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    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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    Dragão em Voo, Águia em Queda

    Em semana com quatro cúpulas geoeconômicas, o jornalista Pepe Escobar mostra onde o mundo se encontra atualmente: ‘enquanto Xi Jinping defendia multilateralismo e cooperação internacional na produção de vacinas, Donald Trump tuitava sobre a distopia eleitoral e preferia jogar golfe a discutir a contenção da covid-19’

    Donald Trump e Xi Jinping (Foto: REUTERS / Carlos Barria)

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    Por Pepe Escobar, para o Asia Times

    Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

    Quatro cúpulas geoeconômicas comprimidas em uma única semana contam a história de onde estamos nestes tempos supremamente distópicos.  

    A assinatura (virtual)  da RCEP, no Vietnã, foi seguida pela reunião também virtual dos BRICS realizada em Moscou, pela reunião da APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico) na Malásia, e pelo G20, neste último fim de semana, na Arábia Saudita.

    Não passou despercebido aos cínicos o espetacular teatro do absurdo de as 20 Maiores - pelo menos em teoria - Economias se prestarem a discutir o que pode ser visto como o ponto de virada do sistema mundial no meio do deserto, em um grande latifúndio petrolífero afeito a decapitações e com uma mentalidade do século VII.

    A declaração de Riad fez todo o possível para levantar o moral sombrio do planeta, prometendo usar de "todas as ferramentas políticas disponíveis" (sem dar detalhes precisos) para conter a covid-19 e, heroicamente, "salvar" a economia global, reforçando, a nível mundial, a prontidão para o enfrentamento de pandemias, o desenvolvimento e distribuição de vacinas, simultaneamente ao alívio da dívida para todo o Sul Global.

    Nem um pio sobre A Grande Reinicialização - o esquema Bravo Mundo Novo urdido pelo Herr Schwab de Davos, com pleno apoio do FMI, da Big Tech, dos interesses do Grande Capital transnacional e do - ó, tão benigno - Príncipe Charles. Enquanto isso, extra-oficialmente, os sherpas do G20 se lamuriavam da falta de governança global real e dos múltiplos ataques ao multilateralismo.E nem um pio sobre a guerra das vacinas que se trava na vida real entre as caras candidatas ocidentais - Pfizer, Moderna, AstraZeneca – e as versões russas e chinesas muito mais baratas – a Sputnik V e a Sinovac.

    O que parece estar em questão é que qualquer agenda - sinistra ou não - deva se encaixar na promessa "tamanho único" feita pelo G20, com o fim de "criar oportunidades do século XXI para todos, empoderando as pessoas, salvaguardando o planeta e traçando novas fronteiras".  

    A Casa de Xi 

    No G20, o Presidente Xi Jinping não desperdiçou a oportunidade - como já havia feito na RCEP, nos BRICS e na APEC – de mais uma vez enfatizar as prioridades da China: multilateralismo, apoio à reforma da OMC, cooperação internacional ampla nas pesquisas e na produção de vacinas.

    Mas então, simultaneamente à redução de tarifas e à facilitação do comércio de equipamentos médicos de primeira importância, Xi propôs um código QR global de saúde - uma maneira viável de restaurar as viagens e o comércio globais: "Ao mesmo tempo em que contemos o vírus, temos que restabelecer a operação  segura e fluente das cadeias globais industriais e de fornecimento". 

    Como seria previsível, houve protestos estridentes contra essa intrusão neo-orwelliana, comparando o código QR ao excepcionalmente mal-compreendido sistema de créditos chinês. A "Grande Reinicialização" de Herr Schwab, de fato, propõe algo semelhante, com tons neo-orwellianos ainda mais pronunciados, disfarçados como um inocente aplicativo "passe covid", ou "passaporte de saúde" de segurança máxima.

    O que Xi propôs representa apenas um reconhecimento mútuo dos certificados da saúde emitidos por diferentes países, com base em testes de ácido nucleico. Nenhuma vacina alteradora de genes acoplada a nanochips. Esses códigos QR, incorporados a aplicativos de saúde, já são usados em viagens internas na China.

    As autoridades chinesas já deixaram bem claro que Pequim vem trabalhando como o representante do Sul Global no G20. Isso é multilateralismo em ação. E essa iniciativa multilateral vai da RCEP - assinada por 15 países - à brilhante manobra ao estilo Sun Tzu da China propondo-se a aceitar até mesmo o Acordo Amplo e Progressivo para a Parceria Trans-Pacífico (CPTPP), sucessor do TPP proposto por Obama e detonado por Trump. 

    Essa retomada - um caso de Tornem a TPP chinesa de novo - pode ser contemplada porque Pequim não apenas conseguiu conter a covid-19 como também vem se recuperando a uma velocidade espantosa. A China será a única grande economia a apresentar crescimento em 2020 – liderando de fato o mundo em direção a um paradigma experimental pós-covid.      

    O que a reunião da APEC deixou meridianamente claro é que com o Leste Asiático atingindo o centro do palco econômico, como visto na RCEP, a tão propalada "liderança" dos Estados Unidos inevitavelmente irá diminuir. 

    A APEC promoveu a chamada Visão Putrajaya 2040, condensando uma Ásia-Pacífico "aberta, dinâmica, resiliente e pacífica" ao longo do período que vai até 2040. Isso se encaixa perfeitamente com os três planos quinquenais seguidos levando até 2035, aprovados no mês passado na reunião plenária do Partido Comunista Chinês, em Pequim.

    A ênfase, mais uma vez, recai sobre o multilateralismo e sobre uma economia global aberta. 

    Poucos têm maior capacidade de captar o momento que o Professor Wang Yiwei, do Instituto de Assuntos Internacionais da Universidade de Renmin, que escreveu o melhor livro chinês sobre a Iniciativa Cinturão e Rota. Wang ressalta que a China se encontra em um período de "oportunidade estratégica", sendo hoje o mais poderoso líder da globalização". A ênfase chinesa no multilateralismo irá ativar "a conectividade e a vitalidade de uma plataforma comercial como a RCEP". 

    Mais estranho que  a ficção 

    Compare-se o que foi dito acima com Trump no G20, tuitando sobre a distopia eleitoral e preferindo jogar golfe a discutir a contenção da covid-19. 

    E então há o The Elements of the China Challenge (Os Elementos do Desafio Chinês), o novo e delirante épico de 74 páginas tramado pelo gabinete do Secretário Mike "Nós Mentimos, Nós Trapaceamos, Nós Roubamos" Pompeo.  
    Os uivos diplomáticos comparando esse documento ao notório "telegrama longo" de George Kennan, que codificou a contenção da União Soviética durante a Guerra Fria, são pura bobagem. A reação do Ministério das Relações Exteriores chinês foi mais objetiva: o documento é obra de alguns "fósseis vivos da Guerra Fria", e fatalmente acabará por ser atirado à lata de lixo da história".

    O Presidente Xi Jinping, na RCEP, nos BRICS, na APEC e no G20, colocou em termos concisos a causa chinesa: multilateralismo, cooperação internacional em múltiplas áreas, uma economia global aberta e a devida representação dos interesses do Sul Global. 

    Enquanto esperamos por um conjunto de imponderáveis que podem ocorrer até 20 de janeiro de 2021, uma abordagem oblíqua do que a economia global tem pela frente talvez seja melhor expressa pela ficção.

    Entra em cena Billions, temporada 5, episódio 2, diálogo escrito por Andrew Ross Sorkin.

    Axe: "Você sabe que eles nos chamam de traders 'jogadores'. A economia mundial é um grande cassino alimentado por uma gigantesca bolha de dívidas e de derivativos movidos por computadores. E só há uma coisa melhor que ser um jogador num cassino". 

    Wags: "Ser a casa". 

    Axe: "Isso mesmo. Há uma máquina sistematizada, sugando capital de localidades e injetando esse capital nos mercados globais, onde ele pode ser usado para especular e manipular. E se algo der errado, há resgates e socorros, ajuda federal e alívio financeiro. E o governo não te processa, ele te dá uma rede macia para amenizar a queda. 

    Wags: "Essa é a sua resposta para a conversa ao pé da lareira: você quer se tornar um banco". 

    Axe: "Eu quero me tornar um banco".

    Wags: "Para assaltá-lo?

    Axe: "Para não ter que assaltá-lo". 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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