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    José Álvaro de Lima Cardoso

    Economista

    219 artigos

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    Dívida pública: cruel engrenagem de expropriação do esforço produtivo da nação

    Se faz um esforço cavalar para cortar gastos para, quase ao mesmo tempo, destinar toda a economia realizada para os cofres dos banqueiros

    Moedas de reais (Foto: Reuters/Bruno Domingos)
    “Nós chegamos à conclusão de que isso aqui não é dívida, mas um sistema, e é um sistema muito bem articulado” - Maria Lúcia Fatorelli (Fundadora da Auditoria Cidadã da Dívida)

    A discussão da problemática fiscal do governo surge sempre enviesada pelos interesses (bilionários) dos grandes bancos e rentistas em geral no Brasil. Em função desses interesses, todo o debate sobre o assunto é completamente tendencioso e as poucas vozes dissonantes são simplesmente canceladas. Nesse contexto, os gastos realizados com os mais pobres, com os trabalhadores, com os setores fragilizados da sociedade, surgem como se fossem o coração do “problema fiscal”. Como esse tipo de abordagem domina os grandes meios de comunicação, inclusive na Internet, as análises que procuram aprofundar e desmistificar a questão, simplesmente desaparecem. É possível inclusive que, com a campanha mundial que o imperialismo está fazendo para censurar a Internet, o tema da dívida pública dos países, acabe sendo vetado nas redes (através dos sofisticados mecanismos da tecnologia), vencendo a ditadura da posição dos oligopólios financeiros.

    Essa hegemonia política e ideológica influencia os segmentos mais críticos, mesmo aqueles situados no arco considerado de esquerda. Por isso, o pacote enviado pelo governo ao Congresso Nacional impacta os rendimentos dos mais pobres no país, mas não menciona uma palavra sobre os pagamentos da dívida pública. Com o pacote, como vimos, serão tirados bilhões de reais dos trabalhadores que recebem salário-mínimo para transferir para bancos, fundos de pensões e fundos de investimentos, que detêm a esmagadora maioria do estoque de papéis da dívida.

    Em 2023, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, do orçamento geral do governo federal, que computa todas as receitas e todas as despesas e que foi de R$ 4,360 trilhões, a dívida pública comprometeu quase R$ 1,9 trilhão, 43,23% de todas as receitas, conforme se pode ver no Gráfico abaixo. A Auditoria realiza esse estudo utilizando somente informações divulgadas nas páginas oficiais do governo.

    grafico

    No Gráfico, pode-se observar que Saúde ficou com 3,69%, Educação 2,97%, Ciência e Tecnologia, 0,29%, Defesa Nacional, 1,8%, a dívida comprometeu 43,23% do Orçamento.

    No Brasil, ao contrário do que ocorreu em alguns países imperialistas, especialmente no período mais desenvolvimentista do capitalismo, a receita dos títulos da dívida é gasta com os próprios juros da dívida. Ou seja, os títulos públicos são emitidos não para levantar fundos para fazer investimentos em infraestrutura, por exemplo, mas para pagar os próprios juros da dívida. Trata-se de uma espiral que conduz ao subdesenvolvimento: aumenta a taxa de juros; elevam-se os gastos do governo com a dívida; diminuiu a capacidade de gastos sociais e de investimento do governo; cai o investimento em FBCF na economia; aumenta o ritmo de desindustrialização; diminuiu a taxa de crescimento e aumenta a precarização do trabalho.

    No Brasil, apesar do gasto com a dívida ser o maior do orçamento federal, o estoque da dívida só cresce anualmente, funcionando como um mecanismo infinito de apropriação do esforço produtivo de toda a nação. É um sistema autofágico, que gira em torno de si mesmo. Não se faz investimentos com a venda de títulos da dívida, como ocorre em alguns países ricos, é um recurso dirigido exclusivamente para pagar os juros, o que aumenta o estoque da dívida.

    Nesse contexto, para cortar gastos se coloca um limitador no ganho real do salário-mínimo, que irá provocar um impacto determinante na própria estrutura de distribuição de renda no país, com um efeito cumulativo muito forte. Mas nem ao menos se fala no gasto com os juros, que é a questão fiscal essencial. No Brasil não se reajusta salário do servidor, não se faz concurso público, se tira dinheiro da educação e da saúde, pouco se investe em prevenção de catástrofes climáticas, se gasta cada vez menos com a previdência, tudo em nome de pagamento de juros infinitos para bancos e especuladores.

    O capital financeiro quer mais sangue - Por onde se puxe o fio do novelo, as contradições de um país desigual e injusto como o Brasil vêm à tona. Após o envio do pacote fiscal ao Congresso, o sistema financeiro, através de seus porta-vozes, qualificou-o como muito “tímido”, aquém das necessidades de corte de gastos do país. Nas semanas subsequentes à divulgação do pacote, o dólar cruzou o patamar dos R$ 6, decorrente da pressão direta dos especuladores para aumentar o arrocho do pacote. Ao mesmo tempo, choveram críticas da imprensa comercial e dos economistas ligados aos bancos, de que a mudança no salário-mínimo teria sido insuficiente, o que continuaria a pressionar os gastos discricionários e os investimentos no orçamento federal. Ademais, os bancos estão considerando que a economia prevista para 2026 (R$ 70 bilhões) está sendo superestimada.

    O Boletim Focus é uma publicação online, divulgada todas as segundas-feiras pelo BCB contendo um resumo das expectativas de mercado a respeito de alguns indicadores da economia brasileira. O relatório decorre de pesquisa de expectativas de mercado, de cerca de 120 bancos, gestores de recursos e demais instituições, que atuam na economia brasileira. A última edição de 2025 da pesquisa semanal Focus, apontou que a maioria dos analistas esperava alta de 0,75 p.p, ou seja, os próprios bancos foram surpreendidos com 1 ponto percentual de aumento. Ainda mais que o índice oficial de inflação, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, do IBGE) tinha ficado em 0,39% em novembro, desacelerando em relação ao índice de outubro, quando cravou 0,56%.

    A dívida bruta, que é o indicador normalmente utilizado, é o total da dívida do governo federal, sem considerar os ativos que governo dispõe, como as reservas internacionais. Atualmente, a dívida bruta brasileira - que abrange governo federal, INSS e governos estaduais e municipais - está em R$ 9 trilhões, o equivalente a 78,6% do PIB. A dívida líquida do setor público totaliza R$ 7,2 trilhões, equivalente a 61,2% do PIB. A insanidade do sistema da dívida pública no Brasil é revelada por um simples cálculo, feito pelo próprio Banco Central, que foi atualizado em novembro último: para cada 1 ponto percentual de elevação na taxa básica de juros, em 12 meses a dívida bruta do país aumenta em R$ 50,3 bilhões.

    Esses gastos extras, decorrente de uma simples decisão de um Comitê formado por 9 burocratas, altamente influenciados pelos bancos (quando não diretamente comprometidos) equivale a 72% de toda a economia que o governo pretende obter com o pacote fiscal anunciado. Essa informação simples revela a completa inutilidade que representa um pacote de corte de gastos sociais, para, supostamente, reduzir o nível de endividamento público no país.

    Ou seja, se faz um esforço cavalar para cortar gastos com salário-mínimo, abono, Fundeb e BPC para, quase ao mesmo tempo, com base em argumentos extremamente falaciosos, destinar toda a economia realizada para os cofres dos banqueiros. Os economistas ligados aos bancos, e outros, se enfileiram para justificar um esquema que obviamente é fraudulento e pernicioso ao Brasil. Um dos argumentos repetidos até a náusea é o de que não há uma alternativa, dado que a meta de inflação estipulada precisa ser alcançada de qualquer forma e as expectativas dos agentes econômicos não podem ser frustradas, senão será pior para a economia. Supostamente, arrocho de gastos contra os pobres seria para controlar os gastos primários e, assim, indicar um horizonte próximo para estabilizar a dívida pública.

    É conhecido que o mundo econômico e suas múltiplas interações com as várias dimensões da realidade é bastante complexo. Mas é difícil aceitar que esses economistas acreditem nessas baboseiras. Pelos dados do Banco Central, somente o aumento de juros em dezembro, somado com os aumentos que provavelmente haverá nas duas próximas reuniões do Copom previstas para o primeiro trimestre, representarão um gasto extra com juros de mais de R$ 100 bilhões. Este valor engole com muita folga os R$ 70 bilhões de economia, previstos com o pacote fiscal para 2025.

    Os economistas que repetem o que seus patrões querem ouvir afirmam que, apesar do impacto do aumento da taxa no montante de juros pagos ser motivo de preocupação, isso seria mais uma consequência do excesso de gastos do que causa disso. Alguns afirmam que, apesar do pacote fiscal ser ineficaz em termos de economia, já que serão engolidos pelos gastos com a dívida pública, sem o pacote seria pior, ou seja, as taxas seriam ainda maiores. Isso pode ser chamado de outra coisa senão mentira e embuste no mais alto grau?

    Os dados do Governo Central — Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central — são uma prova direta de que toda essa conversa é para encobrir um sistema de drenagem de recursos públicos em favor dos especuladores. No acumulado de janeiro a outubro, ocorreu um déficit de R$ 64,376 bilhões nas contas primárias do governo, resultado da diferença entre R$ 1,756 trilhão de receita líquida e R$ 1,820 trilhão de despesa total. Nesse período de dez meses, inclusive, Tesouro e BC foram superavitários em R$ 222,378 bilhões. Apenas o RGPS registrou um “déficit” de R$ 286,754 bilhões.

    Aqui já temos um ponto através do qual os ilusionistas de plantão costumam enganar muito a população. Segundo previsão constitucional, além das contribuições de trabalhadores e patrões, o Sistema de Seguridade Social (do qual o RGPS faz parte) é financiado de forma direta e indireta, por Contribuições sociais, previstas no artigo 195 da Constituição Federal, pelo Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); parcela dos tributos destinados à Seguridade Social e recursos da União para cobrir o déficit entre despesa e arrecadação. Ou seja, a Previdência Social possui várias fontes de receita, conforme previsão constitucional. Os recursos do Tesouro são apenas uma delas e, portanto, o RGPS não precisa ter “superávit” apenas com a arrecadação das contribuições sobre a folha de pagamentos das empresas.

    Mas a questão fundamental a ser considerada é que, no acumulado em 12 meses (até outubro de 2024), o resultado primário do Governo Central foi deficitário em R$ 225,3 bilhões, correspondente a 1,9% do PIB. Mas acontece que, também em 12 meses, entre dezembro/23 e novembro/24, os gastos com juros atingiram R$ 918 bilhões, 7,74% do PIB. O aumento de gastos com juros em um ano foi de 28%, cifra superior a qualquer outra rubrica do Orçamento da União. Os gastos com juros da dívida em um ano equivalem a 10 vezes os gastos com o Benefício de Prestação Continuada, destinado a pessoas idosas ou deficientes, em famílias que possuem renda mensal per capita de ¼ do salário-mínimo.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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