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    Moisés Mendes

    Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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    Entra na Kombi e não enche o saco

    Um pedido aos vigilantes da racionalidade: deixem o brasileiro andar de Kombi com Elis e experimentar sentimentos que as esquerdas vinham desprezando

    Maria Rita (à esq.), Elis Regina e a marca da Volkswagen (Foto: Divulgação)

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    Estão tentando interditar os que se emocionam com a Elis motorista de Kombi. Ressuscitaram controvérsias do século 20, saídas da tumba de patrulhas (coisas do tempo da Kombi) assustadas com a inteligência artificial.

    Mas no fundo a briga não é com a IA, nem com a propaganda, nem com a Volks. É com os que decidiram experimentar um pouco de sentimento bem singelo depois da derrota do fascismo.

    Uma certa esquerda, a esquerda mala, porque a direita não se importa com o assunto, diz estar espantada com o uso da imagem de uma artista morta. E usada pela Volks que apoiou a ditadura.

    E sabem eles que muito do que é feito todos os dias, no cotidiano de várias áreas, incluindo a propaganda, existe pela exploração da imagem, da memória e dos legados dos mortos.

    Os mortos são explorados na literatura, no cinema, no teatro, em todas as artes e em picaretagens variadas. Muitas vezes, como agora, em nome de algo pretensamente edificante.

    Os mortos mostrados em representações do que eles foram são versões do que eles teriam sido. São invenções da percepção dos vivos que os ressuscitam.

    Principalmente em biografias, que talvez sejam a mais sumária expressão do arbítrio de um vivo sobre um morto indefeso.

    Porque a biografia, que profana cartas e segredos, sempre tem a pretensão de só contar verdades ao falar de um morto e dos seus mortos ao redor. Mas qual verdade?

    A propaganda da Kombi trouxe para o desconforto criado pela inteligência artificial as referências do nosso mundinho analógico, com o mesmo espanto provocado pela descoberta da reprodução da imagem.

    Agora, fotos e vídeos reproduzem como se vivos fossem, e com perfeição, os que já morreram, e de gola rolê e sem pedir licença a eles.

    Mas não é assim que funciona há muito tempo, mesmo com todos os regramentos de leis, normas e éticas?

    Mortos são trazidos para o mundo dos vivos em todas as formas de ressurreição. O capitalismo, esse malvado, se encarrega de banalizar os milagres e ganha dinheiro com isso.

    E a propaganda, que há muito tempo não levava bordoadas, está aí de novo sendo malhada em praça pública, porque se presta, repetem, a esse serviço deplorável.

    A propaganda sem escrúpulos, redescobrimos agora, trabalha para emocionar e vender coisas, de águas bentas de pastores com dinheiro acima de tudo por R$ 20 a Kombis de R$ 200 mil.

    O Brasil redescobre que a propaganda é uma chantagista a nos empurrar para a emoção, com a ajuda de Belchior, também explorado por publicitários sem limites.

    Elis foi explorada pelas corporações, roubada pelas máfias das gravadoras, mas o grave mesmo é que agora foi sequestrada pela Volks e pela propaganda da IA. É o que parecem dizer, que agora é mais grave, porque está morta.

    Os alertas são muitos. Os vigilantes da racionalidade do século 20, ressuscitados pela Kombi fantasma, nos avisam que a propaganda nos engana também com uma interpretação enviesada da música de Belchior.

    Para a razão assombrada com a IA, todos nós que nos emocionamos com a propaganda da Kombi não sabemos nem mesmo interpretar quem são e o que fizeram ou deixaram de fazer os filhos e os pais segundo Belchior.

    Num país em que as esquerdas com o freio de mão puxado não se emocionam com facilidade, agora tentam interditar até nossas emoções miudinhas, do varejo das nossas vidas, por causa de uma mãe e de uma filha.

    Bolsonaro e o fascismo ficaram quatro anos nos provocando com ódio. E aí chegam os guardinhas da racionalidade do século 20 patrulhando os que se arriscam a recuperar afetos e a chorar vendo o primeiro grande vídeo brasileiro produzido pela IA.

    Alguns dos guardiões da razão passaram o pito nos ingênuos com empáfia acadêmica e rococó. Cuidado com o que vocês estão sentindo, porque pode não ser bom.

    Outros chegaram a falar por Elis, com a arrogância dos tios sabichões, dizendo que ela jamais entraria numa Kombi. Mas andaria numa Caloi?

    Só falta alguém dizer que estamos entendendo mal até o Trem das Onze do Adorinan Barbosa.

    Por favor, parem de ter inveja das emoções alheias. Bebam, tomem porres, relaxem e sejam menos chatos.

    Imaginem Elis de carona no Fusca do Pepe Mujica. Ou no Fusca do Mujica também não pode?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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