Dedo podre: o risco de indicar um Mr. Hyde achando ser o Dr. Jekyll
Um bom caminho é ignorar pavões e interesseiros
Nossa sociedade está carente de pessoas leais, de pessoas com que se possa contar de verdade, com compromisso programático. Não é leitura fácil distinguir os leais, os fieis dos fingidos. Quantas vezes a gente se engana, ao pensar que o interlocutor é o que promete ser, se vende de uma forma e, depois, faz exatamente o contrário do que se esperava. É a dor de ter o chamado dedo podre quando o assunto é indicação, especialmente as políticas.
Lealdade é distinta de fidelidade, que carrega um peso moral muito grande. A lealdade, não. Ela é apenas um recorte do sinalagma inerente às relações sociais. Ser leal é ser previsível, é se portar de acordo com o esperado nos negócios da vida. É não surpreender pelas costas, não trair. É manter sua palavra.
Ninguém está imune a essas trapaças da vida social e, em especial, no campo político. Por isso mesmo que fazer indicação para determinados cargos é tarefa de altíssimo risco pessoal. É preciso conhecer muito para garantir acertos. É uma promessa de fato de terceiro, como se diz no direito civil. E quem promete fato de terceiro assume a responsabilidade pelo fato não realizado: é quem prometeu que fica inadimplente, não aquele cuja performance foi prometida.
Se você quer conhecer alguém verdadeiramente, dê-lhe poder. A revelação vem a jato. Pessoas variam de humor, disposição e vaidade. O caráter será testado. Quando se indica alguém para uma tarefa, na sincera crença de que vai se desempenhar bem, vai atender as expectativas, costuma-se levar em conta seu padrão de conduta ao longo de uma vida, em condições normais de temperatura e pressão. Mas se essas condições mudam, não se tem a mínima ideia como a pessoa irá agir a determinados estímulos e oportunidades. Um amigo boa praça pode ser transformar num monstro se for se deixar levar pela vaidade ou pela ambição que a indicação consegue suscitar. E aí, Dr. Jekyll se torna Mr. Hyde rapidamente.
Conselho bom é conselho honesto. Importante vir empacotado com monte de disclaimer. Ninguém sabe o que se passa na cachola do outro. Quem tem a prerrogativa e o dever de indicar assume o risco em que se colocou. Quem não tem e quer ajudar, é melhor respeitar quem indica. O máximo que pode fazer - se perguntado - é ser franco e dizer sobre os prós e contras de quem é cogitado para uma determinada indicação, com o cuidado de não ser injusto.
Uma indicação política é muito mais sensível. Nela, muitas vezes se espera mais que lealdade. Espera-se fidelidade. Fidelidade a convicções e valores ideológicos e programáticos. Afinal, aquele que tem a prerrogativa da indicação foi colocado nessa posição pelo voto de eleitores, atraídos por promessas e perspectivas. Estas vêm embrulhadas num invólucro moral. O eleito precisa se justificar para o seu eleitorado. Pode perder apoio se a escolha não encontrar justificativa suficiente. Explicações, por si, não bastam. Mais do que a racionalidade, impera a virtude do correto.
Vale questionar por que cargas d’água tem gente que se acha no direito de fazer lobby para ocupação de alguns cargos estratégicos. Pressiona quem tem o poder de fato para aceitar suas sugestões e depois, se o indicado não corresponder, não carrega o fardo da péssima escolha.
O Presidente Lula tem escolhas cruciais a fazer num futuro próximo. Certamente ouvirá que lhe tem sido leal para tomar as decisões. Incabível, no entanto, é querer impor, sob pena de seu desgaste nas relações pessoais e institucionais, este ou aquele nome. Há gente que cai feito um raio em céu límpido - sem nenhum direito pessoal, sem nenhum serviço prestado que possa mensurar sua lealdade - e quer pública ou conspirativamente fazer chegar ao presidente como e quem indicar. Como se diz no linguajar popular, não se enxerga. Um bom caminho é ignorar pavões e interesseiros.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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