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    Gilbergues Santos Soares

    Historiador e cientista político e professor do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Especialista em História do Brasil República, com ênfase na ditadura militar e em democracia, suas instituições e em nossa cultura política pretoriana

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    Foi uma sexta-feira, 13 de dezembro, que mergulhamos na escuridão!

    Ainda temos parte considerável da sociedade brasileira supondo que um novo AI-5 seria solução para muitos dos nossos problemas

    (Foto: Reprodução)

    Em 14/12/1968 o antigo “Jornal do Brasil” trazia no alto de sua primeira página a seguinte previsão meteorológica: “Tempo ruim. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos”. Mas, fazia naquele dia um solzão de dezembro. A temperatura na cidade do Rio de Janeiro variava entre 35º e 38º graus. Outra coisa que chamou a atenção dos leitores foram fotos publicadas no lugar dos famosos editoriais do Jornal do Brasil. Ao invés daquela sempre bem elaborada coluna política do jornalista Carlos Castello Branco, o Castelinho, aparecia uma foto onde um enorme lutador de judô dominava um pequeno e frágil garoto.

    Em "1968: o ano que não terminou", o jornalista Zuenir Ventura relata essa história para exemplificar como a sociedade recebeu o Ato Institucional nº 05 que havia sido baixado, não por acaso, numa sexta-feira, 13. O AI-5 ficou sendo chamado de o golpe dentro do golpe. Ele foi o recrudescimento, a radicalização, do golpe civil-militar de 1964. De abril de 1964 até aquele dezembro de 1968, os militares se mantiveram no poder, à frente da ditadura. Mas, eles pareciam ter vergonha de estarem no comando autoritário do país. Tanto é que foi neste período que os estudantes ganharam as ruas cantando “vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Naquela aterrorizante sexta-feira (a exatos 55 anos) os militares ocuparam em definitivo o poder e o fizeram de uma forma avassaladora como nunca se viu. Foi por isso que o Jornal do Brasil colocou o lutador brutamontes dominando a criança. Aquilo foi uma metáfora. O lutador era o Estado militarizado dominando seus adversários. O garoto era a própria sociedade que se tornava ínfima, pequenina, diante de um poder colossal. Foi por isso que o Jornal do Brasil afirmou que o tempo estava péssimo, a temperatura sufocante e o ar irrespirável. A sensação das pessoas é que não se podia respirar. O país estava, sim, sendo varrido pelo tufão do autoritarismo desmedido. Acabavam-se as garantias legais do cidadão. O AI-5 era, literalmente, uma sentença de morte para os que eram contra a ditadura. Vejam que o artigo 2º do AI-5 dava ao Presidente da República, um general do Exército, poderes ilimitados acima de tudo e de todos. Ele podia, por exemplo, decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais por tempo indeterminado. O General-presidente de plantão poderia, também, decretar estado de sítio a qualquer momento e a seu exclusivo critério. O ato autorizava o poder executivo legislar em todas as matérias, exercendo, inclusive, o poder de polícia sobre o legislativo. No artigo 3º, o ditador-presidente da República poderia decretar intervenção federal nos Estados e Municípios sem quaisquer limitações de outra ordem. Por sinal, Campina Grande, na Paraíba, foi um dos municípios a passar por uma intervenção federal militarizada. A partir do artigo 4º, o AI-5 mirava o cidadão. Nele se dizia que o ditador de plantão poderia, sem as limitações previstas na Constituição, ou seja passando por cima dela, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos. Quando uma pessoa tinha seus direitos cassados era, invariavelmente, levada à prisão, à tortura, ao exílio e até a morte. Cassar direitos políticos era, para os ditadores, sinônimo de eliminar a própria vida do cidadão. O artigo 5º era o supra sumo do autoritarismo. Por ele se suspendia o direito de votar e de ser votado; se proibia atividades e manifestações políticas; se impunha a qualquer pessoa um tipo de liberdade vigiada, com a proibição de frequentar lugares públicos. O fato é que ao ter seus direitos políticos suspensos o cidadão ficava impedido de exercer quaisquer direitos públicos e/ou privados. Por exemplo, ele não poderia solicitar quaisquer documentos, inclusive uma nova via de sua cédula de identidade. Em seu artigo 10º o retrocesso era total, pois se suspendia a garantia de habeas corpus para os casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. O AI-5 autorizava os órgãos de repressão, do governo militar, a prender qualquer pessoa e em qualquer lugar, inclusive em sua residência, e mantê-la incomunicável por até 120 dias e sem direito a habeas corpus. Tempo suficiente para se sumir com um corpo. Os homens que formavam o Conselho Nacional de Segurança baixaram o AI-5 sem nenhum pudor. O general Jarbas Passarinho disse “às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência". O AI-5 permitiu a repressão, intervenção, cassação, suspensão dos direitos, prisão preventiva, demissões, perseguições e até confisco de bens. E tudo isso em nome da segurança nacional. Com o AI-5 nos tornamos uma sociedade amedrontada. Mesmo assim, ainda temos parte considerável da sociedade brasileira supondo que um novo AI-5 seria solução para muitos dos nossos problemas. Na verdade, os que defendem o AI-5 e a própria ditadura militar só o fazem porque são frutos disso. São os entulhos autoritários que somos obrigados a carregar enquanto tentamos erguer uma sociedade baseada em procedimentos democráticos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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