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    Camilo Irineu Quartarollo

    Autor de nove livros, químico, professor de química, com formação parcial em teologia e filosofia.

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    Famintos e desfalecidos

    A fome é um escândalo do qual há muitos cúmplices anônimos

    Residentes de uma comunidade no Rio de Janeiro recebem comida de voluntários em 2021 (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)

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    Nem todos sabem, de verdade, o que seja a fome crônica. Não é uma vontade, um cheirinho de almoço caipira, um desejo de grávida ou mesmo aquela pizza de geladeira. 

    A fome aguda é voraz, um vazio que dói por dentro, come-se o que se vir pela frente, e a cru ou ainda vivos ratos, calangos, escorpiões, cobras peçonhentas, gatos, cães e o que vier, também se come terra, carvão, cinza e outros minerais in natura. A fome regride o crescimento físico e mental humano, frustra, produz apatia, deprime, enlouquece e mata. Inclusive se torna arma militar de guerra em campos de concentração ou em territórios ocupados ou de refugiados. A fome é um escândalo do qual há muitos cúmplices anônimos, e se evita olhar, falar e lembrar, mas não dá.

    Manuel Bandeira nos revela em seu poema: “Vi ontem um bicho. Na imundície do pátio. Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato. Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.”

    Entretanto, comer é um ato sagrado, civilizatório. Na antiguidade, os humanos dividiam sua caça em volta do fogo. Se diz que Jesus “multiplicou” pães e peixes. Mesmo na hipótese de que os padres ou os pastores atuais pudessem fazer “esse milagre”, a questão da fome não estaria resolvida. Pois voltariam a sentir fome novamente e novamente... Aliás, fome e dor de barriga não dá somente uma vez. 

    Jesus “multiplicou pães e peixes”. Em vez de se insistir em milagres fabulosos, padres e pastores podem fazer o “tal milagre”. Alguns o fazem não pela multiplicação, mas pela divisão “de peixes e pães”. Para alguns estudiosos, Jesus não fez o milagre da multiplicação mágica, isso é coisa de copista grego. Jesus apenas suscitou que os peregrinos dividissem suas provisões de viagem, que sabia que portavam. Embora, em solidariedade e partilha, os mestres sejam os pobres e, no entendimento evangélico, é “deles” e “neles”, que se realiza o divino reino (Mt.5,3).

    Objetivamente, a engenharia de alimentos consegue produzir comida mais que necessária para a população do planeta, mas a mão invisível do capitalismo impede a distribuição, pois o excesso de alimentos derruba os preços destes. 

    A Aliança contra a Fome e Pobreza é um projeto pacífico e global, em parcerias com bancos, tecnicamente instrumentalizado para apoiar e acelerar esforços na erradicação da fome e da pobreza, defendendo caminhos de transição sustentáveis, inclusivos. É uma iniciativa do G20, países reunidos nesse interesse, cuja proposta foi apresentada neste ano pelo Brasil e aprovada por aclamação. 

    Essa proposta contra a fome crônica e pobreza extrema é um conjunto de ações complexas entre as nações, Porém, crentes e ateus ainda podem fazer muito juntos num ato humanitário.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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