Entregadores de aplicativos: sem direitos trabalhistas e acidentes de trabalho considerados como de trânsito
Os trabalhadores de aplicativos já começaram a tomar consciência de sua exploração. Realizaram algumas greves neste ano, porém, ainda é um movimento difuso, suas reivindicações são muito pequenas perto dos seus direitos reais
Sair de casa de manhã e voltar tarde da noite. Trabalhar mais de doze horas por dia em cima de uma moto e em meio aos carros do trânsito caótico brasileiro. Sem horário certo de almoço e descanso de fim de semana. Não saber o quanto irá receber no fim do dia. Inexistência de tempo para o lazer ou para esposa. Chegar em casa e só poder ver os filhos dormindo. Esse é o dia a dia dos entregadores de aplicativos.
Cerca de R$0,70 a R$1 real é o valor da corrida de um moto-entregador, dependendo para qual plataforma de entrega trabalha. Normalmente, trabalham em mais de uma em simultâneo.
Os entregadores são obrigados a ficar à disposição o tempo todo, são horas parados à espera de um chamado que nem sempre acontece. No entanto, recebe-se apenas por corrida e as horas paradas estão perdidas.
Se não se responde à plataforma ou não se aceita a entrega, são simplesmente desligados sem aviso. Quando se tenta falar com a empresa, são atendidos por robôs. O diálogo é escasso e os bloqueios corriqueiros.
Um moto-entregador que sofre um acidente, não tem assistência e não recebe auxílio-acidente. Não importa a gravidade, nem o prejuízo financeiro com a moto ou a terceiros. O incidente é considerado um acidente de trânsito, em vez de um acidente de trabalho. Eles nem são trabalhadores, são só “colaboradores” da empresa.
O que era antes um trabalho realizado predominantemente por negros, homens, jovens, de classe média baixa, com pouca escolaridade e qualificação profissional, deixou de ser.
Desde 2016, com a “deforma” das leis trabalhistas, o mercado formal deixou de contratar. Isso obrigou mais e mais pessoas a recorrerem ao trabalho de entrega em aplicativos. O IBGE aponta que por volta de 40% da população brasileira está no serviço informal. Os relatórios do Infosiga demonstram mais mortes de motociclistas em relação ao ano anterior em São Paulo. A causa é o aumento dos pedidos no período da pandemia.
As entregas foram classificadas como serviço essencial, entregadores não tiveram direito à quarentena e são os mais expostos ao vírus. Com o aumento da concorrência e a alteração no valor da entrega, os motoboys se viram obrigados a correrem mais riscos na tentativa de manter os baixos ganhos e cobrir os gastos no aumento do combustível.
O modelo de trabalho imposto por essas plataformas é escravagista, apodera-se de todos os direitos sociais dos trabalhadores, para se ter cada vez mais lucro. No início, a remuneração é maior e o trabalhador se impressiona. Após o trabalhador estar fidelizado, vai-se diminuindo gradativamente os ganhos ao ponto da sua remuneração mal pagar seus custos.
O mito do trabalhador como empreendedor de si mesmo
Há no mundo a falsa narrativa do empreendedorismo. O Trabalhador seria um “empreendedor de si mesmo”, cria-se a falsa imagem de que ele teria mais liberdade e escolheria quanto tempo e a hora que iria trabalhar. Ganharia mais e pagaria menos impostos. Essas mentiras tratam-se da doutrina neoliberal, que prega como valor central a liberdade.
Na realidade, o trabalhador está sendo jogado no trabalho informal, sem direitos e garantias, sem salário, sem auxílio-acidente de trabalho, nem outros direitos conquistados, através de décadas de lutas dos seus antepassados.
Todo esse discurso é para que as empresas aumentem seus lucros, explorando o trabalhador ainda mais. Essas empresas vêm amplificando exponencialmente os ganhos, enriquecendo seus proprietários e acionistas.
A Reforma Trabalhista de 2017, lei 13.467/2017, foi feita justamente para respaldar essa precarização dos trabalhadores e legitimar essa imagem de “empreendedor de si”.
A retirada de direitos trabalhistas, previdenciários, “reforma” administrativa; cujo termo correto é destruição administrativa; as privatizações de empresas estatais, o preço do combustível vinculado ao valor em dólar, Banco Central Independente, a lei do teto dos gastos, destruição do SUS e da educação pública, tudo isso é o neoliberalismo. É a “Ponte para o Futuro”, uma política do Temer que foi aprofundada por Bolsonaro e Paulo Guedes.
Como disse Temer, numa reunião com empresários e banqueiros estadunidenses, ocorrida em Nova York: a Dilma foi derrubada, porque se recusou a aceitar a “Ponte para o Futuro”.
Mobilização e conscientização ainda difusas
Os trabalhadores de aplicativos já começaram a tomar consciência de sua exploração. Realizaram algumas greves neste ano, porém, ainda é um movimento difuso, suas reivindicações são muito pequenas perto dos seus direitos reais.
Exigiram melhor remuneração, recebimento de taxas mais justas, suspensão dos bloqueios praticados pelos aplicativos, maior clareza na política de alteração dos valores recebidos e uma padronização por quilometragem percorrida.
Exigiram apenas melhores condições como trabalhadores informais, longe de pleitearem o reconhecimento do vínculo empregatício e dos direitos previstos na CLT. Nem mesmo um auxílio para si e suas famílias em caso de acidente ou morte. Somente o grupo Entregadores Antifascistas defendeu que haja o reconhecimento do vínculo empregatício.
São nesses momentos, que os sindicatos mostram sua importância. Quando se precisa de uma organização que unifique e represente os interesses de uma categoria, centralize pautas, disponibilize assistência jurídica aos trabalhadores ou na luta política por mudança de leis no Congresso Nacional.
Em que pese um crescente descontentamento dos trabalhadores que não se sentem representados pelos sindicatos e que, por vezes, afastem-se da política sindical, é justamente o contrário que deveria ser feito. Tornarem-se mais atuantes e imporem as mudanças necessárias ou até mesmo a troca da direção sindical.
Tanto em sindicatos, como em qualquer sistema democrático, não basta votar e escolher seus representantes. É preciso atuar, fiscalizar e exigir destes eleitos a defesa dos trabalhadores. Acontece o mesmo com a política nacional, não é suficiente votar, é necessário supervisionar, pressionar e reivindicar os políticos durante todo o seu mandato. Infelizmente o brasileiro ainda não adquiriu essa consciência.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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