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      Sara York

      Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

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      Da escravidão à liberdade: as conexões entre passado e presente

      A jornalista Sara York destaca exposição que aponta os "esforços de populações africanas escravizadas que resistiram ao sistema de escravização"

      (Foto: Marc Ferrez/Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles)

      A exposição In Slavery's Wake: Making Black Freedom in the World (Nos ecos da Escravidão: Forjando Caminhos para a Liberdade Negra no Mundo - tradução minha) é um projeto curatorial global inovador que nasceu a mais de uma década de colaboração entre curadores internacionais, acadêmicos e membros da comunidade, com o objetivo de contar as histórias de escravidão e colonialismo em espaços públicos. Este projeto, além de refletir as diversas lutas pela liberdade negra ao redor do mundo, tem como uma de suas principais vozes a historiadora brasileira Keila Grinberg.

      A Dra. Keila Grinberg, reconhecida por sua vasta contribuição ao estudo da história da escravidão e seus impactos nas sociedades contemporâneas, desempenhou um papel fundamental na curadoria e na articulação das narrativas que formam essa exposição. Ela me recebeu em 2023 na Universidade de Pittsburgh, onde coordena o Centro de Estudos Latino-Americanos (CLAS) e naquele momento ela me chamava atenção para eventos de resistência ocorridos diante da violência para com grupos historicamente alçados ao estigma com ajuda da Medicina, do Direito e das ciências. Sua pesquisa profunda sobre o legado da escravização no Brasil, em particular, ajudou a dar forma a diversas das exposições e narrativas locais, conectando o passado e o presente de maneira significativa.

      A exposição percorre museus em diversos continentes, incluindo Bélgica, Brasil, Inglaterra, Senegal, África do Sul e Estados Unidos, ressaltando o impacto global da escravização e seus legados. Nos Estados Unidos, mais especificamente em Washington DC, a exposição apresenta pela primeira vez uma série de acontecimentos históricos pouco discutidos ou reconhecidos no contexto do colonialismo. Entre esses eventos, estão histórias inéditas de resistência e sobrevivência de comunidades negras que, ao longo dos séculos, lutaram pela sua liberdade de formas frequentemente marginalizadas pela historiografia tradicional.

      Uma dessas narrativas revela os esforços de populações africanas escravizadas no Brasil e nos Estados Unidos que, com o apoio de seus conhecimentos culturais, resistiram ao sistema de escravização de maneira organizada e estratégica, o que será abordado pela primeira vez em uma grande exposição pública. Outras novas descobertas abordam as conexões entre a escravização transatlântica e os efeitos socioeconômicos das comunidades afrodescendentes no Brasil e nos Estados Unidos, contribuindo para uma reflexão deste impacto na desigualdade racial, econômica e social.

      Os parceiros curatoriais de cada país contribuíram com histórias e artefatos locais, refletindo as experiências de suas comunidades dentro do contexto mais amplo da escravização global. A Dra. Keila Grinberg contribuiu para a inclusão de materiais históricos e culturais, especialmente focados nas experiências de resistência e sobrevivência das populações negras nas Américas, incluindo dados e objetos que foram até então pouco explorados em grandes mostras públicas.

      Além disso, a exposição incorpora uma nova coleção de histórias orais, filmadas em cada um dos locais parceiros, chamada Conversas Inacabadas. Essas histórias trazem as vozes de pessoas comuns e são uma parte essencial do projeto, oferecendo uma perspectiva mais íntima e pessoal sobre os efeitos da escravização e suas consequências até os dias de hoje.

      Como um projeto internacional, Na Esteira da Escravidão não se limita a uma visão unidimensional, mas apresenta uma visão multifacetada que desafia os visitantes a refletirem sobre a complexa história da escravização e suas repercussões.

      O projeto é organizado por instituições de renome, como o Ruth J. Simmons Center for the Study of Slavery and Justice da Brown University, o Center for the Study of Global Slavery e o Smithsonian National Museum of African American History and Culture.

      Por sua abordagem inovadora e atualizada, Na Esteira da Escravidão oferece uma plataforma única para discutir o impacto contínuo da escravidão nas sociedades contemporâneas. Esta exposição não apenas resgata a história do passado, mas também nos leva a refletir sobre os desafios enfrentados pelos descendentes de pessoas escravizadas, especialmente no que diz respeito à autoestima e à identidade negra.

      Em um dos momentos mais emocionantes da visita, entrevistei um jovem negro estadunidense, Kimani Campbell, estudante de História Afro-Americana na Morgan State University, em Baltimore, Maryland. Durante sua visita à exposição, Kimani compartilhou o sentimento que tem ao se deparar com essas histórias, e me contou como a construção de sua autoestima foi um processo desafiador, desde a infância até hoje.

      Ele me explicou que por estar estudando temas como supremacia branca e nacionalismo negro no Brasil, Estados Unidos e África do Sul, a experiência foi uma forma de conectar seu aprendizado acadêmico com a história representada na mostra. "É uma boa experiência de aprendizado", disse Kimani, que explicou como o conteúdo da exposição reforçou e também trouxe novas informações.

      Ao ser perguntado sobre a autoestima de jovens negros nos Estados Unidos, Kimani ressaltou a importância da construção dessa confiança desde muito cedo. "Eu diria que a autoestima, como homem negro, é algo que tem que ser construído. Começa quando você é muito jovem, e tem que ser amadurecida, trabalhada e alimentada. Não é algo que você simplesmente acorda e tem. Requer trabalho árduo e o apoio de pessoas ao seu redor. Muitas vezes, é a sua comunidade, seus amigos e familiares que vão te lembrar da sua importância e te elevar", afirmou Kimani.

      Inspirado pela sua própria experiência, pedi a ele que deixasse uma mensagem para os jovens negros brasileiros que ainda enfrentam dificuldades em relação à autoestima. Com um sorriso, ele disse: "Olhe no espelho e saiba que tudo o que você vê foi criado de forma intencional. Você é bonito, independentemente de como você se pareça em relação aos seus colegas de pele mais clara ou com textura de cabelo diferente. A verdadeira beleza vem do seu caráter, de quem você é como pessoa. Mesmo que você olhe no espelho e se sinta de uma forma, saiba que a pessoa que você é por dentro brilhará muito mais do que qualquer aparência física."

      As palavras de Kimani ressoam profundamente, não só para os jovens negros dos Estados Unidos, mas também para aqueles no Brasil, que continuam a lutar contra o peso das mentalidades estigmatizantes ainda presentes na sociedade. Sua mensagem é um lembrete poderoso de que a verdadeira autoestima vem do reconhecimento de nossa própria humanidade e da beleza inerente que cada pessoa carrega.

      De repente éramos apenas duas pessoas com os olhos marejados, aquele jovem de Mariland e a travesti brasileira que o ouvia com orgulho os ecos da história produzindo vida no presente e sonhos para o futuro.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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