Generais se limitaram a copiar estratégias pós 1964, para depois do golpe de 2022
'Como explicar os plágios descarados que cometeram em seus planos para após a tomada de poder?', questiona a jornalista Denise Assis
Generais e oficiais envolvidos no golpe de 2022, não bastassem ser violentos e despóticos – tramaram o assassinato do presidente eleito, o seu vice e de um ministro do Supremo Tribunal Federal -, são analógicos, ultrapassados, e pouco criativos. Do contrário, como explicar os plágios descarados que cometeram em seus planos para após a tomada de poder?
Tão logo vi a minuta elaborada como novidade, (localizada na casa do ex-ministro Anderson Torres), em que projetavam uma “junta militar” para “garantir a ordem”, denunciei que eles apenas reformataram a junta criada pelo general Costa e Silva, imediatamente após o golpe de 1964, no dia 2 de abril, que reunia, além dele, como representante do Exército, o comandante da Marinha, Augusto Rademaker e o da Aeronáutica, Francisco de Assis Correia de Melo.
Agora, veio a público, conforme foi noticiado na Revista Fórum, em pesquisa no relatório divulgado pela Polícia Federal, o plano de instalação de um “campo de concentração”, aos moldes de Auschwitz, onde seriam confinados os discordantes da ditadura estabelecida por eles.
De acordo com a Fórum, “há um trecho do relatório da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe de Estado que é estarrecedor. Nele, um grupo criado por Mauro Cid, então ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, intitulado "Dosssss!!!", formado por oficiais que fizeram o curso das Forças Especiais, os chamados “Kids Pretos”, discute a criação de um campo de prisioneiros”, denuncia a revista.
“Na conversa, um major perguntou se alguém estava se planejando um “CPG sem aparelhos”. A sigla, segundo explicação da PF, significa “campo de prisioneiros de guerra”. O tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, então, responde “Auschwitz”, em alusão à rede de campos de concentração da Alemanha nazista”.
Ainda conforme as pesquisas da Fórum, a conversa aconteceu no dia 19 de novembro de 2022. O militar que fez a pergunta não está entre os 37 indiciados pela polícia. Auschwitz, como se sabe, é o terrível campo de concentração onde os alemães eliminaram um milhão de pessoas, em sua maioria judeus, durante a Segunda Guerra Mundial.
Também nisto os golpistas copiaram a ditadura que se seguiu ao golpe de 1964. Em 2015, publiquei na “Revista Brasileiros” (que já encerrou suas atividades), reportagem em que denunciava a existência de um campo de prisioneiros, nos moldes dos campos de concentração, em Pernambuco. A “excentricidade” funcionou nas dependências do 4º Batalhão da Polícia do Exército, como reproduzo a seguir:
Militares usaram humor para nomear unidade prisional na ditadura
Documentos oficiais depositados no Arquivo Público do Estado de Pernambuco revelam o que as Forças Armadas teimam em negar. Unidades militares foram adaptadas, na época da ditadura -1964/1985 -, para abrigar presos políticos e centros de tortura. No caso específico dos documentos encontrados, a unidade, localizada no município de Olinda, instalada no 1/3º GACOM, “em frente ao terminal do Bairro Novo”, recebeu o nome de “Colônia de Férias”. Seria risível, se não fosse trágico.
Os que pedem a volta dos militares ao comando do país, na certa desconhecem os abusos cometidos no período. Um deles, o de permitir que essas unidades adotassem estatutos próprios. Só para se ter uma ideia, já no dia 29 de abril de 1964, imediatamente após o golpe, portanto, o major do Exército, Walter Moreira Lima, ao que tudo indica escolhido para dirigir o novo “estabelecimento”, fez publicar em papel timbrado da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Pernambuco, um “Regulamento”, contendo 12 itens, que deveriam nortear o cotidiano da “Colônia de Férias de Olinda”.
O estatuto determinava, dentre outras regras, que as visitas só seriam permitidas “mediante autorização por escrito do Exmo. Secretário de Segurança Pública”. Proibia a entrada de livros, jornais, ou correspondência, a menos que o portador estivesse autorizado por escrito, também pelo secretário, o mesmo acontecendo com remédios, cigarros ou outros objetos. Estavam proibidas as brincadeiras de qualquer natureza. A faxina “dos alojamentos e sanitários” estaria a cargo dos detentos, “mediante escala do encarregado da prisão”, e deveria ser feita duas vezes ao dia. Note-se que eles próprios davam ao lugar o nome de “prisão”.
O regulamento proibia, ainda, conversas com pessoas de fora, mesmo sendo da guarda. Estranhos só seriam tolerados “na presença da força”, e a conversa do visitante seria ouvida pelo guarda.
Cumprindo o estabelecido, foi dada à senhora D. Marieta José de Souza, esposa de José Francisco de Souza, “preso político”, (a denominação é deles) o direito de visitá-lo “todas as quintas-feiras”. A licença foi concedida em meia folha de papel, encimada pelo timbre da Secretaria, e concluída com o nome datilografado do tenente-coronel Ivan Ruy Andrade de Oliveira, secretário de Segurança Pública do Estado de Pernambuco. Quem assina, em forma de garrancho, o papelucho, é um fulano de nome Juarez, que não se preocupou em deixar o sobrenome.
A área indicada em uma anotação encontrada na pasta que revela a existência da “Colônia de Férias de Olinda”, é a mesma onde antes funcionou o 4º BPE (Batalhão da Polícia do Exército) de Olinda, próxima à Vila Militar, e onde hoje existe um hipermercado. Há planos de que o espaço seja transformado em um shopping e, até mesmo, seja requisitada pelo MEC, para que ali se erga uma unidade de um CEFET. Qualquer destino dado à área será melhor do que o que lhe foi destinado no passado.
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