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    Jorge Folena

    Advogado, jurista e doutor em ciência política.

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    Dilma Rousseff: “A misoginia invade a política”

    Leoas como Dilma lutam diariamente, muitas vezes sozinhas, para manter a dignidade de suas famílias e fazer do mundo um lugar mais seguro para todas as mulheres

    Dilma Rousseff (Foto: Roberto Stuckert)

    Em sua visita ao México, em 2021, na celebração dos 700 anos de fundação da Cidade do México – Tenochtitlán, a presidenta Dilma Rousseff lembrou em seu discurso a afirmação do grande cronista mexicano Carlos Monsivais: “se a batalha cultural não acontecer, a batalha política pode estar perdida”. Esta lembrança é muito oportuna para o momento político atual do Brasil.

    Em perfeita síntese, Dilma demonstrou que “a misoginia invade a política e é um dos obstáculos autoritários que continuam a nos fazer retroceder e declinar em nossas frágeis e instáveis democracias.”

    No dia 12 de março de 2025 tomou posse na presidência do Superior Tribunal Militar (STM) a Ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha. Sua posse representou mais um importante passo na luta das mulheres contra a opressão patriarcal no Brasil, país que hoje está promovendo o enquadramento dos fascistas, que utilizam a misoginia como bandeira de discriminação e ódio, como fez o deputado bolsonarista Gustavo Gayer contra a ministra Gleisi Hoffman.

    Indivíduos misóginos apregoam que meninos devem vestir azul e meninas, rosa, mas o que pretendem mesmo com essa batalha cultural negativa é manter a segregação e o contínuo processo de exploração, numa sociedade em que as pessoas mais vulneráveis, mantidas sem direito nem ao próprio corpo, são as mulheres, vistas por certos grupos como mero objeto reprodutivo.

    Ao longo dos séculos, a luta constante das mulheres no mundo tem sido sempre contra o patriarcado, que lhes impõe todo tipo de violência e opressão. Nos contos que integram a obra Mulheres, apresentados a partir de lendas dos povos indígenas, Eduardo Galeano narra o processo de subjugamento do matriarcado e de eliminação do sistema comunal, que vigorava nos tempos em que as mulheres, além da importante atribuição de caçar e pescar para alimentar a todos, tinham plena e total liberdade, pois “saíam das aldeias e voltavam quando podiam ou queriam”, ratificando a sua autonomia.

    No conto “A autoridade”, o autor narra que “Os homens montavam as choças, preparavam a comida, mantinham acesas as fogueiras contra o frio, cuidavam dos filhos e curtiam as peles de abrigo.” Porém, insatisfeitos com sua posição, decidiram usar sua força para destruir aquele sistema, subjugar as mulheres e tomar para si as atribuições que antes a elas pertenciam.

    Essa violenta superação do matriarcado, posteriormente transmitida geração após geração, é assim narrada no conto: “Até que um dia os homens mataram todas as mulheres e puseram as máscaras que as mulheres tinham inventado para aterrorizá-los. Somente as meninas recém-nascidas se salvaram do extermínio. Enquanto elas cresciam, os assassinos lhes diziam e repetiam que servir aos homens era seu destino. Elas acreditaram. Também acreditaram suas filhas e as filhas de suas filhas.”

    É uma narrativa trágica, porém reproduzida no cotidiano da vida brasileira, onde os “senhores” da classe dominante e da elite abusam desde sempre de mulheres e meninas. Quem bem retratou esta realidade foi Jorge Amado, em seus diversos romances: Cacau, Terras do sem-fim, Gabriela cravo e canela, Tieta e, principalmente, em Teresa Batista cansada de guerra.

    A literatura de Jorge Amado retrata a realidade do país, como bem vimos no indevido impeachment da presidenta Dilma Rousseff, afastada com violência das suas funções de chefe de Estado e de governo, num processo que culminou na vitória do patriarcado e do atraso e possibilitou a ascensão do fascismo ao poder, entre 2019 e 2022.

    Em seu discurso no México, Dilma lembrou: “sofri a pressão das elites e dos poderes que desestabilizaram um governo eleito democraticamente pelo povo brasileiro. Sofri um golpe que violou o estado democrático de direito e usurpou a soberania popular. (...) Se o motivo foi o projeto de transformação que representei, o contexto era misógino. Foi assim que sofri também por ser mulher: a primeira mulher presidente do meu país.”

    Depois disso, tivemos anos de grande retrocesso, até a vitória do presidente Lula na eleição de 2022, que representou também a reação do movimento das mulheres contra o patriarcado e a retomada de sua luta pelo reconhecimento efetivo de seus direitos, que até os dias de hoje ainda necessitam se materializar pela igualdade de oportunidades.

    Nesse aspecto, uma questão muito séria no Brasil é a tentativa da criminalização total do aborto, sem exceções, que paira como um fantasma a ameaçar a vida das mulheres, mediante um discurso manipulado por senhores que se dizem defensores da família, mas que seguem constantemente apontados como suspeitos de violências contra elas. Neste sentido, em 2024 o tema foi reapresentado e debatido através do Projeto de Lei 1904/2024, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante, do Partido Liberal e representante do neopentecostalismo.

    Esse projeto de lei oportunista tenta equiparar todo tipo de aborto ao homicídio e, ao longo de dezenove páginas, seu autor utiliza de mera retórica, supostamente jurídica, para justificar os intoleráveis casos de abusos sexuais praticados por homens contra mulheres e meninas no país, negando e retirando da discussão o direito fundamental à vida e à dignidade das mulheres vitimadas por essas violências.

    Em seu referido discurso no México, Dilma Rousseff lembrou um provérbio africano destacado por Eduardo Galeano, que afirma que: “até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão a glorificar o caçador”. E essa é exatamente a história das mulheres, que, nas palavras de Dilma, têm o direito de “fazer parte de uma história que nenhum caçador pode silenciar. A história não só dos leões. A história também das leoas.”

    Leoas como a própria Dilma Rousseff, a ministra Gleisi Hoffman, a Dra. Maria Elizabeth, as ex-presidentes Cristina Kirchner e Michele Bachelet, a atual presidente do México Claudia Scheinbaun, dentre tantas outras, que lutam diariamente, muitas vezes sozinhas, para manter a dignidade de suas famílias e para fazer do mundo um lugar mais seguro para todas as mulheres.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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