Farças armadas, kids graças e o desprezo à democracia
A raiz da tentativa de desestabilização de governos progressistas e da normalidade institucional é a intenção de perpetuação da injustiça
O braço armado dos interesses econômicos sempre interveio quando a demagogia de seus atores políticos de direita não produziu o efeito radical esperado: o total controle dos recursos públicos e a absoluta subjugação das classes populares. A base da chamada "meritocracia" dos estratos dominantes reside na drenagem dos recursos públicos para o seu próprio benefício. Roubar e matar para roubar constitui seu lema e prática constantes. Os mesmos empresários que, até outubro de 2024, receberam mais de 546 bilhões de reais em benefícios fiscais, exigem que o governo reduza gastos com programas sociais. Apenas o agronegócio foi contemplado, isoladamente, com 18,7% do montante referente à renúncia fiscal.
Entre 1947 e 1989, os anos da chamada “Guerra Fria”, os Estados Unidos fizeram valer os seus interesses diretamente através da ação do empresariado local e dos seus subordinados militares, políticos e burocráticos judiciais. Os golpes militares nesse período foram praticamente a solução padrão para deter os avanços de movimentos que buscavam uma maior independência econômica e soberania política em relação ao imperialismo exercido pelos norte-americanos.
“Patriotismo” e “contenção ao comunismo” foram os espantalhos usados como distração para a manutenção da concentração de riqueza e para a sabotagem de quaisquer iniciativas de reformas sociais. Todos os governos progressistas ou de esquerda que tentaram implementar reforma agrária, nacionalização de recursos e expansão de direitos sociais foram sistematicamente combatidos ou derrubados, num modus operandi onde os militares foram os mais fiéis aliados na perpetuação do status quo.
Na formação dos seus quadros, as forças armadas permaneceram impermeáveis aos valores democráticos, mesmo após a redemocratização. Militarismo e “doutrinação anticomunista” foram conteúdos preservados nos curriculae das escolas militares, desafiando os valores republicanos abraçados pela Constituição de 1988. Os princípios da Carta Magna ainda se subordinam, nos centros de formação, aos de instituições como a Escola das Américas, um dos centros de difusão de golpismo e de tortura que moldou ideologicamente os militares latino-americanos. Sob uma visão “anticomunista” extrema, muitos militares brasileiros consideram-se a si próprios como ferramentas para suprimir movimentos populares. Para oficiais e soldados sujeitos a tal deformação, o inimigo é o povo. Golpes de Estado e ações terroristas contra políticos e movimentos progressistas são instrumentos de preservação do status quo que costumam lançar mão de obra militar até hoje.
Instruídas e adestradas para promover a violência contra os pobres, os movimentos populares e os setores progressistas da sociedade, as forças armadas e de segurança, naturalizaram as violações de direitos humanos, a tortura, os desaparecimentos e os assassinatos praticados em nome da “manutenção da ordem”.
As estruturas que permitem e se interessam pela preservação dessa mentalidade se perpetuam através da desigualdade, da concentração de poder e das novas ferramentas do autoritarismo, como a manipulação midiática, as bolhas digitais, a desinformação, o ódio à legalidade e os ataques às instituições democráticas.
As elites econômicas, sempre dispostas a lançar mão de qualquer tipo de recurso que a favoreça, não tem qualquer pudor de encomendar ao seu braço militar, a prática de crimes contra o Estado Democrático de Direito ou contra a humanidade.
As classes dominantes, não estão preocupadas em abrir a caixa de pandora ou em chocar o ovo da serpente. Seu maniqueísmo é binário e contábil: a moeda entrando, é o bem; a moeda saindo, é o mal. O poder econômico, para quem a democracia é uma firula, enxerga os militares apenas como seus capangas fardados e armados, sempre a serviço da sua vontade.
A tentativa de sequestro e assassinato de autoridades da República, reflete a radicalização extrema de setores militares que não aceitam distribuição de poder no cenário político, e que tem raízes no empoderamento dado pelo discurso golpista empreendido pelos grandes empresários e setores da elite econômica, que, em 2015, foram da direita à extrema-direita, em poucos meses, em função dos seus interesses imediatos.
Os mega ricos são avessos ao fortalecimento de um Estado democrático e inclusivo. Contrários a políticas progressistas, à repartição do poder e à convivência com um cenário onde suas visões e ambições não dominem completamente, eles sempre agem apertando o botão do apocalipse, quando seu lucro deixa de ser o esperado.
As elites e setores militares historicamente vinculados a golpes e ditaduras mantêm suas bases de poder, mesmo em um contexto formalmente democrático, recorrendo à violência quando percebem que estão ganhando menos ou perdendo o controle.
Os militares, enquanto instituição, carregam um legado de autoritarismo que decorre da falta de revisão histórica, responsabilização e reforma institucional no meio militar, o que permite que ideologias golpistas e antidemocráticas sobrevivam em nichos da corporação. A falta de justiça para as vítimas do regime militar e a perpetuação de privilégios para os militares criaram um ambiente onde alguns se sentem no direito de agir acima das leis, ainda mais quando são estimulados a se conduzirem dessa forma.
Alimentados por narrativas de desinformação, teorias conspiratórias e por um discurso golpista que legitima atos de violência em nome de uma suposta "salvação" da nação, grupos radicalizados continuarão a atuar se não forem exemplarmente punidos quando se manifestam através de crimes.
O planejamento de atos terroristas contra instituições e autoridades são meras consequências. A causa é a disseminação do ódio como uma estratégia fascista de desestabilização. A manipulação midiática e digital das massas e o incentivo à violência servem para criar um ambiente onde ações extremas, como essa, encontram todo suporte e incentivo, num contexto onde as elites econômicas e políticas recorrem aos militares radicalizados como garantidores de seus interesses, especialmente em momentos de transformação social. Os braços violentos dessa dinâmica, agem contra líderes políticos ou institucionais que representam uma ameaça simbólica ou real à ordem que desejam preservar. A truculência desses grupos é, na verdade, uma expressão do medo das elites frente a mudanças, que usa a força para proteger privilégios.
A raiz da tentativa de desestabilização de governos progressistas e da normalidade institucional é a intenção de perpetuação da injustiça, da desigualdade e da exclusão social pelas elites sociais e econômicas.
A tentativa de sequestro e assassinato por grupos como os “kits graças” de hoje e de sempre é uma consequência da incapacidade da sociedade brasileira de superar os legados do passado, num cenário em que é essencial fortalecer as instituições democráticas, promover a educação para a cidadania, inclusive no meio militar, e garantir que a violência e a injustiça não sejam mais toleradas em nenhuma forma.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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