Fernanda Torres, Darín e combate de Milei contra cultura e direitos humanos
"A Argentina está vivendo o desafio de manter em pé os pilares da sua política de direitos humanos", relata Marcia Carmo
A Argentina está vivendo o desafio de manter em pé os pilares da sua política de direitos humanos, considerada por muitos um farol na América do Sul.
No fim de semana, milhares de pessoas protestaram, com velas acesas e cartazes, contra o esvaziamento sistemático das entidades do setor provocado pelo presidente Javier Milei. A manifestação foi realizada sábado, no ex-centro de tortura da ESMA (Escola de Mecânica da Marinha, na sigla em português), que passou a ser chamado de Espaço Memória e Direitos Humanos. Durante a última ditadura militar argentina (1976-1983), a então ESMA foi um epicentro de prisões arbitrárias, torturas e salas de parto das mulheres sequestradas que tiveram os bebês raptados. Uma sequência de horrores que incluiu os chamados voos da morte (com as vítimas sendo lançadas ao Rio da Prata). Caminhar pelos pátios do lugar, onde são exibidas fotos em preto e branco de perseguidos pelos ditadores, é sentir uma tristeza profunda. E os efeitos da brutalidade, da covardia. Lá estão arquivos daquele período, possíveis de serem pesquisados. O Espaço Memória e Direitos Humanos, que fica no bairro de Núñez, em Buenos Aires, foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco. No seu complexo de prédios antigos, rodeados por gramados, funciona o Centro Cultural da Memória Haroldo Conti – nome em homenagem ao escritor argentino sequestrado pelos militares da sua casa e desaparecido desde 1976.
Na virada do Ano Novo, de 2024 para este 2025, os trabalhadores do lugar receberam mensagens de WhatsApp por parte do governo Milei dizendo que não precisavam voltar aos seus postos de trabalho. “O que dói na alma é que Milei anuncia os cortes, a redução de pessoal sem a menor compaixão”, disse um funcionário público. A falta de empatia de Milei, que ressalta os números, mas não as pessoas que estão indo para o olho da rua, foi assunto de longa conversa em um grupo de peronistas (opositores do governo). “Não há a menor preocupação com o lado humano”, disse uma das militantes peronistas. Nas últimas horas, a Secretaria de Direitos Humanos informou que o Haroldo Conti será reestruturado, mas não fechado. Até agora já se sabe que a reestruturação é sinônimo de demissões. Há dois meses, informou o jornal Página 12, nesta terça-feira, os que trabalham (trabalhavam) no ex-Centro Clandestino de Detenção Virrey Ceballos, da Aeronáutica, no bairro de Montserrat, também aqui em Buenos Aires, já tinha recebido comunicados de demissão. A Secretaria de Direitos Humanos está vinculada ao Ministério da Justiça que, no ano passado, reduziu seu pessoal em quase 40%. O Ministério eliminou o Instituto Nacional contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo (INADI) e ficou com o pouco que sobrou do Ministério da Mulher, Gêneros e Diversidade, eliminado em uma das várias canetadas de Milei. As políticas contra o feminicídio ficaram praticamente inexistentes, alertam líderes em defesa das mulheres e outros gêneros. O governo Milei ignora essa realidade. Seu foco são os números – déficit fiscal, principalmente.
A motosserra de Milei é o símbolo do que ele mesmo chama de ‘batalha cultural’. Direitos humanos e cultura sentem os efeitos dessa batalha. “Nossa atividade e a cultura em geral estão atravessando um momento de crise, que eu sei que o tempo e nós mesmos vamos acabar corrigindo. Pelo menos, é isso que espero acreditar.”, disse o ator Ricardo Darín, ao ganhar, em agosto passado, o Prêmio Sul por sua trajetória no cinema nacional. Darín foi protagonista do filme ‘Argentina, 1985’, sobre os horrores da ditadura e as dificuldades para levar os algozes daquele período ao banco dos réus. O filme foi indicado ao Prêmio Oscar 2023. Neste ano, o país ficou fora da corrida pelo prêmio cinematográfico. E aqui muitos querem conhecer mais sobre a trajetória de Fernanda Torres. “Quem é a atriz brasileira que desbancou Angelina Jolie” foi a matéria de cultura mais lida no portal do La Nación, nesta terça-feira. Através das notícias sobre a premiação de Fernanda Torres no Globo de Ouro, nossos vizinhos e tantos outros estão conhecendo a história de Eunice e Rubens Paiva e os horrores que também marcaram o Brasil. O filme ‘Ainda estou aqui’, de Walter Salles, ainda não estreou na Argentina. Mas a alegria brasileira e a reação do presidente Lula ao prêmio para Fernanda Torres, incluindo a conversa entre eles, difundidas nas redes sociais do Planalto, confirmam como os dois governos – do Brasil e da Argentina – são opostos. E a Argentina, que ganhou seu primeiro Prêmio Oscar de melhor filme estrangeiro pelo ‘A História Oficial’, há quase 40 anos, em 1986, precisa estar atenta e forte.
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