Frase de Damares Alves sobre 'vagina de criança' é repulsiva e monstruosa
"'Se provarem que vagina de menina de 12 anos está pronta para ser possuída, paro de falar'. A frase de Damares Alves é uma monstruosidade. A pretexto de combater a iniciação sexual prematura, ela distorce a gramática e produz um enunciado que mais parece uma confissão", diz o colunista Gustavo Conde, sobre o fantasma traumático que persegue a pastora-ministra de Direitos Humanos
"Se provarem que vagina de menina de 12 anos está pronta para ser possuída, paro de falar".
A frase de Damares Alves é uma monstruosidade. A pretexto de combater a iniciação sexual prematura, ela distorce a gramática e produz um enunciado que se parece mais com uma confissão.
Primeiro, ela objetifica a criança de uma maneira assustadora. Fala em 'vagina', em vez de falar do ser humano.
Segundo, usa o verbo 'possuir', dando um sentido místico à violência sexual.
Terceiro: transfere ao macho adulto a portabilidade da referência moral para se decidir se uma criança deve ou não fazer sexo, por pressuposição, raciocínio típico de estupradores e psicopatas.
Quarto: não cita meninos de 12 anos que sofrem quase tanta violência sexual quanto as meninas - ela enquadra, portanto, até a violência sexual sob a lente homofóbica de sua pasta.
Quinto: admite que pode existir uma "prova" para que meninas de 12 anos possam ser 'possuídas'. É quase um convite para as explicações biologicistas de maturidade sexual e, consequentemente, de prática de violência.
Sexto: admite o próprio silêncio diante de uma simples explicação que comprove a possibilidade de uma criança-adolescente ser 'possuída'.
A fala de Damares não é uma aberração. É um crime. É a materialização do mais profundo machismo associado à ignorância severa, típica de nichos propícios à prática de violência sexual em crianças, como porões de cultos, famílias degradadas por machos alcoólatras e contextos em que adultos e crianças habitam bolhas refratárias à assistência social não instrumentalizada por fanáticos religiosos.
No entanto, não é tão simples julgar Damares. Ela diz ter sido vítima de violência sexual continuada antes dos 10 anos de idade e eu acredito.
Ela subiu num pé de goiabeira porque não aguentava mais ser estuprada por dois pastores. Foi ali, nesse árvore, que ela disse ter visto Jesus Cristo.
De uma certa maneira, Damares foi iniciada na vida religiosa através do estupro.
E em vez de ela fugir desse mundo de fanatismo, oportunismo, misoginia e instintos assassinos de estupradores de crianças, ela mergulhou de cabeça: virou pastora.
Todo o seu regime de pressupostos, toda a sua lógica, toda a sua energia psíquica, seus argumentos, suas propostas, seus silêncios e suas 'lacrações' estão embutidas nesse universo ideológico da cultura misógina, sexista e sádica dos homens de poder, religiosos ou não.
Ela continua sendo 'estuprada' diariamente por aqueles dois pastores e tenta aplacar sua dor e seu trauma veiculando enunciados e frases para que mais crianças como ela sejam estupradas e depois busquem a redenção subindo num pé de goiabeira e tendo a visão de Jesus Cristo.
Damares, na verdade, precisava de ajuda psicológica, ajuda que nunca teve.
É nesse patamar em que está o Brasil, país com o maior índice de violência sexual do mundo: temos uma autoproclamada enviada de Deus, portadora de um trauma sexual gigantesco, instalada no ministério de Direitos Humanos, falando de 'vagina de criança' e de 'ser possuída'.
Seria cômico se não fosse catastrófico.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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