mínimas da seguridade no país, ganharam pouca atenção as denúncias sobre a destruição de uma das mais reconhecidas políticas públicas brasileiras, a do enfrentamento das epidemias do HIV/Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis e a tuberculose.  

    Como se sabe, na América Latina sete países reúnem quase 90% das novas infecções. Destas, 49%  estão no Brasil, segundo a Unaids. Aqui, a lei garante desde 1996 o tratamento gratuito e desde 2014 é crime discriminar pessoas que vivem com o HIV. 

    Na audiência pública da Comissão de Legislação Participativa da Câmara Federal, co-organizada pela deputada Erika Kokay e por mim, ouvimos dos movimentos sociais de saúde e LGBT que o Decreto Federal 9795/19, maio último, não só alterou a denominação do antigo Departamento Nacional de Aids, mas retirou a visibilidade e a sua centralidade, suas atribuições e seu status no Ministério da Saúde. 

    A visão preconceituosa e irresponsável deste governo vira as costas para o problema da Aids, com quase um milhão de casos detectados desde 1980. Afeta a todos com um tendência de aumento em  gestantes.  

    No Rio Grande do Sul, onde a epidemia é considerada generalizada, crescem os casos entre mulheres, em especial as negras, com o maior coeficiente nacional de mortalidade. Crescem também a tuberculose e a sífilis congênita. Refletem a articulação de classe, gênero e raça, sob a visão de que alguns podem morrer - isso é necropolítica. Ou como diria Judith Butler, há vidas descartáveis, há corpos descartáveis,  na lógica perversa de alguns. 

    Como afirmam lideranças do movimento das pessoas que vivem com HIV: “não queremos mais falar de morte e sim de vida quando se trata de Aids”, para demonstrar que viver com o vírus é uma realidade possível desde que haja políticas adequadas de atenção e provisão de medicamentos. Estes passaram a faltar no SUS, assim como as políticas de prevenção há bastante tempo abandonadas, além de pairar no ar permanentemente a ameaça da extinção da política e o fim da distribuição dos antiretrovirais que asseguram a qualidade de vida a essa população.  

    O estado mínimo dos ultraneoliberais associado à destruição da política por práticas de um vale-tudo ideológico desde que seja contra a esquerda, fazem vítimas em todos os espectros, desde que sejam pobres, negras, mulheres, jovens, crianças, idosos, pessoa com deficiência, migrantes, reféns de milícias e de suas conexões com o estado... enfim, humanos desprovidos de cidadania para exigir seus direitos!  

    Um vídeo que circula pela internet, mostra um diálogo entre Petra Costa, a cineasta de Democracia  em Vertigem, e Caetano Veloso. A menina de então 15 anos pergunta a origem da canção Cajuína, e um Caetano emocionado relata um encontro com o pai de seu amigo, Torquato Neto, naquele momento recentemente morto.  

    A canção inicia com a pergunta essencial aos tempos de Democracia em Vertigem: Existirmos, a que será que se destina? Cada qual com sua resposta, desde que dignas. A minha é ora, à lutar! 

    Não desistiremos jamais. Faremos novas audiências, vamos visitar in loco grupos de pesquisa sobre o tema no Rio Grande do Sul, vamos lutar e resistir. Para nós, todas as vidas importam.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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