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    Leonardo Boff

    Ecoteólogo, filósofo e escritor. Escreveu Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 1995/2015; em espanhol por Trotta, Madrid 1996, Dabar, México 1996

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    De quanta terra precisa um homem?

    "É a lógica do capital. Nele vivemos e sofremos", escreve Leonardo Boff

    Moedas de reais (Foto: REUTERS/Bruno Domingos)

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    Numa roda, cercado de rústicos peões de sua fazenda Yasnaya Polyana, Léon Tolstói (1828-1910) o grande escritor russo, contou-lhes a seguinte estória que eu me permito resumir para exemplificar como funciona a cabeça de um capitalista.

    “Havia um camponês pobre mas muito desejoso de possuir mais a mais terra para cultivar e ficar rico. Pensou: “Vou fazer um pacto com o diabo. Este vai me dar sorte”, disse ele à mulher, que torceu o nariz e advertiu-o: “Meu marido, cuidado com o diabo, nunca sai coisa boa fazendo um pacto com ele; essa sua vontade de ficar rico, vai ainda pô-lo a perder”.

    Mas, por insistência do marido, resolveu acompanhá-lo. Com tal que partiram, levando poucos pertences.

    Souberam que longe daí havia um grupo de ciganos que vendiam terras baratas. Para aquelas paragens rumou o casal. Chegando lá, eis que o diabo já estava de pé, todo apessoado, dando ares de um influente mercador de terras. O camponês e sua mulher cumprimentaram educadamente os ciganos. Quando iam expressar seu desejo de adquirir terras deles, o diabo, sem cerimônias, logo se antecipou e disse:

    “Bom senhor, vejo que veio de longe e é tomado por um grande desejo de  fazer  fortuna. Tenho uma excelente proposta para você, melhor do que aquela dos ciganos. Faço-lhe a seguinte proposta: você deixa uma quantia razoável de dinheiro  numa bolsa aqui onde estou de pé. Se você percorrer um território durante o tempo de um dia, do nascer ao pôr do sol, e estiver de volta antes de o sol se pôr, toda a terra percorrida será sua. Caso contrário perderá as terras percorridas e o dinheiro da bolsa”.

    Os olhos do camponês, ávido por riqueza, brilharam de emoção e disse: 

    “Acho uma excelente proposta. Tenho pernas fortes e aceito. Amanhã bem cedo, ao nascer do sol, ponho-me a correr e todo o território que minhas pernas puderem alcançar, será meu”. 

     O diabo, sempre malicioso, sorriu todo faceiro.

    De fato, bem cedo, mal o sol rompeu a fímbria do horizonte, o camponês, tomado de cobiça, se pôs a correr. Correu e correu muito. Pulou cercas, atravessou riachos e, não contente, sequer parou para descansar. Via diante de si uma ridente planície verde e logo pensou: “aqui vou plantar trigo em abundância”. Olhando à esquerda, se descortinava um vale muito plano e pensou: “aqui posso fazer toda uma plantação de linho para dar e vender”.

    Subiu, ofegante, uma pequena colina e eis, que lá em baixo se abria um campo de terra virgem. Logo pensou: “quero também aquela terra. Aí vou criar gado e ovelhas e vou encher as burras com muito dinheiro. 

    E assim percorreu muitos quilômetros, não satisfeito com o que tinha conquistado, pois os lugares que via, eram atraentes e alimentavam ainda mais seu desejo incontido de também possui-los.

    De repente olhou para o céu e se deu conta de que o sol estava se pondo atrás da montanha. Disse de si para consigo mesmo:

    “Não há tempo a perder. Tenho que voltar correndo, senão perco todos os terrenos percorridos e, por cima ainda, o dinheiro. “Um dia de dor, uma vida de amor”, pensou como dizia seu avô.

    Pôs-se a correr com uma velocidade espantosa para suas pernas cansadas. Mas tinha que correr sem reparar os limites dos músculos retesados. Sempre olhava a posição do sol, já perto do horizonte, enorme e vermelho como sangue. Mas não se havia ainda posto totalmente. Mesmo cansadíssimo, corria mais e mais e já nem sentia as pernas. Pesaroso pensou: “talvez abarquei demais terras e posso perder tudo. Mas vamos em frente”.

    Vendo, porém, ao longe o diabo, solenemente, de pé e ao seu lado a sacola de dinheiro, recobrou mais o ânimo, certo de que iria chegar antes do pôr do sol. Reuniu todas as energias que tinha e fez um derradeiro esforço. Pulou uma cerca, atravessou um riacho e corria, quase voando. Não muito longe da chegada, atirou-se para frente, quase perdendo o equilíbrio. Refeito, deu ainda alguns passos longos.

    Foi então que, extenuado e já sem nenhuma força, se estatelou no chão. E morreu. A boca sangrava e todo o corpo estava coberto de arranhões e de suor.

    O diabo, maldosamente, apenas sorriu e tomou para si a bolsa de dinheiro. Indiferente ao destino do morto, deu-se ainda ao trabalho de fazer uma cova com o tamanho do camponês e ajeitou-o lá dentro. Eram apenas sete palmos de terra, a parte menor que lhe cabia de todos os terrenos andados. Não precisava de mais do que isso. A mulher, petrificada, assistia a tudo, chorando copiosamente”.

    Esse conto nos faz lembrar o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) que nos deixou a comovente obra Morte e Vida Severina (1995). No funeral do lavrador diz:“Esta cova em que estás, com palmos medida, é a conta menor que tiraste em vida; é a parte que te cabe deste latifúndio”.

    A mulher do camponês estava certa em sua advertência: “Cuidado com o diabo, pois, te estimula a ter mais e mais e, por fim, acaba contigo e toma todo o teu dinheiro”. É a lógica do capital. Nele vivemos e sofremos. Avançando sobre as florestas ele nos trouxe o Covid-19. Como nos livraremos dele?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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