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    Seymour Hersh

    Jornalista investigativo e independente. Sua carreira inclui passagens pelo The New Yorker e The New York Times. Ganhou inúmeros prêmios por suas reportagens, incluindo cinco vezes o Prêmio George Polk e o Prêmio Pulitzer

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    Fazendo negócios com o inimigo

    "Zelensky tem comprado diesel com desconto dos russos”, me contou um bem-informado oficial de inteligência estadunidense

    Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky (Foto: REUTERS)

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    Artigo de Seymour Hersh republicado no Popularresistance.org em 19.04.23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o 247

    O governo ucraniano, chefiado por Volodymyr Zelensky, estava usando fundos dos contribuintes estadunidenses para pagar caro pelo combustível diesel vitalmente necessário que está mantendo o exército ucraniano em movimento na sua guerra com a Rússia. Se desconhece quanto o governo Zelensky está pagando por galão [3,78 litros] de combustível, mas o Pentágono estava pagando até US$ 400 por galão para transportar gasolina de um porto no Paquistão, por caminhão ou paraquedas, ao Afeganistão durante as décadas da guerra dos EUA naquele país.

    O que também é desconhecido é que Zelensky estava comprando combustível da Rússia – o país com quem ele e Washington estão em guerra – e o presidente ucraniano e muitos da sua comitiva têm escumado incontáveis milhões dos dólares estadunidenses destinados para o pagamento de diesel combustível. Uma estimativa feita por analistas da CIA calculam os fundos desviados em pelo menos US$ 400 millions no ano passado; um outro especialista comparou o nível de corrupção em Kiev como próximo àquele da guerra no Afeganistão, “apesar de que não haverá relatórios de auditoria profissionais emergindo da Ucrânia”.

    "Zelensky tem comprado diesel com desconto dos russos”, me contou um bem-informado oficial de inteligência estadunidense. “E quem está pagando pelo gás e o petróleo? Somos nós [os EUA]. Putin e os seus oligarcas estão ganhando milhões” com isso.

    Muitos dos ministros do governo em Kiev têm literalmente “competido”, me disseram, para montar companhias de fachada para fazer contratos de exportação de armas e munições com negociantes privados de armas em todo o mundo – e tudo isso pagando propinas. Muitas destas empresas se localizam na Polônia e na República Tcheca, mas pensa-se que existam outras no Golfo Pérsico e em Israel. “Eu não me surpreenderia de saber que há outras em lugares como as Ilhas Cayman e o Panamá, e há muitos estadunidenses envolvidos”, um especialista em comércio internacional dos EUA me disse.

    A questão da corrupção foi diretamente levantada com Zelensky numa reunião em Kiev em janeiro passado com o diretor da CIA William Burns. Um oficial de inteligência com conhecimento direto da reunião me contou que era como um filme de gangsters nos anos de 1950. Os generais e autoridades governamentais sêniores em Kiev ficaram irritados com o que eles viram como a ganância de Zelensky, então Burns disse ao presidente ucraniano, porque “ele estava pegando uma quota maior do dinheiro de propinas do que estava indo para os generais”.

    Burns também deu a Zelensky uma lista de 35 generais e autoridades seniores cuja corrupção era conhecida pela CIA e outros no governo estadunidense. Zelensky respondeu à pressão dos EUA dez dias depois ao demitir publicamente 10 das mais ostensivas autoridades da lista e nada mais. “Os dez de quem ele se livrou estavam se gabando ostentosamente sobre o dinheiro que tinham – dirigindo as suas novas Mercedes em Kiev”, a autoridade de inteligência me contou.

    A resposta irresoluta de Zelensky e a falta de preocupação da Casa Branca foram vistas, a autoridade de inteligência adicionou, como mais um sinal de uma falta de liderança que conduz ao “colapso total” de confiança entre a Casa Branca e alguns elementos da comunidade de inteligência. Outra questão divisiva que eu relatei repetidamente na minha recente reportagem é a ideologia estridente e a falta de habilidade política demonstrada pelo secretário de estado Tony Blinken e pelo conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan. O presidente e seus dois principais conselheiros de política exterior “vivem em mundos diferentes” daquele vivenciado pelos pelos diplomatas experientes e pelos oficiais militares e de inteligência alocados à Casa Branca; “Eles não têm experiência, nem julgamento, nem integridade moral. Eles simplesmente contam mentiras, inventam estórias. A negabilidade diplomática é outra coisa”, me disse o funcionário da inteligência. “Isso deve ser feito”.

    Um proeminente diplomata estadunidense aposentado que se opõe vigorosamente à política externa de Biden com relação à China e à Rússia, retratou Biden como pouco mais do que “um soberbo funcionário do Congresso” e a Sullivan como “um gerente de campanha eleitoral” que, de repente, se encontram de frente e por todos os lados no mundo da diplomacia de alto poder “sem empatia pela oposição. Eles são caras decentes”, ele adicionou, “mas agora nós temos o mundo político e de energia de cabeça para baixo. A China e a Índia agora vendem gasolina refinada para o mundo Ocietnal. Trata-se só de negócios”.

    A crise atual não é ajudada pelo fato que Putin também está agindo irracionalmente. O funcionário da inteligência me contou que tudo que Putin “tem feito na Ucrânia vai contra os interesses de longo prazo da Rússia. A emoção venceu a racionalidade e ele está fazendo coisas que são totalmente improdutivas. E então, será que nós vamos nos sentar com Zelensky e Putin e ajeitar as coisas? Sem chance alguma”.

    “Há um desarranjo total entre a liderança da Casa Branca e a comunidade de inteligência”, disse a autoridade de inteligência. O racha remonta ao outono, quando, como eu reportei no início de fevereiro, Biden ordenou a destruição clandestina dos gasodutos Nord Stream no Mar Báltico. “A destruição dos gasodutos Nord Stream jamais foi discutida, nem sequer conhecida de antemão pela comunidade”, a autoridade me contou. “E não existe uma estratégia para terminar a guerra. Os EUA gastaram dois anos para planejar a invasão da Normandia na Segunda Guerra Mundial. O que nós faremos se a China decidir invadir Taiwan?” A autoridade adicionou que o Conselho Nacional de Inteligência [NIC - National Intelligence Council] ainda carece de ordenar a elaboração de uma Estimativa de Inteligência Nacional (NIE – National Intelligence Estimate) sobre como defender Taiwan da China, que possa prover uma orientação política e de segurança nacional caso isto acabe ocorrendo. A autoridade disse que ainda não há uma razão, apesar das provocações políticas estadunidenses, tanto de Democratas quanto de Republicanos, para se suspeitar que a China tenha alguma intenção de invadir Taiwan. Ela gastou bilhões para construir a sua selvagemente ambiciosa Nova Rota da Seda, visando ligar o leste da Ásia à Europa e investindo, talvez estupidamente, em portos marítimos em todo o mundo. “A questão é”, a autoridade me disse, “que não existe mais um processo de NIE em funcionamento”.“O problema não é o Burns”, a autoridade me disse. “O problema é Biden e seus principais lugares-tenentes – Blinken e Sullivan e a sua corte de adoradores – que veem aqueles que criticam Zelensky como sendo pró-Putin. Nós somos contra o mal. A Ucrânia lutará 'até usar a sua última bomba, e ainda assim, lutará'. E eis aqui Biden dizendo aos EUA que nós lutaremos por quanto tempo isso leve”.

    A autoridade citou a pouco-conhecida e raramente discutida alocação, autorizada por Biden, de duas brigadas com milhares das melhores unidades de combate do exército estadunidense para a região. Uma brigada da 82ª Divisão Aerotransportada esteve se treinando e exercitando intensivamente na sua base no interior da Polônia, a poucos quilômetros da fronteira ucraniana. Ela foi reforçada no final do ano passado por uma brigada da 101ª Divisão Aerotransportada que estava alocada na Romênia. O efetivo total das duas brigadas – contando com as unidades administrativas e de apoio, com os caminhões e motoristas que transportam o fluxo constante de armas e materiais militares chegados por via marítima para manter as unidades prontas para combate – poderia chegar a mais de 20.000.

    As autoridades de inteligência me contaram que “não há evidências de que qualquer autoridade sênior na Casa Branca efetivamente sabe o que está ocorrendo na 82ª e 101ª brigadas. Será que elas fazem parte de um exercício da OTAN, ou para servirem como unidades de combate da OTAN caso o Ocidente decida engajar-se contra unidades russas dentro da Ucrânia? Elas estão ali para se treinarem, ou para serem gatilhos? As regras de engajamento dizem que elas não podem atacar os russos, a não ser que os nossos soldados sejam atacados”.

    “Mas os juniores estão mandando no show qui”, a autoridade adicionou. “Não há coordenação do Conselho de Segurança Nacional [NSC – National Security Council] e o exército dos EUA está se preparando para entrar em guerra. Não se tem ideia alguma se a Casa Branca sabe o que está ocorrendo. Será que o presidente falou ao povo estadunidense e fez um pronunciamento radiotelevisivo informativo sobre o que está ocorrendo? Os únicos informes que a imprensa e o público recebem atualmente são feitos pelos porta-vozes da Casa Branca”.“Isto não é apenas uma má liderança. Não há liderança alguma. Zero”. A autoridade acrescentou que uma equipe de pilotos de combate ucranianos agora está sendo treinada nos EUA para pilotar jatos de combate F-16 construídos nos EUA, com a meta, se necessário, de voar em combate contra as tropas russas e outros alvos dentro da Ucrânia”. Não foi tomada nenhuma decisão alguma sobre tal alocação.

    As declarações mais claras sobre a política estadunidense não têm vindo da Casa Branca, mas sim do Pentágono. O general-de-exército Mark A. Milley, que é o chefe dos Estados Maiores Conjuntos, disse o seguinte sobre a guerra em 15 de março último: “A Rússia permanece isolada. Os seus estoques militares estão se esgotando rapidamente. Os seus soldados estão desmoralizados, sem treinamento, são conscritos e convictos de crimes sem motivação e as suas lideranças estão falhando. Tendo falhado nos seus objetivos estratégicos, a Rússia está contando cada vez mais com outros países, como o Irã e a Coreia do Norte … A Ucrânia permanece forte. Eles são capazes e treinados. Os soldados ucranianos são … fortes nas suas unidades de combate. Os seus tanques e veículos de infantaria de combate e veículos blindados reforçarão a linha do front”.

    Há evidências de que Milley seja tão otimista quanto ele soa. Me contaram que há dois meses os Chefes Conjuntos ordenaram aos membros da equipe – a frase militar é “receberam a tarefa” - de elaborar um tratado para acabar com a guerra para ser apresentado aos russos após a sua derrota no campo de batalha ucraniano.

    Caso aconteça o pior nos próximos meses ao exército insuficiente e desarmado do exército ucraniano, será que as duas brigadas estadunidenses se juntarão às tropas da OTAN para enfrentarem o exército russo dentro da Ucrânia? Será este o plano, ou a esperança, do presidente dos EUA? Será esta a conversa ao pé da fogueira que ele quer dar? Caso Biden decida compartilhar os seus pensamentos com o povo estadunidense, ele poderia querer explicar o que duas brigadas do exército, plenamente equipadas com pessoal e equipamentos, estão fazendo tão próximas à zona de guerra.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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