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    Liana Cirne Lins

    Professora da Faculdade de Direito da UFPE, doutora em Direito Público, mestra em Instituições Jurídico-Políticas e vereadora em Recife (PT-PE)

    17 artigos

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    Entenda como funciona a redução e a suspensão dos salários na MP 936

    A única coisa certa nessa MP é o dia em que ela foi publicada, dia 1o de abril, dia da mentira. E a mentira é que ela preservaria empregos e rendas

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    Proibição de demitir durante a crise. Garantia de emprego e renda. Irredutibilidade dos salários, conforme a Constituição.

    Isso é exatamente o oposto do que a MP 936 faz.

    No dia da mentira, 1o de abril, o presidente Jair Bolsonaro publicou a Medida Provisória n. 936, que deveria servir para instituir o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

    Fruto da pressão dos empresários sobre o governo, o que ela faz é autorizar a suspensão do pagamento de salários e permitir a redução da jornada de trabalho e dos salários.

    A MP do corte de salários é tão perversa, que permite cortes maiores para o grupo que recebe os salários mais baixos.

    É um verdadeiro incentivo para que as empresas promovam cortes e suspensões de salário.

    São três faixas de redução salarial: 25, 50 e 70% para três níveis salariais.

    O nível mais baixo é para quem ganha salários de até R$ 3.135. O segundo nível é para quem ganha acima de R$ 3.135, até 12.200. O terceiro nível é para salários superiores a R$ 12.200.

    Justamente o nível mais baixo é o que está sujeito a maior vulnerabilidade. A redução de salário pode ser de até 70%, sem necessidade de intermediação do sindicato, por meio de simples de acordo individual. Sabemos que o que se chama de negociação trabalhista individual nada mais é do que a sujeição completa do empregado, sob pena de demissão. 

    A exclusão dos sindicatos nas negociações viola expressamente o art. 7o, VI da Constituição Federal, que diz que os salários são irredutíveis, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Felizmente, o STF, em sede de decisão liminar, determinou a nulidade do acordo individual, exigindo intermediação dos sindicatos. Entretanto, os acordos individuais estão acontecendo, na prática. E aos trabalhadores não tem sido dada outra alternativa a não ser a sujeição.

    O governo diz que vai indenizar a perda salarial do trabalhador através do parâmetro do seguro-desemprego. Mas os prejuízos para o empregado serão muito grandes. Vejamos: Se o salário é de R$2.500 por uma jornada semanal de 44 horas, uma redução da jornada de 70%, leva a uma jornada de 13,2 horas semanais. A forma como essa jornada será cumprida será estipulada pela empresa, por meio do chamado acordo.  

    O trabalhador vai continuar se expondo ao coronavírus, ao transporte coletivo, afora que para muitos a cobrança pela produtividade permanece igual, mesmo com a redução da jornada de trabalho, o que aumenta ainda mais a ansiedade já elevada nesses tempos de pandemia global do coronavírus. 

    No mesmo exemplo, o salário, que era de R$ 2.500, vai passar a ser de R$750. E o governo vai pagar uma complementação, com base no que seria pago de seguro desemprego, que corresponde a 80% da média dos três últimos salários, mas como o teto - o limite máximo - do seguro-desemprego é R$ 1.813, esse é o valor máximo que um trabalhador poderia receber. Nesse caso, ele vai receber a proporção que foi cortada do seu salário: 70% do teto, ou R$ 1.269.

    Somando o salário reduzido e a compensação do governo, o trabalhador receberia R$ 2.019. Nesse exemplo, a perda salarial chega a quase R$ 500, 20% da sua renda. 

    Para trabalhadores com salários acima de R$ 3.135, a redução da jornada de trabalho e de salário, por meio de acordo individual, só pode ser de 25%. A intermediação do sindicato é obrigatória para reduções maiores. 

    Imagine que para um trabalhador cujo salário é de 10 mil, com uma redução de 70%, ele passaria a receber, no total, somados salário e compensação do governo, R$ 4.269 e sua perda salarial seria de 58%!

    No caso da suspensão do contrato de trabalho, a situação é ainda pior.

    Há regras para empresas pequenas e médias e regras para grandes empresas.

    Se a empresa teve receita bruta de até 4,8 milhões em 2019, o trabalhador receberá 100% do seguro-desemprego. Lembrando: o seguro-desemprego equivale a 80% da média dos três últimos  salários e o teto é de R$ 1.813. Então, se seu salário é de R$ 2.500, você vai receber R$ 1.813. E se seu salário é de 10 mil, você também vai receber os mesmos R$ 1.813.

    Caso a empresa tenha tido receita bruta superior a 4,8 milhões, pagará ao empregado 30% do salário e o governo, 70% do seguro-desemprego.

    A reduções salariais podem ocorrer por um período de até 90 dias e a suspensão dos salários, por 60 dias. 

    A base de cálculo para o FGTS, contribuição previdenciária e para os demais tributos será o salário reduzido, não sendo considerados os meses de suspensão do contrato.

    Tudo isso representa um enorme incentivo para que as empresas reduzam ou suspendam salários, incentivos que não são dados para as empresas que não reduzirem os salários.

    A MP 936 é o plano de Bolsonaro e Paulo Guedes de colocar, na prática, o fim do isolamento e fazer com que os ônus da crise econômica sejam carregados desproporcionalmente pelos trabalhadores. 

    A única coisa certa nessa MP é o dia em que ela foi publicada, dia 1o de abril, dia da mentira. E a mentira é que ela preservaria empregos e rendas, quando na verdade ela precariza as relações trabalhistas, permite redução inconstitucional dos salários e agrava a crise do coronavírus, colocando ainda mais barreiras para o isolamento do trabalhador.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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