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    Rui Costa Pimenta

    Fundador e presidente nacional do PCO (Partido da Causa Operária)

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    Friederich Engels, uma nota biográfica

    "Friedrich Engels foi, juntamente com Karl Marx, um dos fundadores do socialismo moderno, cuja teoria passou à história com o nome de marxismo", lembra Rui Costa Pimenta. “Após a morte de Marx, Engels tornou-se a mais importante autoridade do movimento operário socialista internacional”

    Marx e Engels (Foto: Rprodução)

    Por Rui Costa Pimenta, na Revista Textos

    Friedrich Engels nasceu em Barmen, na província do Reno na Prússia, na atual Alemanha, a 28 de novembro de 1820. Foi, juntamente com Karl Marx, um dos fundadores do socialismo moderno, cuja teoria passou à história com o nome de marxismo, mas que deve a sua elaboração a ambos. Escreveram juntos o Manifesto Comunista (1848), o mais importante documento programático da classe operária internacional até os dias de hoje e inúmeros textos de fundamental importância teórica sobre economia, filosofia e política. Engels foi também o executor testamenteiro intelectual de Marx, tendo completado e publicado o segundo e o terceiro volume de O Capital, principal obra científica do socialismo em todos os tempos, após a sua morte.

    Engels nasceu de uma família burguesa liberal de sólidas convicções religiosas protestantes, dotada também de um razoável patriotismo prussiano, principal potência entre os diversos estados alemães da época. Seu pai era dono de uma indústria têxtil em Barmen e também sócio da firma algodoeira Ermen & Engels em Manchester, um dos principais centros da revolução industrial na Inglaterra. No entanto, mesmo após Engels assumir abertamente os ideais revolucionários, sempre pôde contar com a ajuda financeira dos pais, tendo trabalhado na administração dos negócios paternos boa parte da sua vida.

    Engels cursou a escola secundária, mas a abandonou um ano antes de formar-se. Apesar das propensões intelectuais e, inclusive, artísticas (o futuro co-fundador do socialismo dedicava-se à poesia na juventude) o pai insistiu que fosse trabalhar na expansão de seus negócios. Engels, concordando, passou os três anos seguintes (1838-41) em Bremen adquirindo experiência nos escritórios da empresa de exportação Leupold.

    Educação revolucionária

    Em Bremen, Engels trabalhava horas a fio trabalhava como aprendiz de comerciante. Ao mesmo tempo, freqüentava a sociedade burguesa: tornou-se um exímio nadador e praticava esgrima e equitação, participando regularmente da caça à raposa, esporte predileto da aristocracia britânica. Engels também cultivou a capacidade de aprender línguas, orgulhando-se de assinalar que conhecia 24 delas. Ao mesmo tempo cultivava um interesse em obras revolucionárias e socialistas, particularmente as dos membros da Jovem Alemanha, autores como Ludwig Börne, Karl Gutzkow e o poeta Heinrich Heine. Porém, logo os renegou, considerando-os inconseqüentes e adotando a filosofia dos Jovens Hegelianos, um grupo de intelectuais esquerdistas do qual fazia parte o teólogo e historiador Bruno Bauer e Max Stirner, considerado posteriormente um precursor do anarquismo. Eles  defendiam a dialética hegeliana – basicamente, o conceito de que o progresso racional e as mudanças históricas resultam do conflito de opostos, concluindo numa nova síntese. Os Jovens Hegelianos, a partir de uma interpretação revolucionária da dialética de Hegel, rejeitavam a interpretação oficial conservadora da doutrina hegeliana que, nas mãos da burocracia universitária e estatal, havia se transformado em uma ideologia de justificação e apologia da reacionária monarquia prussiana, sofrendo em função disso represálias no interior do mundo acadêmico prussiano. Seus ataques aos fundamentos do cristianismo, atraíram Engels,  um militante ateu, que seria a vida toda.

    Neste período, também dedicou-se ao jornalismo publicando artigos sob o pseudônimo de Friedrich Oswald. Engels possuía grande capacidade crítica e estilo claro, qualidades que seriam mais tarde muito valorizadas por Marx em seu trabalho comum e que transformariam seus textos nos mais populares materiais de educação socialista para a classe operária em todos os tempos.

    Após retornar a Barmen em 1841, alistou-se por um ano como voluntário num regimento de artilharia em Berlim. Nem mesmo uma predisposição antimilitarista o impediu de prestar com louvor o serviço militar como recruta. Mais tarde, teria uma expressiva participação nos combates da revolução de 1848 na Alemanha e os assuntos militares tornar-se-iam uma de suas especialidades, às quais Marx recorreria com freqüência como o demonstra a sua correspondência comum.

    Sua estadia na futura capital da Alemanha e maior centro comercial e intelectual daquela época entre os estados alemães, abriu caminho para a sua educação universitária assistindo ele como ouvinte a cursos na universidade. Seus artigos sob o pseudônimo de Friedrich Oswald lhe facilitou o ingresso no círculo dos Jovens Hegelianos, o antigo Clube de Doutores freqüentado por Karl Marx. Lá adquiriu fama de polemista agudo nos debates de filosofia, particularmente nos dirigidos contra a religião.

    Passagem para o comunismo

    Após concluído o serviço militar em 1842, Engels encontrou Moses Hess, o homem que o converteria ao comunismo. Hess, filho de judeus ricos e um promotor de causas e publicações radicais, descortinou a Engels que a conseqüência lógica da filosofia de Hegel e da dialética era o comunismo. Hess também enfatizou o papel que a Inglaterra, com suas indústrias modernas, seu proletariado industrial, e poderosos conflitos de classes, estava destinada a desempenhar num futuro próximo. Engels, ansioso em achar uma oportunidade para ir a Inglaterra, usou o artifício de continuar seu treinamento nos negócios da família em Manchester.

    Na Inglaterra (1842-44), Engels, mais uma vez, saiu-se bem no cargo que ocupava. Após o trabalho, porém, ele dedicava-se a seus verdadeiros interesses: escrever artigos sobre o comunismo, tanto para jornais da Inglaterra quanto do continente; ler livros e relatórios parlamentares sobre as condições econômicas e políticas vigentes na Inglaterra; relacionar-se com trabalhadores; reunir-se com líderes revolucionários e colher material para uma história da Inglaterra que confrontaria a pujança da indústria com a miserável condição dos trabalhadores.

    Em Manchester, Engels estabeleceu uma forte relação com Mary Burns, uma operária irlandesa e, embora rejeitasse a instituição do casamento, viveram como marido e esposa. Tanto é assim que uma séria tensão na amizade entre ele e Marx ocorreu justamente quando Mary veio a falecer em 1863 e Engels julgou que Marx recebera a notícia de sua morte com indiferença, o que resultou em um pedido de desculpas do amigo.

    Em 1844 Engels contribuiu com dois artigos para os Anais Franco-alemães, editado por Marx em Paris. Nesses artigos, Engels antecipa uma primeira versão dos princípios do socialismo científico no seu trabalho Esboço de uma crítica da economia política. Neste livro, que é um verdadeiro precursor das idéias que posteriormente seriam desenvolvidas por Marx e Engels e que, apesar de conter várias noções que posteriormente seriam ultrapassadas, mas que Marx, ainda em 1859 considerava como “genial”. Esta obra revela as contradições da doutrina da economia liberal, do mercantilismo até Malthus e volta-se para provar que o sistema existente baseado na propriedade privada conduzia a um agravamento da contradição entre capital e trabalho e da divisão da sociedade em classes. Assinala que as contradições do capitalismo conduziam inexoravelmente à revolução social e à eliminação da propriedade privada e a “uma reconciliação da humanidade com a natureza e consigo mesma”, ou seja, ao comunismo.

    Relação com Marx

    A caminho de Barmen, Engels foi a Paris para uma visita de dez dias a Marx, que já havia conhecido em Colônia. Essa visita resultou numa colaboração permanente que duraria até a morte de Marx. De volta a Barmen, Engels publicou A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (1845), livro de fundamental importância porque apontava pela primeira vez as relações entre a indústria e a luta de classe moderna, como o reconheceu o próprio Marx. Seu primeiro grande trabalho conjunto com Marx foi A Ideologia Alemã (1845), uma exposição do materialismo histórico que nunca publicaram em vida, mas que serviu para os autores esclarecerem para si mesmos os seus pontos de vista e que uma vez concluído o abandonaram “à crítica corrosiva dos ratos”, nas palavras de Marx e que acabou vindo à luz apenas em 1832, 15 anos após a revolução russa de 1917. Tratava-se de polêmica que denunciava e ridicularizava os Jovens Hegelianos e atacava vários socialistas alemães que se colocavam sobre uma base idealista, ou seja, um dos primeiros alicerces do materialismo histórico como base para o socialismo. Esta obra – um dos principais trabalhos do marxismo no terreno da crítica filosófica – seria o desenvolvimento do livro que ocasionaria a ruptura de ambos com o Jovens Hegelianos e todo o socialismo utópico e filantrópico, intitulado A Sagrada Família, Crítica da crítica crítica (1844) um outro demolidor ataque ao idealismo. Nestes trabalhos, nas palavras dos seus autores, trataram de colocar a dialética hegeliana de “pés para o alto” eliminando completamente a sua base idealista e substituindo-a pelo materialismo.Os pontos de vista apresentados nestas obras seriam plenamente desenvolvidos em outros mais sistemáticos e mais conhecidos tais como as famosas Teses sobre Feuerbach de Marx, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, O Anti-Dühring, A dialética da natureza, de Engels e no popularíssimo Do socialismo Utópico ao Científico, de Engels.

    Após reencontrar Marx em Bruxelas (1845), Engels endossa sua nova interpretação econômica, ou materialista, da história, que constituirá o fundamento de uma nova teoria socialista, que viria a ser conhecida como socialismo científico, em função das suas bases materialistas em oposição ao socialismo religioso, idealista e utópico que marcou toda a história pregressa do socialismo. Para os dois jovens revolucionários alemães e, a partir daí para todo movimento verdadeiramente socialista e proletário, “o comunismo não é um estado de coisas que ‘deve’ ser estabelecido, não é um ‘ideal’ em direção ao qual a realidade tem que se dirigir. Quando falamos de comunismo, nós queremos dizer o movimento real que extrai do presente estado de coisas um objetivo”.

    A Liga dos Justos e o Manifesto

    A colaboração entre Marx e Engels que se inicia está longe de ser apenas um projeto de formulação teórica. Os dois fundadores do comunismo moderno procuram, de imediato, um terreno prático onde materializar as concepções que estão elaborando, ou seja, a organização de um partido político da classe operária. Com esse intuito, vinculam-se a uma organização revolucionária secreta alemã socialista conhecida como a Liga dos Justos, nome que indica a influência da revolução francesa de 1789 e os movimentos revolucionários burgueses de então, mas vinculada à nascente classe operária alemã. No primeiro congresso da Liga realizado em Londres (junho de 1847), Engels advogou sua transformação em Liga Comunista.

    Marx e ele, juntos, convenceram o 2º Congresso Comunista em Londres a adotar suas posições. A Liga adota a divisa “Trabalhadores de todo o mundo uni-vos”, em substituição ao dístico idealista e burguês de “todos os homens são iguais” e um programa fundado na teoria da luta de classes Os dois foram indicados para elaborar um declaração política e de princípios do comunismo, que surgiria em 1848 como o Manifesto do Partido Comunista, cujas definições foram articuladas por Engels no seu Princípios do Comunismo (1847), mas cuja redação final coube fundamentalmente a Marx, que o transformou em uma verdadeira obra-prima literária, de forma alguma reduz o caráter de obra conjunta dos dois grandes revolucionários. O Manifesto é um dos mais impressionantes, senão o mais, documentos políticos de toda a história da humanidade. Em poucas páginas seus autores reduzem a pó os fundamentos idealistas da compreensão da história da humanidade, explicando com uma clareza que o transforma em grandiosa obra literária que “a história da humanidade até os nossos dias é a história da luta de classes”, descrevendo em parágrafos magistrais a evolução das classes e suas lutas, passando em seguida a uma análise até hoje não superada das características profundamente revolucionárias da sociedade industrial criada pelo capitalismo onde “tudo o que é sólido desmancha no ar”, evidenciando como o capitalismo transforma em cruas relações mercantis os fetiches morais, religiosos e políticos do passado. Após explicar a relação do comunismo e do movimento operário com extraordinária precisão e demolir em parágrafos extremamente contundentes as variantes de socialismo idealista o Manifesto prognostica a futura revolução proletária como resultado das revoluções de 1848 que estão para começar, terminando com a famosa e eletrizante conclusão: “os comunistas não se rebaixam a ocultar suas opiniões e os seus propósitos. Declaram abertamente que os seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam à idéia de uma revolução comunista! Nela, os proletários nada têm a perder a não ser os seus grilhões. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países uni-vos!”

    1848: a revolução permanente

    A revolução de 1848, surgida da contradição entre os fragmentários estados alemães mergulhados no atraso feudal e as necessidades do capitalismo emergente, ou seja, da predominância dos junkers, os grandes latifundiários, e da pequena aristocracia dos principados em que se fragmentava a nação alemã seria, como explicou León Trótski em seu 1905, o último estertor da revolução burguesa e o primeiro grito de nascimento da revolução proletária. A presença determinante da classe operária alemã na revolução burguesa comprovava a acuidade das análises do Manifesto escrito pelos dois jovens revolucionários. Marx e Engels acreditavam, porém, que a revolução era burguesa pelos seus objetivos e pelas suas possibilidades – conclusão esta que iriam retificar na notória Circular à Liga dos Comunistas -, daí que seu principal instrumento de luta política, o jornal A Nova Gazeta Renana fosse apresentado como um “órgão da democracia”, editado por Marx em Colônia com a colaboração de Engels.

    A Nova Gazeta Renana, jornal criado por Marx e Engels e dirigido por Marx, foi o principal meio de ação política concebido por ambos para a revolução, ao qual dedicaram todo os seus melhores esforços. Tal órgão partidário, foi de suma importância para seus propósitos; com ele puderam oferecer diariamente palavras-de-ordem e fazer agitação diante dos novos acontecimentos, aliado a uma crítica sólida dos governos, partidos, políticas e políticos. Seus textos, hoje antológicos, constituem verdadeiras obras primas do jornalismo revolucionário, oferecendo a base para as posteriores teorias de Lênin sobre a importância da luta política e da imprensa como instrumento fundamental da luta de classes.

    Após a derrota da revolução, vítima da covardia e da indecisão política da burguesia, por um lado, e da imaturidade política da classe operária por outro, Engels e Marx reuniram-se em Londres, onde reorganizaram a Liga Comunista e esboçaram diretrizes táticas para os comunistas acreditando que outra revolução se seguiria esquematizadas na famosa Circular do Comitê Central à Liga dos Comunistas de 1850, onde pela primeira vez é utilizada a expressão “revolução permanente”. As conclusões da revolução de 1848 estão nos artigos, organizados posteriormente em forma de livro Revolução e contra-revolução na Alemanha (1851-52). Este livro fundamental, assinado por Marx, por motivos econômicos (foram vendidos como reportagem ao jornal norte-americano New York Daily Tribune), foi durante muitos anos atribuído a ele, mas são de autoria exclusiva de Engels. Nele se encontra todo o fundamento daquilo que, posteriormente, viria a ser conhecido na história da revolução russa como a teoria da Revolução Permanente defendida por Trótski contra a prostituição stalinista do marxismo.

    Exílio

    A derrota da revolução de 1848 levou Marx e Engels a um exílio que duraria até o final das suas vidas. Este período será para Marx e sua família o de maiores privações em toda a sua vida acarretando, inclusive, a perda de quatro de seus filhos. Engels será um dos principais suportes do amigo em todos os terrenos. Em uma carta de 1855, após a morte de um dos filhos Marx escreve a Engels: “Já passei por muitas dificuldades, mas somente agora sei o que é uma infelicidade real. Sinto-me todo partido (…) O que sempre me agüentou é pensar em ti e na tua amizade e pensar que nós dois temos ainda para fazer nesta terra uma obra inteligente”.

    Para sustentar-se a si próprio e ajudar economicamente a Marx, facilitando assim o seus trabalho teórico revolucionário, Engels aceitou trabalhar como subordinado nos escritórios da Ermen & Engels em Manchester. Novamente foi bem-sucedido como homem de negócios. Conseqüentemente, ele poderia enviar dinheiro a Marx constantemente, muitas vezes em notas de cinco libras, porém mais tarde em cédulas de maior valor.

    No entanto, Engels considerava este trabalho como uma verdadeira escravidão. Em 1869 Engels vendeu sua parte na sociedade recebendo o suficiente para viver confortavelmente até a sua morte em 1895 e prover Marx com um montante anual de 350 libras, com a promessa de um extra como forma de cobrir alguma eventualidade. Em 1° de julho deste ano escreve ao amigo  em uma carta: “Hurra! Hoje acabei com o doux commerce e sou um homem livre.”

    Após a revolução de 1848 e o fracasso das tentativas revolucionárias posteriores a Europa é tomada pela reação em todos os lugares, com os revolucionários sendo colocados na cadeia aos milhares e Marx e Engels dedicar-se-ão a desenvolver a formulação teórica do socialismo científico, cujo maior resultado será justamente O Capital. A este período corresponde também uma intensa atividade jornalística, ditada em certa medida por necessidades econômicas, mas cujo resultado será os principais escritos políticos de ambos: As lutas de classes em França (1872) e o 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852); Guerras Camponesas na Alemanha (1850), Revolução e contra-revolução na Alemanha (1851), A questão militar na Prússia e o Partido Operário Alemão (1865), e A questão da habitação (1873) de Engels, além de uma infinidade de artigos menores. Durante o período em que Engels viveu em Manchester (1851 a 1869) os dois colaboradores trocaram mais de mil cartas em uma correspondência com importantes formulações esclarecedoras dos problemas que procuravam resolver em comum. Estas cartas são, conforme enfatizou Lênin, uma parte fundamental da obra política e teórica de ambos.

    Engels, forçado a viver em Manchester, mantinha sua colaboração com Marx através da correspondência. Na divisão do trabalho que os dois fundadores do socialismo científico estabeleceram, Engels era o especialista nas questões de nacionalidades, militares, abrangendo ainda assuntos internacionais e até questões de ciências. Marx sempre recorria a ele para esclarecer questões econômicas, principalmente no que dizia respeito à práticas comerciais e industriais. Este aspecto será decisivo na elaboração do seu opus magnus, O Capital, com o qual sua colaboração foi muito superior à que normalmente se apresenta, envolvendo sugestões sobre a organização do trabalho, leituras e críticas francas sobre as falhas do trabalho que se ia elaborando. Em 1870, Engels transferirá seu domicílio para Londres, estreitando, desta forma, a colaboração entre ambos.

    Em 1863, Mary Burns, companheira de Engels de vários anos, vem a falecer. Um ano depois passará a viver com sua irmã Lizzy até a sua morte, em 1878.

    A I Internacional e a Comuna de Paris

    Em 1864 será fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores, conhecida posteriormente como a I Internacional. Marx e Engels participarão da criação da nova organização, onde procurarão levar adiante um trabalho de estruturação do movimento operário internacional o qual, após a derrota da vaga revolucionária na Europa após 1848 adquire um novo impulso através da guerra da secessão norte-americana e das lutas econômicas em alguns países como a Inglaterra. A AIT representa, na concepção de Marx e Engels, um esforço para unir todas as tendências do movimento operário em um período de reação política Esta retomada do movimento operário culminará em 1879 com a extraordinária experiência revolucionária da Comuna de Paris a qual será, ao mesmo tempo, uma culminação e o princípio do fim da Internacional. Ao mesmo tempo, Marx e Engels dedicam boa parte das suas energias ao combate às variantes socialistas pequeno-burgueses que buscam adquirir influência determinante sobre a AIT como as tendências anarquistas de Proudhon e Bakunin. Este trabalho, que consumirá boa parte das energias de ambos e contará com o empenho pessoal direto de Marx na condução dos assuntos da internacional, será de decisiva importância para afirmar a predominância posterior do marxismo na Europa através da II Internacional superando os preconceitos lassalianos, bakuninistas e anarquistas como teoria da luta de classes do proletariado mais avançado do mundo.

    Em 19 de julho de 1870 estoura a guerra franco-prussiana que levará ao colapso do Segundo Império, de Luís Bonaparte, na França e à primeira revolução proletária conhecida como a Comuna de Paris. Marx e Engels acompanharam de perto o desenvolvimento da guerra, particularmente o segundo com a redação de inúmeros escritos militares. Os dois opunham-se à uma insurreição – que analisavam que estava para ocorrer na França – porque a acreditavam prematura e fadada ao fracasso, isso, no entanto, não impede que Marx se transforme no maior defensor da luta dos operários de Paris contra a imensa campanha de calúnias internacional contra os derrotados.

    A derrota da Comuna conduz ao esgotamento da Internacional a qual será dissolvida em 1876. Após 1870, Engels vem realizar um amplo trabalho de organização no seu interior e conduzi-la ao seu final. Em 1872, Marx e Engels escrevem em nome do Conselho Geral da AIT, o texto As pretensas cisões da Internacional onde combatem os inimigos da Internacional e seus adversários no interior dela.

    Últimos anos com Marx

    Após a derrota da Comuna – analisada por Marx em As lutas de classes na França – os dois caracterizam que as tendências contra-revolucionárias tomam conta da Europa e que o que corresponde à situação é o trabalho teórico que servirá como alicerce às lutas futuras do movimento operário e a organização de sólidos partidos operários em cada país como base para a futura reconstrução da Internacional. Neste sentido, Marx irá se dedicar de corpo e alma para terminar O Capital, tarefa que, infelizmente, não conseguirá realizar, cabendo a Engels concluí-la.

    Ao mesmo tempo coube a Engels desenvolver os demais aspectos da teoria que ambos haviam construído, preenchendo na medida do possível as lacunas deixadas e defendendo as idéias comuns dos sistemáticos ataques dos seus inimigos. Neste sentido, Engels, praticamente sozinho, escreveu o Anti-Dühring (O Sr. Duhring revoluciona a ciência,1878), livro que, provavelmente, mais promoveu o pensamento marxista, destruindo a influência de Karl Eugen Dühring, um professor de Berlim, representante do chamado “socialismo de cátedra”, que pretendia suplantar a influência de Marx entre os social-democratas alemães, escreveu Do socialismo Utópico ao Socialismo Científico (1880), um resumo que popularizava aspectos do livro anterior, e Dialética da Natureza (1883), que deixou sem terminar e não foi publicado em vida.

    No terreno prático, dedicam-se ambos às discussões, à correspondência e às críticas com os elementos e partidos revolucionários de diferentes países para a recomposição do movimento socialista na Europa. Na Alemanha acompanham a unificação dos seus partidários com os lassalianos com vistas a construir um partido operário, discussão retratada no texto de Marx, Críticas ao programa de Gotha. Estabelecem discussões com os revolucionários populistas russos nas quais procuram estabelecer as peculiaridades da evolução social daquele país ao qual consideram que não se aplicam as fórmulas de O Capital. Deste trabalho fundamental de organização vão surgir os partidos social-democratas na Alemanha, na França, na Itália, Bélgica e outros países.

    A II Internacional

    Após a morte de Marx (1883), Engels tornou-se a mais importante autoridade do movimento operário socialista internacional e testamenteiro da herança teórica de Marx da qual havia sido, na realidade, em grande medida, co-realizador. Escreveu sobre diversos assuntos e redigiu introduções, as quais em si mesmas são uma importante contribuição criadora ao marxismo, a novas edições dos trabalhos de Marx. Engels realizou ainda a tarefa, para a qual era insubstituível de completar o segundo e terceiro volumes de O Capital (1885 e 1894), baseando-se nos manuscritos incompletos e rascunhos escritos na “famosa letra de Marx”, na definição do próprio Engels, apesar da sua saúde. Não pôde porém completar a publicação do quarto volume, que estava apenas em esboço. Este último volume será publicado por Karl Kautsky em 1905 sob o título de Teorias sobre a mais-valia.

    Além da elaboração teórica, dará continuidade ao trabalho político que, juntamente com Marx havia desenvolvido. Neste período, acompanhava sete jornais diários e 22 semanários em mais de 10 línguas. O resultado será a fundação da II Internacional em 1889, onde os marxistas predominarão sobre os anarquistas. Neste momento, Engels será a maior autoridade político do movimento operário. No entanto, fará questão, como no próprio discurso no I Congresso da nova internacional de se colocar apenas como um colaborador de Marx, a quem atribuiu, com enorme modéstia, a quase totalidade do papel criador nesta admirável associação intelectual e política.

    Pouco antes de morrer foi acometido de câncer, o que o impossibilitou de prosseguir com o seu trabalho. Morreu em 5 de agosto de 1895, em Londres, aos 75 anos de idade.

    Em um artigo escrito a respeito da morte do companheiro de Marx e co-fundador do socialismo moderno, Lênin, maior revolucionário do século XX, escreveu:

    “A seguir do seu amigo Karl Marx (que morreu em 1883), Engels foi o mais notável sábio e mestre o proletariado contemporâneo em todo o mundo civilizado. Desde o dia em que o destino juntou Karl Marx a Friedrich engels, a obra a que os dois amigos consagraram toda a sua vida converteu-se numa obra comum. (…) Marx e engels foram os primeiros a demonstrar que a classe operária e suas reivindicações são um produto necessário do regime econômico atual, que, juntamente com a burguesia, cria e organiza inevitavelmente o proletariado; demonstraram que não são as tentativas bem intencionadas dos homens de coração generoso que libertarão a humanidade dos males que hoje a esmagam, mas a luta de classe do proletariado organizado. Marx e Engels foram os primeiros a explicar, nas suas obras científicas, que o socialismo não é uma invenção de sonhadores mas o objetivo final e o resultado necessário do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade atual. Toda a história escrita até os nossos dias é a histórias da luta de classes, a sucessão no domínio e nas vitórias de uma das classes sociais sobre as outras. E estado de coisas continuará enquanto não tiverem desaparecido as bases da luta de classes e do domínio de classe: a propriedade privada e a produção social anárquica. Os interesses do proletariado exigem a destruição destas bases, contra as quais deve, pois, ser orientada a luta de classe consciente dos operários organizados. E toda a luta de classe é uma luta política”.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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