Israel desrespeita soberania brasileira, diz advogada sobre fuga de soldado da IDF
Maíra Pinheiro, que atua no caso, contou ao Opera Mundi que virou alvo de ataques sionistas nas redes sociais
Por Victor Farinelli, Opera Mundi - A advogada Maíra Pinheiro atua como representante jurídica da Fundação Hind Rajab no caso do soldado israelense Yuval Vagdani, que passava férias no Brasil e é suspeito de crimes de guerra cometidos na Faixa de Gaza.
A partir de uma denúncia da Fundação Hind Rajab, protocolada por Maíra, a Justiça Federal brasileira iniciou uma investigação contra o militar há uma semana, por ter participado de uma operação com explosivos fora de situação de combate, o que poderia configurar crime de guerra. O local demolido servia de abrigo para palestinos que se refugiavam dos bombardeios lançados por Israel.
O soldado fugiu do Brasil com a ajuda do Estado israelense a partir da embaixada do país em território brasileiro. Com exclusividade a Opera Mundi, a advogada apontou que a conduta de Tel Aviv foi um “desrespeito à soberania e às instituições brasileiras”, mas que é “coerente” com “política externa de impunidade” do governo sionista de Benjamin Netanyahu.
“O que nós apresentamos foi um requerimento de investigação e imposição de medidas cautelares, com a observância de todos os direitos e garantias que fazem parte do devido processo legal e da ampla defesa, e em resposta nós temos membros do governo israelense ameaçando de morte as pessoas da Fundação Hind Rajab”, disse.
Ela mesma e sua família se tornaram alvos de ataques de grupos sionistas nas redes sociais desde que começou a atuar no caso. “Minhas redes sociais foram praticamente sequestradas por setores da extrema direita, do esgoto da internet”, contou Maíra a Opera Mundi.
Ela acrescenta que “há uma atuação importante de setores da propaganda israelense, que fizeram um dossiê sobre mim, que chegou a ser traduzido e difundido no Telegram, por isso eu já recebi ameaças em inglês e em hebraico”.
Maíra também trabalha no caso dos estudantes da Universidade de São Paulo (USP) ameaçados de expulsão por se posicionarem contra o genocídio cometido na Faixa de Gaza. Segundo a defensora, que ainda não foi concluído, mas no qual ela diz esperar por um bom resultado.
Leia a íntegra da entrevista com a advogada de direitos humanos Maíra Pinheiro:
Opera Mundi: como continua o trabalho da Fundação Hind Rajab após a fuga de Yuval Vagdani do Brasil? Ele pode ser processado em outros países? Outros soldados podem ser denunciados de forma similar?
Maíra Pinheiro: o trabalho continua como antes. Estamos monitorando o caso, coletando evidências com um rigoroso respeito à cadeia de custódia da prova digital, com informações detalhadas de geolocalização e acompanhando os movimentos desses possíveis criminosos de guerra através de investigação por inteligência de fontes abertas.
Seguiremos denunciando os casos e promovendo conscientização sobre a importância do direito internacional e do direito internacional humanitário, para que eles tenham efetividade, e que essas regras valem para todo mundo.
Em que outros países foram denunciados casos similares ao de Vagdani? Como os tribunais desses países atuaram nesses casos?
Nós tivemos experiências similares no Chipre, Sri Lanka, Tailândia, Argentina, Chile, Holanda, em vários países. E, em todos esses casos, assim que a diplomacia israelense tomou conhecimento de que havia pedidos de investigação, ou que as investigações já haviam sido deflagradas, eles prontamente se movimentaram para retirar esses sujeitos dos respectivos países.
Ainda não tivemos um caso de prisão, mas nós acreditamos nas instituições e em que o Estatuto de Roma não é letra morta e que os crimes de guerra não passarão impunes.
Como você avalia a reação da embaixada israelense no Brasil, que colaborou com a fuga de Vagdani do território nacional? Seria um caso de obstrução de justiça?
É uma reação muito coerente com a sua política externa (israelense) de impunidade com relação aos crimes de guerra cometidos pelos agentes do seu Estado, e mostra um comprometimento estrutural com a realização deste genocídio em todas as suas etapas.
Também vejo isso como um desrespeito à soberania e às instituições brasileiras, até porque o que nós apresentamos foi um requerimento de investigação e imposição de medidas cautelares, com a observância de todos os direitos e garantias que fazem parte do devido processo legal e da ampla defesa, e em resposta nós temos membros do governo israelense ameaçando de morte as pessoas da Fundação Hind Rajab.
Você tem recebido ameaças por atuar nesses casos?
Eu tenho recebido múltiplas ameaças, sempre com um conteúdo muito misógino. Ameaças de estupro, ameaças contra a integridade física da minha filha, minhas redes sociais foram praticamente sequestradas por setores da extrema direita, do esgoto da internet.
Eu acho muito curioso como as mensagens que eu recebo são todas muito parecidas. Já vi evidências de que o meu perfil circulou em grupos de Telegram da extrema direita com convites para que as pessoas fossem me xingar nas redes sociais, e as pessoas que fazem parte desse mundo obscuro da internet atenderam ao chamado e passaram a me atacar, a me ameaçar.
Há uma atuação importante de setores da propaganda israelense, que fizeram um dossiê sobre mim no Twitter, e isso vem sendo replicado na íntegra por vários perfis. Acho que ele chegou a ser traduzido e também difundido no Telegram, por isso eu já recebi ameaças em inglês e hebraico. Alguns mandam emojis de pagers, dando a entender que usariam meus dispositivos eletrônicos para me matar.
São coisas que não surpreendem, infelizmente, porque é assim que o Estado de Israel opera, e é assim que os setores que se identificam politicamente com esse projeto genocida também operam. Eles usam a violência, intimidação, agressão, sendo que o único que fizemos foi abrir um processo e tentar fazer com que as coisas fossem resolvidas dentro da lei.
Como nasceu a Fundação Hind Rajab? Desde quando você trabalha com eles?
A Fundação Hind Rajab é uma iniciativa que surgiu como um desdobramento do Movimento March 30. Ambas são iniciativas que visam promover a responsabilização de criminosos de guerra, autores de crimes contra a humanidade e genocídio, nas Cortes internacionais.
O nome da organização é uma homenagem à menina Hind Rajab que tinha seis anos quando foi assassinada por Israel em 29 de janeiro de 2024, juntamente com toda a sua família, além de dois socorristas que tentaram resgatá-la após um ataque. O carro onde ela viajava foi alvejado pela metralhadora de um tanque, inicialmente sobreviveram a Hind e sua prima, elas ligaram para um serviço de emergência e os tiros de metralhadora disparados contra elas ficaram gravados na ligação, essa gravação repercutiu e deu notoriedade ao caso.
Para mim é um orgulho muito grande trabalhar em uma organização que leva o nome dessa menina. Sempre que eu vejo a foto dela eu penso na minha filha. Este é o primeiro caso em que eu trabalho com eles e me sinto muito honrada.
Você também atua no caso dos estudantes da USP ameaçados de expulsão por se posicionarem contra o genocídio na Faixa de Gaza. Qual é a situação atual desses estudantes e o que ainda deve acontecer no caso?
O caso está em vias de conclusão. Foram entregues as alegações finais nas últimas semanas de 2024 e agora nós estamos aguardando o parecer da comissão processante. Depois, os autos serão encaminhados para a reitoria, para julgamento.
Acredito que conseguimos demonstrar de forma consistente que as acusações eram vagas, indeterminadas e baseadas em um regimento disciplinar dos tempos da ditadura, o que reflete, na forma e no conteúdo, os valores daquele tempo. Acho que teremos um bom resultado. Ficou demonstrado que os estudantes agiram dentro dos limites da sua liberdade de expressão. As críticas que eles fizeram foram direcionadas a um Estado, a um regime, e não a um povo em função de sua identidade.
Esse tipo de instrumentalização com alegações de antissemitismo para fazer lawfare, seja através do Judiciário, por meio de processos criminais, seja utilizando instâncias disciplinares de instituições como a USP, é um expediente bastante conhecido por parte do sionismo, e serve para calar vozes que questionam o regime genocida e de apartheid.
Quando você começou a atuar em casos judiciais relacionados à causa palestina? Você atua em outros casos relacionados aos Direitos Humanos?
Minha atuação jurídica (em favor da causa palestina) começou em 2024. Minha atuação política vem desde a minha época de adolescente. Eu tive o privilégio de ter professores excelentes e aprendi sobre a Nakba (Catástrofe) desde uma perspectiva anticolonial há mais de 15 anos. A defesa da autodeterminação do povo palestino é um consenso dentro da militância de esquerda aqui no Brasil, ainda bem.
Eu venho de uma trajetória de política partidária há 15 anos, ligada ao movimento estudantil, ao movimento de mulheres, pautas que sempre tiveram conexão com a causa palestina.
Eu atuo em outras causas relacionadas aos direitos humanos. Atuo na advocacia criminal, em defesa dos direitos das mulheres. Também faço defesa em casos que são a expressão da criminalização da pobreza, do nosso apartheid informal brasileiro. São casos de tráfico ou de roubo em que pessoas são acusadas injustamente e que, em muitas vezes, a cor da pele e a classe social são fatores determinantes para o sucesso dessas acusações.
Essa experiência, inclusive, me trouxe muitas reflexões durante o trabalho neste caso do soldado israelense, porque é óbvio que desde uma perspectiva garantista o princípio da presunção de inocência e da ampla defesa são essenciais para a democracia, mas no nosso país a presunção de inocência vale de forma diferente para as pessoas, dependendo de quem elas são, e ela foi muito valorizada no caso deste soldado, ao ponto de que provas muito contundentes que nós apresentamos não receberam a devida atenção.
Ao mesmo tempo, na Justiça criminal, eu já lidei com prisões e condenações que se basearam em muito menos em termos de provas. É um exemplo de como as desigualdades e opressões estruturais da nossa sociedade atravessam as nossas instituições.
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