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    Miguel Paiva

    Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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    Decifrando O Pasquim

    "Um jornal de humor escrachado que debochou de tudo e todos, inclusive do regime militar, e desafiou a censura e a ditadura", lembra Miguel Paiva

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    Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia

    É surpreendente pensar que O Pasquim foi lançado seis meses depois do AI-5, no início do momento mais sombrio e de maior perseguição da ditadura militar. Não comecei a trabalhar no jornal logo no início, mas era assistente do Ziraldo e pude acompanhar todo o processo que acontecia inclusive no escritório dele – cheguei a ir na casa do Sergio Porto, mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta, antes do jornal nascer: após a morte do jornalista, O Pasquim surgiu ocupando o espaço vago deixado pela Carapuça, que Porto editava. Acabou que o jornal foi lançado na cara e na coragem: a cara de todos, e a coragem sobretudo do Tarso de Castro, que era a hélice inicial daquele barco a vapor que escolheu o mar aberto para navegar. E durante um tempo deu certo, sabe-se lá como.

    Até hoje, pensando em toda história para preparar o curso que eu e meu filho Vitor Paiva daremos no CCE da PUC-RJ sobre a história do Pasquim, fica difícil estabelecer uma linha do tempo natural e lógica: Tudo foi ao mesmo tempo atabalhoado e tranquilo. Era uma loucura, mas era um trabalho, um jornal que tinha dia de reunião de pauta, de fechamento, de impressão e tudo o mais, como todos os outros. Por que então tanto se falou e ainda se fala sobre ele? É isso que vamos tentar esclarecer neste curso, chamado justamente O Pasquim, censura, subversão, revolução no jornalismo brasileiro.

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    Confesso que vai ser bom para mim também tentar entender tudo que vi e vivi nos anos em que trabalhei no Pasquim: passar a minha experiência a diante, claro, é interessante, mas estou muito interessado também em compreender enfim o que diabos era aquilo, um jornal de humor escrachado que debochou de tudo e todos, inclusive do regime militar, e desafiou a censura e a ditadura ao mesmo passo que alcançava imenso sucesso popular – sem assinatura, sem grandes empresas por trás, sem orçamentos milionários, e sem que ninguém ganhasse muito dinheiro. Conto com a ajuda do Vitor, estudioso do tema e pesquisador dedicado, que volta e meia me lembra de fatos que vivi mas esqueci.

    O que, afinal, estava por detrás daquela conjunção de fatores que fez do Pasquim o jornal transformador da imprensa escrita no Brasil? Depois dele vieram vários, até para provar que bastava o primeiro para desentupir aquela linguagem conservadora e embotada que a imprensa então reproduzia, ainda como herança dos jornais europeus. Foi preciso um pouco mais de loucura, irresponsabilidade, algumas doses de uísque e outros tempos para que cometêssemos barbaridades sem sermos cancelados – mesmo que a redação tenha sido quase que inteiramente presa pela repressão. Eu fiquei fora, ao lado de Henfil, Millôr, Martha Alencar e Chico Junior, entre outros, ajudando a fazer o jornal seguir, sem poder noticiar a prisão da estelar equipe principal, enquanto nomes como Tarso, Ziraldo, Jaguar, Claudius, Fortuna e tantos mais se encontravam presos. 

    É verdade que o público leitor queria muito um jornal como era O Pasquim, sobretudo numa época em que a imprensa era severamente vigiada, que conseguia escapar da sedução do poder do governo e das amarras comerciais para falar a voz de uma juventude, de uma classe média, de um sonho passado no mítico bairro de Ipanema do fim dos anos 1960 e início dos anos 1970. Como o governo não cumpria a parte dele e pegava pesado, vários jornalistas não resistiam e abriam a boca. Mas O Pasquim foi além: fazia rir, e o humor sempre foi arma poderosa contra os tiranos. Ridicularizar o poder é o que alimentava a cumplicidade com quem lia – e foi o que houve. 

    Durante um tempo, até a prisão dos membros do jornal, o sucesso foi explosivo, e o jornal vendeu muito mais do que se imaginava - me lembro até hoje das expressões de surpresas quando os números das vendas eram confirmados, e a surpresa também valia para o que deveria ser feito com esse sucesso. Como lidar com essa grana que entrava? Como conversar com as agências de propaganda, que tinham pudor em anunciar num jornal como aquele? Algumas empresas romperam a barreira e apoiaram a publicação, e assim veio a sobrevida até a prisão. 

    Jaguar continuou segurando as pontas por muitos anos com unhas e dentes, e fez o jornal entrar para a História como um grande veículo transformador. Depois do Pasquim, a linguagem jornalística mudou, o humor se expandiu, o cartum virou produto de qualidade, a língua portuguesa se modernizou, o humor passou a ser reconhecido como elemento cultural e político e a imprensa alternativa se estabeleceu de vez.

    O nosso curso vai abordar tudo isso, mas não somente: são pautas inevitáveis e importantes o machismo do jornal e a predominância masculina, as entrevistas escandalosas, as brigas em vias de fato, a censura e, ao mesmo tempo, o grande poder de lançar produtos e símbolos que O Pasquim exerceu. A música “Águas de Março”, de Tom Jobim, por exemplo, foi primeiro lançada em um compacto pelo jornal, e a editora Codecri, também ligada ao Pasquim, vendeu milhares de livros, incluindo volumes com a obra do Henfil. 

    Era uma empresa que não cabia em si mesma, mantida sobre o total despreparo dos sócios, que acabou sucumbindo ao mercado e à mediocridade que se estabeleceu no país pela ditadura. Os filhotes, porém, felizmente vieram e viveram um bom tempo, mas nunca houve uma aventura na imprensa brasileira como foi O Pasquim. Só nos resta mergulhar nesse universo e tentar entender, além e através dele, o país em que vivemos. As maiores informações sobre o curso O Pasquim, censura, subversão, revolução no jornalismo brasileiro e a inscrição podem ser acessadas aqui.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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