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      Urariano Mota

      Autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil

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      Encontro de repente com o sindicalista Jairo Cabral

      Evoé, companheiro

      Urariano Mota e Jairo Cabral (Foto: Arquivo pessoal)

      No mais recente domingo em Olinda, encontrei um senhor de óculos escuros, que assim me saudou:

      - Você é Jimeralto Urariano?

      - Sim. Jimeralto é um personagem meu – respondi.

      Ao que o cidadão voltou:

      - Sou Jairo Cabral, escrevi sobre os seus romances. Uma vez eu vi você no Bar Peneira, mas achei que era intromissão me dirigir a você que bebia em paz. Depois, num encontro do Brasil 247 em Olinda, também não quis falar. Agora, nesta calçada, foi inevitável.

      Então registramos o encontro no celular da minha companheira Francêsca.

      Na foto, podem ser vistos dois jovens que pintaram os cabelos de branco, pois em Olinda já é carnaval.

      Ao chegar em casa, recuperei o artigo de Jairo Cabral, no Diário de Pernambuco. Jairo é ex-presidente da CUT, mestre em História, ex-diretor da Ceroula de Olinda, pesquisador do Carnaval de Pernambuco. O texto a seguir

      “Jimeralto e o carnaval

      Jairo Cabral

      Mestre em história

      Publicado em: 28/02/2023

      Jimeralto, o Filho Renegado de Deus, persona do escritor Urariano Mota, menino levado da breca de Água Fria e dos becos e vielas da Zona Norte do Recife, era um diabinho fogoso pinotando no carnaval. Se refestelava no frevo das Troças Batutas, Espanador e Missangueiras, do bairro onde morava. Acompanhava também, nos bairros vizinhos, o Clube Coqueirinho de Beberibe e a Troça Abanadores do Arruda, com seus estandartes espetando o céu, como bandeira de procissão, a conduzir o cortejo profano da massa frenética, no passo cheio de dobradiças, tesouras e saca rolhas, desenhando coreografias improváveis segundo as leis da física. A orquestra metálica rasgando a rua com os frevos buliçosos de John Phillips Johnson -

      Jones Johnson -, o clarinetista inglês de Newcastle, que virou pernambucano no Cabo de Santo Agostinho. Escreveu uma coleção de frevos memoráveis que marcaram época e até hoje estão incorporados à trilha sonora do carnaval de Pernambuco. Não há Problema, No Fim dá Certo, Você Sabe, Cabra da Peste, Dinheiro Resolve Tudo, são algumas das preciosidades musicais, na modalidade instrumental, que Jones Johnson deixou. José Luiz, o Gordo, amigo de Jimeralto, doutor em carnaval, dizia que o frevo encanta e arrebata, fazendo o povo pular numa profusão sacudida e inventiva de braços e pernas. É o frevo danado de bom, empurrando a onda incontrolável.

      Jimeralto, o bancário do Brasil, atravessou A Mais Longa Duração da Juventude, vendo da mansarda da pensão Treze de Maio, os tenebrosos tempos da ditadura de coturnos, tentando silenciar Os Corações Futuristas e seus sonhos de igualdade vermelha. Numa sexta-feira de carnaval, no pátio de São Pedro, entre cervejas e caipirinhas, Jimeralto, na mesa dividida com Luiz do Carmo Albertim e Ingrid, que tinha alergia à lama do Capibaribe, tomavam umas e outras prá cair no passo. No palco, o coral feminino do Bloco Madeira do Rosarinho se apresentava e fazia todo o pátio cantar “nós somos madeira de lei que o cupim não rói “.

      Na mesa ao lado, Mércia Albuquerque, doutora do direito que não se dobrava, cantava a plenos pulmões, os versos de Capiba. Soledad Barret, a paraguaia guerrilheira do amor, de sorriso estampado no rosto se aproximou do grupo, batendo palmas para madeira que o cupim não rói, sob o olhar delator do marinheiro Anselmo Daniel, que a acompanhava. Tempos atrás, em Olinda, da porta da casa que servia de ponto de encontro e cheirava a jasmim, já haviam assistido à passagem do Homem da Meia-Noite. O calunga de cartola preta, com seu jaleco verde, relógio na lapela e o riso carismático de manequim de dente de ouro, arrastando a multidão pela Rua do Bonfim, na pulsação do frevo Três da Tarde, do compositor autodidata Lídio Francisco da Silva, o Lídio Macacão.

      A noite daquela sexta-feira de carnaval dos anos 1970, em plena folia no Pátio de São Pedro, foi a despedida não anunciada, de quem vivia o risco em busca de um mundo melhor. Lá pelas tantas, o Bloco das Flores, fundado pelo baluarte Pedro Salgado, em 1920, desfilava entoando a canção premonitória do alagoano recifense, Aldemar Paiva: “Saudade é isso que a gente sente. Saudade é falta que faz a gente, alguém que partiu, alguém que morreu, alguém que o coração não esqueceu”. A saudade inquietante e rememorativa não permite o esquecimento e o apagamento da história e convida a perseverar. Assim reflete Jimeralto, nas páginas do Dicionário Amoroso do Recife, cujos verbetes desnudam, através da intelectualidade, das instituições e dos ricos personagens populares, o caráter rebelde da cidade dos rios, das pontes, do mangue e dos caranguejos. A cidade da cultura pulsante e resistente, que tem frevo, maracatu e carnaval correndo em suas artérias. A antiga composição de Nelson Ferreira e Sebastião Lopes, o Carnaval da Vitória, adaptada para o presente, é fonte de inspiração valiosa para as refregas dos dias vindouros: “O bloco vermelho é ideal, reviveu nesse carnaval. Por isso é que estamos a vibrar e a cantar vitória, vitória, vitória”.

      Evoé, Urariano Mota”.

      Evoé, companheiro Jairo Cabral.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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