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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Descansem, EUA. A única bomba que temos, por ora, é Pablo Marçal

"No momento, a única bomba que o país produziu chama-se Pablo Marçal", escreve Denise Assis

Pablo Marçal (Foto: Reprodução/Instagram/@pablomarcalporsp)

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A publicação de um artigo que tratou da desconfiança estadunidense sobre a produção do submarino nuclear Álvaro Alberto suscitou algumas conversas paralelas entre os que se interessam pela questão no meio militar. Estudiosos do tema se posicionaram, e uma das mensagens chamou minha atenção particularmente, por afirmar: “Fazer a bomba é muitíssimo mais fácil do que fazer submarinos com propulsão nuclear!!”

Para os leigos, a categórica tese surpreende, pois sempre vimos a bomba, aquele monstro capaz de matar quase duzentas mil pessoas em segundos, provocando uma fumaça densa em forma de cogumelo, como algo muito complexo, do qual deveríamos manter distância. O submarino, feito aqui, perto de nós, com nome de gente, soa mais amigável. Mas, um ou outro, segundo o império parece nos dizer durante todo o tempo, não é para o nosso bico.

Em resumo: o Brasil ter a capacidade de enriquecer urânio incomoda muito a potência hegemônica, mesmo sabendo que o urânio enriquecido não se destina à produção de bombas.

A propulsão nuclear é considerada pela Agência Internacional de Energia Atômica como uma alternativa para a propulsão diesel-elétrica convencional de submarinos. Essa posição da AIEA foi tornada pública desde quando a Argentina protestou contra o afundamento do Cruzador Belgrano na Guerra das Malvinas pelo Conqueror, um submarino inglês com propulsão nuclear.

Por aqui, a energia nuclear entrou na pauta política quando o penúltimo ditador, Ernesto Geisel (1974-1979), assinou o acordo nuclear com a Alemanha, em 27 de junho de 1975. Ele o fez por ter ficado indignado com o fato de os Estados Unidos terem declarado que não iriam mais fornecer combustível para a usina nuclear Angra 1, como eles contratualmente haviam pactuado. Isso porque o governo do Presidente Costa e Silva aceitou atender a um planejamento que indicava uma usina de cerca de 200 megawatts entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. A recusa em continuar fornecendo o combustível se deveu ao fato de o Brasil ter assinado e ratificado no Congresso o “Tratado de Tlatelolco”, que não permitia que países da América Latina (inclusive o Brasil) desenvolvessem bombas atômicas.

Estávamos, então, em plena "First Nuclear Era", quando os países acreditavam que as usinas nucleares resolveriam completamente os problemas de geração de energia elétrica. O Presidente Geisel, que já havia praticamente esgotado as possibilidades de construção de grandes hidrelétricas (inclusive já tinha iniciado a usina de Itaipu), resolveu assinar um tratado com a Alemanha, que previa a construção de oito usinas nucleares e o fornecimento da tecnologia do ciclo do combustível nuclear.

No início, as negociações estabeleciam também que a Alemanha forneceria a tecnologia de ultracentrífugas para o enriquecimento de urânio, mas foi um grande embuste comercial, pois quando as negociações estavam bem adiantadas, a Alemanha alegou que os EUA haviam pressionado a Holanda (sócia juntamente com a Alemanha e Inglaterra) da URENCO, empresa que havia desenvolvido as ultracentrífugas.

A essa altura, a tecnologia disponível era a de difusão gasosa, empregada pelos EUA, Rússia e China, mas altamente dispendiosa, pois gastava eletricidade demais e exigia grande investimento inicial.

A Alemanha, na década de 1970, precisava de eletricidade gerada por usinas nucleares que usavam combustível nuclear produzido em solo da Holanda, pela empresa URENCO (pertencente à Alemanha, Holanda e Inglaterra), usando na sua usina de enriquecimento de urânio a moderna e recém-desenvolvida tecnologia, pois a geopolítica da época não permitia receber da União Soviética o gás necessário para suas usinas termoelétricas. Entretanto, ofertaram ao Brasil a tecnologia “jet nozzle”, concebida por um professor alemão, que nunca havia enriquecido um miligrama de urânio. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) pressionou para que fosse inserida no Acordo Brasil e Alemanha uma cláusula proibindo terminantemente que qualquer tecnologia transferida no acordo tivesse aplicação militar.

Na época da criação da NUCLEBRAS, o professor Benedict, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), explicou durante uma aula as bases do processo "jet nozzle" e, ao terminar, disse rindo: “os brasileiros acreditaram e estão pagando uma fortuna por isso". O professor Benedict foi o fundador do Departamento de Engenharia Nuclear no MIT.

Foi o Almirante Maximiano da Fonseca quem determinou que se averiguasse as possibilidades de o Brasil desenvolver submarinos com propulsão nuclear. Em troca, recebeu a notícia de que o processo jet nozzle não daria certo e, se por acaso enriquecesse urânio, não poderia ser usado como combustível nuclear de submarinos. Além disso, seu uso caracterizaria uma aplicação militar de tecnologia, cuja restrição constava no acordo Brasil-Alemanha.

A reciclagem pelas ultracentrífugas do hexafluoreto de urânio pode atingir alto enriquecimento. Mesmo o Brasil tendo aceitado inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica, que detecta qualquer traço de urânio enriquecido acima de 20%, o enriquecimento necessário para alimentar o reator IEA-R1, que produz radioisótopos para medicina, não seria tolerado, à luz do contrato.

No IPEN, em São Paulo, conseguiram fazer uma modificação que tornou o reator extremamente seguro e com a potência de 5 MW e não somente 2 MW, quando foi inaugurado com a presença do Presidente Juscelino Kubitschek. Esse aumento de potência melhorou a produção de radioisótopos e possibilitou o desenvolvimento do projeto do nosso submarino nuclear. O avanço irritou os EUA, que agora, vendo o projeto caminhar, voltam a suscitar dúvidas sobre a produção, pelo Brasil, de uma bomba atômica. No momento, a única bomba que o país produziu chama-se Pablo Marçal. Esta, sim, de muitos megatons.

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