Decoro parlamentar não admite misoginia e violência política de gênero
Nesta terceira semana do Mês da Mulher, dois casos de violência política de gênero expõem o desprezo de parlamentares pelo decoro, escreve Aquiles Lins
O Congresso Nacional foi palco de dois episódios que não podem ser relativizados como meras “brincadeiras” ou manifestações isoladas. Trata-se de violência política de gênero, uma prática que tenta rebaixar, humilhar e afastar mulheres da esfera pública, utilizando ofensas e ameaças como instrumentos de poder.
O primeiro caso envolveu o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), que recorreu a ataques misóginos contra a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT). Ao compará-la a uma garota de programa e insinuar um suposto relacionamento poliamoroso entre a ministra, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), Gayer ultrapassou qualquer limite do debate político. O objetivo de sua conduta não foi outro senão desqualificar Gleisi enquanto mulher e figura pública.
Diante da gravidade do ataque, a ministra apresentou uma queixa-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF), acusando o parlamentar de violência política de gênero e solicitando sua condenação, além de uma indenização por danos morais. Como destacam seus advogados, a tentativa de humilhação pública de uma mulher não pode ser tolerada em um país que se propõe a combater esse tipo de violência.
O segundo episódio foi protagonizado pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), que, em tom "jocoso", sugeriu que ouvir a ministra Marina Silva por seis horas sem querer “enforcá-la” seria um desafio. Mesmo após repercussão negativa, o senador não demonstrou arrependimento e insistiu na narrativa de que sua fala era apenas uma piada. No entanto, a suposta “brincadeira” normaliza uma cultura de violência que tem consequências concretas: mulheres são atacadas, ameaçadas e assassinadas diariamente em um país onde o feminicídio bate recordes.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, o número de feminicídios no último ano chegou a 1.467 vítimas, o maior desde a criação da lei que tipifica esse crime, em 2015. A violência de gênero se manifesta em diversas esferas – da política ao cotidiano –, e mulheres negras são as mais atingidas, representando 66,9% dos casos registrados.
Esses números reforçam a necessidade de combater com seriedade qualquer comportamento que perpetue a misoginia e a violência política. Não se trata apenas de exigir respeito às mulheres na política, mas de defender a democracia e a civilidade no debate público. O programa Brasil sem Misoginia, do Ministério das Mulheres, é um dos esforços para mobilizar a sociedade contra essa cultura de ódio e discriminação, mas sua eficácia depende da adesão de todas as instituições, inclusive do próprio Congresso. Os parlamentares devem ser instrumentos de combate à violência contra a mulher.
O decoro parlamentar não pode servir como escudo para a misoginia. O mínimo que se espera de um parlamentar é o respeito à dignidade das mulheres – dentro e fora da política. Isso exige uma medida por parte das duas Casas - Câmara e Senado, para punir as agressões contra mulheres e estabelecer patamares mínimos de civilidade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: