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Josué de Souza

Professor, Cientista Social e autor do livro Religião, Politica e Poder (EDIFURB)

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Do Macunaíma, Pedro Malasartes ao Coach: A malandragem que se reinventa

No Brasil, a figura do malandro é um arquétipo recorrente tanto na literatura quanto na sociologia

Pablo Marçal (Foto: Reprodução/YouTube/Flow News)

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Escrevo esta crônica a pouco menos de duas semanas do pleito municipal de 2024. Desde o início da pré-campanha, porém, o assunto nas editorias de política não tem sido outro: o "surgimento e ascensão" do coach Pablo Marçal em São Paulo. Independentemente do resultado das urnas, a eleição já carrega consigo um tema central: o "fenômeno Marçal".

Seu sucesso não se deve apenas aos bons números que sua candidatura para prefeito da maior cidade da América Latina exibe nas pesquisas. Ele também é alimentado por métodos pouco ortodoxos, que flertam com a ilegalidade, a violência e a quebra das regras sociais estabelecidas. A própria fortuna pessoal declarada por Marçal se tornou uma fonte constante de questionamentos sobre sua origem, gerando inquietação na imprensa e entre adversários políticos.

No alarido dos especialistas, que se apressam em tentar explicar o fenômeno, disputam-se conceitos e nomenclaturas que tentam dar conta do inexplicável. Como em um supermercado, há teorias para todos os gostos: “infoproduto”, "marçalização da política", "política do tiktoker", "política de cortes", "neobolsonarismo", “voto ideológico de direita”, entre outras.

Nesta algazarra de explicações, destacam-se dois grupos: os “tecnólatras”, que demonstram uma intensa admiração, ou dependência, da tecnologia. Para eles, o coach, ou ex-coach, inaugurou uma nova forma de fazer política, agora restrita ao meio digital. De outro lado, estão os "ludistas", que defendem a regulação dos meios digitais e atribuem o aparente sucesso de Marçal ao uso indiscriminado dessas tecnologias e ao mundo sem regras em que ele se movimenta.

Contribuindo para o falatório, vou propor aqui mais uma explicação. Sem pretensões definitórias ou convicções ortodoxas, mas apenas como quem observa o cenário com curiosidade. Marçal é, simplesmente, ou quem sabe também, mais um Pedro Malasartes. Aquele típico personagem da cultura popular que, com astúcia e lábia, percorre os caminhos da vida enganando uns, seduzindo outros, sempre escapando das armadilhas que ele próprio parece criar.

No Brasil, a figura do malandro é um arquétipo recorrente tanto na literatura quanto na sociologia. A começar por Macunaíma, o "herói sem nenhum caráter" de Mário de Andrade, que transita entre a esperteza e a preguiça, adaptando-se aos percalços do mundo com criatividade e descompromisso. Temos também Leonardo, de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, o malandro carioca que sobrevive às avessas da sociedade do Império, sempre se esquivando das normas.

Roberto DaMatta aponta que Pedro Malasartes é o paradigma do malandro, “frequentemente vestido com sua camisa listrada, anel com esfinge de São Jorge e sapato de duas cores, em sua caracterização urbana” (DaMatta, 1997). Malasartes, na interpretação do antropólogo brasileiro, é o arquétipo do indivíduo que, resignado com sua posição na estrutura social, utiliza as regras, ou a falta delas, para ascensão social e vingança contra aqueles que o desprezam. 

Marçal é o malandro contemporâneo. Mesmo que seus crimes e deslizes sejam escancarados pela imprensa e pelos adversários, seu eleitor se identifica com ele e sua trajetória. Percebeu que, por aqui, as regras não valem para todos. É o "homem cordial", com traços ambíguos, que, com simpatia e astúcia, sobrevive nos bastidores das relações sociais. Todos, em maior ou menor grau, são expressões dessa malandragem. 

Ele encontra maneiras de navegar pelas complexidades do nosso tempo, reinventando o jogo à medida que avança. Não usa camisa listrada; veste roupa de operador da Faria Lima, com linguajar de pastor neopentecostal, exibindo elementos da sociedade de consumo e do mundo fitness. No caminho, enrola incautos e manés.

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