Exército posicionou tropas e blindados para impedir prisão da esposa e da filha do general Villas Bôas no acampamento
'Há provas da atuação institucional das cúpulas das Forças Armadas na tentativa de golpe contra a democracia', escreve o colunista Jeferson Miola
O general Júlio César Arruda assumiu o comando do Exército em 30 de dezembro de 2022 no lugar do general Freire Gomes, que junto com os insubordinados comandantes bolsonaristas da Aeronáutica e da Marinha abandonou o comando. Tudo porque eles não reconheciam o resultado da eleição e não aceitavam ter de bater continência ao presidente eleito pela soberania popular para ser o comandante supremo das Forças Armadas.
O general Arruda comandou o Exército brasileiro apenas durante os 21 dias iniciais do governo Lula; foi o mais breve no cargo na história da República.
Ele acabou demitido em 21 de janeiro de 2023 por descumprir ordem do presidente Lula de anular a nomeação do Mauro Cid para o comando do 1º Batalhão de Ações e Comandos do Exército, sediado em Goiânia.
Mas Arruda poderia [ou deveria] ter sido demitido bem antes, e inclusive recebido voz de prisão dos ministros Flávio Dino e José Múcio ou do interventor Ricardo Capelli ainda na noite de 8 de janeiro.
Naquela ocasião, ele afrontou o judiciário e o poder civil ao posicionar ostensivamente tropas e blindados para impedir o cumprimento da ordem judicial da Suprema Corte de prisão dos criminosos acampados no QG do Exército.
Sabia-se até então que o general Arruda teria agido dessa maneira para esconder delinquentes fardados e impedir a prisão de oficiais da ativa e da reserva e integrantes da família militar que participaram dos atentados no STF, no Congresso e no Planalto e depois se amotinaram no Quartel-General do Exército brasileiro juntamente com outros criminosos lá acampados.
Sabe-se hoje, no entanto, graças à bombástica apuração da competente jornalista Denise Assis, que o motivo real para decisão tão grave do general Arruda, que poderia lhe custar o próprio cargo, foi as presenças da esposa e da filha do general Villas Bôas dentre os criminosos amotinados no QG do Exército.
Arruda mandou posicionar as tropas e blindados em linha de combate contra a PM do Distrito Federal para impedir que fosse executada a prisão da Dona Cida, como é conhecida Maria Aparecida Villas Bôas, e de Ticiana Hass Villas Bôas, que lá se encontravam.
Denise Assis confirmou com “uma fonte muito considerada do meio militar” que a esposa e a filha do general Villas Bôas estiveram na Praça dos Três Poderes durante as depredações do 8 de janeiro, e depois se refugiaram no acampamento do QG do Exército, onde “correram o risco de serem levadas para o presídio da Papuda”.
Arruda teria combinado a manobra “com o general Gustavo Henrique Dutra, chefe do Comando Militar do Planalto, e teve como objetivo ganhar tempo na negociação que passaria a ocorrer a partir daquele momento”, ela explica.
O enredo descrito pela jornalista Denise Assis sobre aquelas horas tensas é cinematográfico: “Enquanto Arruda se apressou em posicionar os blindados, […] o general Dutra ligou para o general Gonçalves Dias. Precisava falar urgentemente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que àquela altura já retornara de sua viagem a Araraquara (SP)”.
Denise descreve que no telefonema para o presidente Lula, o general Dutra “tinha o objetivo de abrir o jogo. Ser claro. Não havia como liberar as prisões, sob pena de expor o general Eduardo Villas Boas, um dos quadros mais considerados pelos militares, prendendo a filha e a esposa daquele a quem todos chamam, segundo a fonte, de ‘o Líder’”.
“Aterrorizado com a ideia da desmoralização de Villas Boas, o que mancharia ainda mais a imagem das Forças Armadas, e do ‘Líder’, Dutra se encorajou e conseguiu que o general Gonçalves Dias passasse o telefone para Lula. Dutra então expôs para o presidente o porquê da atitude de Arruda e o risco de sublevação, caso D. Cida fosse colocada em um dos ônibus, juntamente com a filha, rumo ao presídio”, descreve Denise.
Com a concessão feita por Lula para evitar um banho de sangue, conforme versão oficial divulgada, “os acampados –[leia-se: Dona Cida, Ticiana, oficiais da ativa, da reserva e familiares de militares]–, tiveram a noite toda para deixar o acampamento” e conseguirem escapar da prisão.
Dona Cida era uma frequentadora assídua do acampamento no QG do Exército. Era tratada como celebridade pela horda que preparava a “festa da Selma”.
As investigações da PF indicam que a esposa do general Villas Bôas teve envolvimento ativo na preparação do golpe. Provavelmente representando o marido, que padece de doença degenerativa limitante, ela participou de pelo menos uma das diversas reuniões das cúpulas militares que discutiram a conspiração.
Apesar do avanço das investigações evidenciar o envolvimento institucional e sistêmico das cúpulas militares na tentativa de golpe, a maioria dos oficiais implicados, muitos deles ainda na ativa, estão conseguindo passar incólumes e preservando privilégios.
O general Villas Bôas, por exemplo, peça-chave em toda engrenagem de desestabilização do país e na gestação do golpe –da conspiração com Temer para derrubar Dilma, passando pelo tweet de ameaça ao STF até a sustentação do governo militar com Bolsonaro– não só goza da mais absoluta impunidade, como é brindado pelo Exército com a regalia de residir no Prédio Residencial Nacional do Exército [PRN], condição restrita a oficiais da ativa.
“Por questão de humanidade, ele está muito doente –e até mesmo em respeito à liderança que ele é–, foi-lhe facultado o direito de permanecer no PRN”, revelou para Denise Assis sua fonte, acrescentando que “ele [Villas Bôas] é muito respeitado. O que se sabe é que naquele episódio da demissão dos três comandantes [30/3/2021], ele chegou a dizer entre amigos que se estivesse bem de saúde, tiraria Bolsonaro do cargo e assumiria o poder. E seria apoiado, se o fizesse”.
Diante de tantas evidências e provas da atuação institucional das cúpulas das Forças Armadas na tentativa de golpe contra a democracia, não é aceitável nem a empulhação de que os militares salvaram a democracia, e tampouco a decisão do presidente Lula de proibir a rememoração dos 60 anos do golpe de 1964, cujos ecos estão muito vivos no presente.
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