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    Sergio Ferrari

    Jornalista latino-americano radicado na Suíça. Autor e coautor de vários livros, entre eles: Semeando utopia; A aventura internacionalista; Nem loucos, nem mortos; esquecimentos e memórias dos ex-presos políticos de Coronda, Argentina; Leonardo Boff, advogado dos pobres etc.

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    Europa, a defesa como obsessão e sua crise de valores

    Armas em vez de solidariedade: a tendência reforçada de todo um continente que, sob o pretexto da guerra Rússia-Ucrânia, promove a militarização acelerada

    (Foto: Sputnik / Aleksei Vitvitsky)

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    Aumento do orçamento militar e cortes para os imigrantes, para os assalariados e para a cooperação internacional. O "caso suíço" é emblemático de uma Europa que aposta mais nas armas do que na solidariedade.

    Embora a hora da verdade sobre o orçamento da Confederação Suíça para 2025 seja na primeira quinzena de dezembro em debate no Parlamento, os sinais antecipatórios são preocupantes.

    Cortes significativos na cooperação e no asilo - Na segunda semana de novembro, a poderosa Comissão de Finanças ou Fazenda do Conselho Nacional (Câmara dos Deputados) apresentou suas propostas. Sua presidenta, a deputada social-democrata Sarah Wyss, antecipou o marco conceitual: "As prioridades devem ser estabelecidas". E para a realpolitik suíça, hoje, a prioridade é a agricultura e a defesa; maiores subsídios à produção rural e um reforço significativo dos gastos militares.

    Nesse sentido, a Comissão propõe um suplemento adicional de 530 milhões de francos por ano (quase 600 milhões de dólares) para a defesa, com a perspectiva de aumentar rapidamente as despesas militares de 0,74% do Produto Interno Bruto em 2023 para 1% em 2030, e não em 2035, como inicialmente havia sido sugerido por alguns setores. Esta corrida acelerada e sem obstáculos exigirá um adicional de US$ 4,5 bilhões para os militares nos próximos quatro anos. Dessa forma, busca aproximar-se às diretrizes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de forma disciplinada. Embora a Suíça não faça parte da OTAN devido à sua neutralidade, ainda sente a mesma pressão que o resto da Europa para investir pelo menos 2% de seu orçamento nacional em defesa e segurança.

    Em tempos de ajustes, o aumento do orçamento de determinados itens determina automaticamente o corte de outros. Para a Comissão de Finanças, com 16 de seus 25 membros representando partidos de centro e de direita, optar por "prioridades" não é um problema ético ou político. Pragmaticamente, sugere cortar 250 milhões de francos por ano (quase 280 milhões de dólares) do pacote que a Suíça aloca para a cooperação internacional. Ou seja, cerca de 1,12 bilhão de dólares para os próximos quatro anos. Além disso, cortou o equivalente a US$ 112 milhões para a política de migração e asilo, US$ 77 milhões em salários para funcionários da confederação e quase US$ 40 milhões do que é alocado para o serviço diplomático no exterior.

    No que diz respeito ao montante atribuído à cooperação internacional, o Parlamento envia sinais contraditórios. Inicialmente, o Conselho de Estados (Senado da Nação) havia se pronunciado a favor de não o reduzir. No entanto, e apesar do protesto de importantes Organizações Não Governamentais (ONGs) do setor de desenvolvimento e parte da classe política contra quaisquer cortes adicionais, a maioria de direita em ambas as câmaras pressagia resultados nada otimistas para o Sul global.

    Por sua vez, o Conselho Federal (Poder Executivo Colegiado) propõe destinar 12,3 bilhões de dólares para a cooperação nos próximos quatro anos, o mesmo valor atual. No entanto, cerca de 1,5 bilhão desse montante seriam para uso exclusivo na Ucrânia, o que de fato implica uma redução significativa para os projetos de desenvolvimento que a Suíça apoia nos países do Sul, em particular na África e na Ásia. A partir do próximo ano, o governo suíço interromperá seus programas em vários países da América Latina e do Caribe, como resultado de um processo de concentração de recursos que penalizará um continente que historicamente tem sido uma prioridade para a solidariedade suíça.

    Tensão política devido ao corte na cooperação - Paradoxalmente, nem tudo é preto e branco na política desse país alpino. Nos últimos dias, circulou uma carta por parte de ex parlamentares de centro e de direita que se opõem a uma redução no orçamento para ajuda ao desenvolvimento. "Estamos muito preocupados", dizem eles em sua carta endereçada aos colegas atualmente no cargo. Esse documento, que foi divulgado pela jornalista e analista política Charlotte Walser no jornal diário 24 Heures (24 Horas), em 13 de novembro, também foi assinado por personalidades dos meios econômicos, científicos e religiosos. 

    Uma redução dessa magnitude na ajuda ao desenvolvimento, argumentam, levaria ao fim de projetos bem-sucedidos e significaria que "mais pessoas poderiam sofrer de doenças tratáveis, menos crianças iriam à escola e menos jovens poderiam receber treinamento". Isso "colocaria em risco a reputação da Suíça e sua posição especial na diplomacia", enfatiza a carta. Em um mundo dilacerado por crises, os cortes na ajuda humanitária teriam o efeito de privar de seus meios de sobrevivência aqueles que estão em grande dificuldade, o que "levaria a mais instabilidade, exílio e movimentos migratórios, inclusive para a Suíça".

    Alarme cidadão - Referindo-se à proposta de corte na ajuda ao desenvolvimento, a Alliance Sud (Aliança do Sul), a rede das principais ONGs suíças para a promoção do desenvolvimento no Sul, considera-a parte de "uma política financeira às custas dos mais pobres". A redução de US$ 280 milhões por ano para cooperação internacional, juntamente com a redistribuição de fundos já planejada para a Ucrânia, "teria o efeito de retirar um quarto dos recursos de programas e projetos existentes". Seu diretor, Andreas Missbach, argumenta que a decisão de cortar este item "envia um sinal fatal [já que] qualquer redução adicional às custas dos mais pobres põe em questão a cooperação internacional promovida pela Suíça".

    Em 14 de novembro, Philippe Bach, editor-chefe do jornal diário Le Courrier, afirmou em seu editorial "O exército em vez da solidariedade" que, se o Parlamento adota a recomendação do Comitê de Finanças, "o exército terá um superávit de quase 600 milhões de dólares no próximo ano, sem que haja transparência sobre o destino desses fundos".

    O freio à dívida, aponta Bach, exige que essa generosidade seja compensada com poupanças, algo que no jargão da maioria parlamentar denomina-se "estabelecer prioridades". Para Bach, essa forma de proceder "insere-se num recuo nacionalista e de segurança em detrimento dos mais fracos", o que o leva a concluir que, para essa maioria de direita política, "o clima, a transição energética, a solidariedade e a promoção da paz não são prioridades".

    A resposta dos cidadãos contra os cortes na cooperação e no asilo toma forma e se expande. Nos últimos dias, quase 18.000 pessoas aderiram à campanha digital "A Suíça soa o alarme". Essa iniciativa argumenta que, como "a classe política quer reduzir massivamente os fundos para a cooperação para o desenvolvimento, [que é] profundamente anti-solidariedade e afeta os mais pobres", é necessário pressionar o Parlamento e acabar com esses cortes drásticos" (https://www.alarme-solidarite.ch/).

    Essa campanha "digital" interativa permite que qualquer pessoa inclua uma mensagem curta, e até mesmo uma foto, se desejar. Mais de uma centena de reflexões já enriquecem o site da campanha, que aspira a um mínimo de 20.000 assinaturas antes do início do debate parlamentar sobre o orçamento, em dezembro.

    A campanha lembra que, em sua Estratégia de Cooperação Internacional 2025-2028, o Conselho Federal destina à Ucrânia uma quantia maior do que a Suíça destina para a cooperação para o desenvolvimento em toda a África Subsaariana. E defende a eficácia da cooperação, muitas vezes tão diretamente questionada por setores conservadores do país. E argumenta que as ONGs suíças colaboram diariamente com suas organizações associadas em 130 países para oferecer alguma perspectiva de futuro às pessoas mais marginalizadas. Sempre em pé de igualdade com a sociedade civil do Sul Global e a população local. Seus projetos, apoiados não apenas por doações de indivíduos e instituições, mas também por cooperação oficial, estão tendo um impacto considerável. Em 2023, esse apoio garantiu melhorias nas condições de vida de quase 15 milhões de pessoas.

    Armas em vez de solidariedade: a tendência reforçada de todo um continente que, sob o pretexto da guerra Rússia-Ucrânia, promove a militarização acelerada. As vítimas diretas dessa nova equação têm rostos negros, mestiços ou pardos. O asilo e a cooperação internacional estão em perigo. Uma parte da cidadania faz soar, quase desesperadamente, o alarme da solidariedade humana.

    Tradução: Rose Lima

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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