TV 247 logo
    Denise Assis avatar

    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

    768 artigos

    HOME > blog

    General Ridauto Lúcio Fernandes, alvo da Operação Lesa Pátria era um kid preto, com tática de guerra irregular

    'O militar não terá como negar a sua participação nos atos golpistas', destaca a colunista Denise Assis

    Ridauto Lúcio Fernandes (Foto: Reprodução)

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    O general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, que integrou grupo de elite do Exército, os chamados 'kids pretos', ou “pelopes”, como costumam se referir entre eles, é suspeito de ter usado os gradis como escada de acesso aos andares mais altos dos três prédios depredados em Brasília. As câmeras flagraram vários oficiais com seus habituais uniformes pretos – daí a denominação – e boinas da mesma cor.

    Todos os integrantes do governo de Bolsonaro pertenciam a essa Força, que domina técnicas de guerrilha, as “guerras irregulares”. Até mesmo o general Eduardo Pazuello, o responsável por guinda para o governo o coronel Elcio franco – pivô do escândalo das vacinas – na função de secretário executivo do Ministério da Saúde, e o próprio Ridauto, a quem designou o almoxarifado, responsável pela compra de insumos e equipamento, tais como os aspiradores, indispensáveis durante a pandemia.

    O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, da reserva, foi alvo nesta manhã de 29/09, de um mandado de busca e apreensão da Polícia Federal. Os investigadores deflagraram a 18a fase da Operação “Lesa Pátria” para detê-lo e para que fosse ouvido por sua participação nos atos terroristas de 8 de janeiro. As informações eram de que Ridauto Fernandes abriu caminho para a turba de terroristas que penetraram no Planalto e no teto dos dois poderes: Câmara e Senado, amarrando os gradis que tiraram das mãos da PM e transformando-os em escadas que agilmente foram escalados pelos ágeis e bem treinados oficiais. O general não terá como negar a sua participação, pois gravou vídeos diretamente do local, afirmando que pelo seu país estaria disposto a matar e morrer e comemorando o fato de estar participando da “festa da Selma”.

    Consta que foi ele quem providenciou as balaclavas – toucas ninjas – para os da linha de frente e luvas próprias para que se consiga segurar as granadas “bailarinas”, que fervem e quicam, (de uso exclusivo dessa força), o que impede que sejam arremessadas de volta sobre a polícia, como acontecem com as comuns, se agarradas rapidamente. De acordo com o noticiário, no inquérito policial, existem vários depoimentos de vândalos presos relatando a ação de indivíduos de balaclava e luvas ajudando e incentivando os demais a entrarem no Congresso Nacional.

    Os investigadores dos atos de 8 de janeiro tem chamado o grupo dos Kids de “invisíveis” e suspeitam do envolvimento do general da reserva com este grupo, que abre acessos especiais para a invasão do Congresso. Outra informação importante é a de que as “bailarinas” estavam escondidas no gramado da Praça dos Três Poderes e os kids só tiveram acesso a elas graças à ordem do governo do DF de abrir o acesso à Praça dos Três Poderes.

    Os agentes cumpriram um mandado de busca e apreensão na casa do general da reserva, na Asa Sul, bairro nobre de Brasília. Durante a ação, os policiais federais apreenderam um celular, arma e o passaporte do general, que serviu pelo Exército, em missões especiais nos EUA e fala vários idiomas. O general não reagiu, embora parecesse assustado. Em seguida, foi levado a prestar depoimento.

    Por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), Ridauto teve determinado o bloqueio de ativos e valores, por estar sendo considerado executor e possivelmente um dos idealizadores dos atos golpistas. O general foi para o cargo em julho de 2021 e exonerado no dia 31 de dezembro, último dia do governo de Jair Bolsonaro (PL) e atua como professor do Instituto Sagres de Política e Gestão Estratégica Aplicadas. Os "kids pretos" passam por formação no Comando de Operações Especiais em Goiânia, em Goiás, ou na 3ª Companhia de Forças Especiais, em Manaus, no Amazonas. A Companhia de Goiás foi para onde Mauro Cid foi designado pelo Alto Comando, assim que deixasse o governo. Ridauto Fernandes era seu amigo e o visitou no Batalhão de Polícia do Exército, enquanto Cid esteve ali, preso. As Forças Especiais recebem treinamento para situações que envolvam sabotagem, operações de inteligência, planejamento de fugas e evasões.

    Ridauto Lúcio Fernandes ingressou no Exército em 1981, na Escola Preparatória de Cadetes de Campinas, sua cidade. É formado pela AMAN, na turma de 1987, é da Arma de Infantaria e o primeiro colocado da turma de Infantaria.

    Como se chega ao generalato

    Existem generais no Alto Comando de todas as Armas, pois todas as sete armas do Exército podem chegar ao generalato e ao Alto Comando, exceto a de Intendência que chega no máximo até general de Divisão. E esse é o caso do general Eduardo Pazuello.

    É muito raro que generais de materiais bélicos e Comunicações - outras duas armas -, cheguem ao Alto Comando. Geralmente os que chegam são os de Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia, as quatro Armas com os maiores efetivos da Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN). Até por uma questão de distribuição proporcional de cotas de oficiais, são essas as armas que chegam ao Alto Comando.

    A Arma é escolha do militar e uma vez feita, ao ingressar na AMAN, não tem mais volta. O que pode é o oficial ao longo da carreira fazer algumas especializações, como o curso de Paraquedismo, de Forças Especiais, Comunicações, Artilharia de Costa, Antiaérea, a depender de suas especialidades. O conjunto de armas formadas na AMAN são sete: Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Comunicações, Material Bélico, Engenharia e Intendência. Como a Infantaria tem o maior número de oficiais, é de suas fileiras que sai o maior número de generais também.

    Cada turma de AMAN, em média, faz entre 21 e 25 generais de brigada. Depois de três anos como general de brigada, que é o duas estrelas, cerca de 10 desses 25 saem general de Divisão, que é o general três estrelas. Depois de três anos como general de Divisão, daqueles 10, quatro saem general, quatro do Exército. Dessa forma, a carreira de general pode chegar até 9 anos. Ao chegar a general de Exército ele fica mais três anos no posto e mais três como general de Brigada, dá 9 anos no posto de general.

    O Brasil tem hoje em torno de 150 generais, entre os de Brigada e de Exército. É a elite hierárquica da carreira. Quando ele vai para a reserva ele leva o grau hierárquico. O que ele não pode na reserva é usar a sua designação hierárquica em algumas situações. Entre elas em atuação político partidária. Essa prática, porém, foi totalmente esquecida no período de Bolsonaro no poder.

    Ridauto chegou lá

    Ridauto chegou ao generalato a bordo do título de aluno 01. O primeiro colocado da Arma de Infantaria. Foi promovido a general de Brigada no ano de 2017, no dia 31 de março daquele ano. Como general de Brigada e foi comandar a Brigada de Natal, no RN. Ali ficou até 2018, quando por razões pessoais pediu para ir para a reserva. Cerca de um ano depois que ascendeu ao generalato, primeiro da turma. Ninguém entendeu.

    Ao ir para a reserva, pelo que se sabe, assumiu uma coordenação no Instituto Sagres, uma organização privada, de militares da reserva, de ultradireita, que produziu o projeto “Brasil Nação para 2035”, lançado com pompa e circunstância, numa cerimônia ao modelo dos anos de 1960, com direito a bandas marciais e salamaleques ao general Villas Boas, o seu patrono.

    O nome dele consta no documento como um dos consultores. Para se ter uma ideia, o projeto defendia a privação do SUS, a adoção das universidades pagas, o apoio ao garimpo e outras terraplanices. Ele ainda atua como um dos conselheiros do Instituto Sagres e o projeto, por sinal, foi lançado com a chancela do Instituto General Villas Boas, na Poupex, a caixa de previdência e crédito imobiliário voltada para os militares. Diga-se de passagem, um “cabidão”, onde estão pendurados em cargos de confiança vários parentes dos generais que serviram ao governo anterior.

    O evento aconteceu em 19 de maio, no setor militar de Brasília. Intitulado Projeto de Nação: o Brasil de 2035, o documento foi elaborado por integrantes do Instituto General Villas Bôas, Instituto Sagres e Instituto Federalista, sob a coordenação do general Luiz Eduardo Rocha Paiva. O evento foi noticiado pelos sites oficiais da Defesa e do Executivo.

    De acordo com os autores, o propósito da iniciativa era “estabelecer uma estratégia nacional de longo prazo que seja apartidária e isenta de radicalismos ideológicos, étnicos, religiosos, identitários ou de qualquer natureza”. Imaginem se assim não fosse. Toda a estrutura do projeto, porém, descamba para uma visão autoritária do poder e da sociedade. Com aproximadamente cem páginas, o documento desenha um aparato de estrutura político-estratégica que burla a Constituição de 1988 e implica riscos ao sistema democrático vigente no país.

    A saída dele para a reserva, em 2018, ao que consta foi por motivos pessoais, depois de apenas um ano de generalato, abdicando de outros quase sete anos e foi trabalhar na iniciativa privada. Lembrando que 2018 foi a campanha de Bolsonaro. Ele e outros colegas coronéis, ou já generais da reserva, integraram a campanha.

    Em 2020, quando o Ministério da Saúde foi militarizado pelo general Eduardo Pazuello, e em 15 de maio de 2020 Nelson Teich pediu demissão do Ministério da Saúde, Pazuello assumiu a interinidade por dois meses. Nesse período, recheou a pasta com diversos militares das Forças Especiais –e o Ridauto, que é Força Especial, um kid preto -, foi trabalhar na Saúde.

    Os oficiais mais destacados (tanto da ativa quanto da reserva) foram aproveitados ali, como o secretário Executivo, o coronel Élcio Franco, pivô do escândalo das vacinas, também das Forças Especiais da turma de 1986, da AMAN.

    Operações Especiais são também conhecidos como: “pelopes” e incumbidos de missões estratégicas, ordenadas pelo comando do Exército Brasileiro, em condições de grande risco que exigem diversas qualidades dos seus participantes.: espírito de sacrifício, adaptação, forte e constante vontade, rusticidade e resistência, sobriedade e discrição, camaradagem e coesão, são alguns dos atributos que os envolvidos devem ter. Essas operações exigem também os melhores e mais atualizados equipamentos disponíveis para as tropas, sendo empregados por meio dos snipers (atiradores de elite), paraquedistas, comandos, dentre outros.

    Para entender como funcionam as promoções e escolhas na carreira militar, uma turma de AMAN tem em torno de 400 oficiais. Na Infantaria são cento e poucos, dos 400 infantes (aspirantes), artilharia uns 70, cavalaria uns 60, e o restante distribuído pelas outras opções. Como dito acima, dos 400 de cada turma, apenas quatro saem generais de Exército, para compor o Alto Comando. Cerca de 25 chegam a coronel em promoção nas 25 vagas e o Alto Comando escolhe quem quer, para ser general do Exército, independente da ordem ou idade. Uma disputa ferrenha.

    Não se pode esquecer que o general Pazuello chegou ao ministério da Saúde na condição de oficial da ativa, autorizado pelo comando para ser ministro da Saúde. O secretário executivo que era o coronel Elcio Franco. O general Ridauto foi ser o chefe do Departamento Logístico, responsável pela aquisição, armazenagem e distribuição dos insumos, além da compra de vacinas e equipamentos. Consta que ele chegou também a trabalhar para uma empresa de vendas de aspiradores, e outros componentes. Ficou no Delog da Saúde até o final do governo, em 31 de dezembro. Antes de sua ida para a reserva um ano após a promoção, chegou a conciliar o cargo Instituto Sagres com as suas atividades na ativa. Não é ilegal, mas é imoral, porque as atividades tinham manifestação política e ideológica pública. Nesse período, participava ativamente do Twitter, incentivando pessoas a irem para a frente dos quartéis e participou do 8 de janeiro. Para as pessoas que imaginavam participar de um golpe militar, a presença de um general das Forças Especiais entre eles passava quase a certeza de que esse estava por vir.

    Sua fama é a de um oficial competente, primeiro de turma, mas politicamente um ultradireita. “O Ridauto é um representante do que pensa uma geração, em termos políticos, que se pode chamar de “filhotes da ditadura”, definiu um colega de turma.

    Segundo esse colega, a geração formada nos anos de 1970 “foi a que foi para o governo. Heleno, Mourão, Braga Netto, todo mundo”. O efeito – alguns estavam ainda na ativa – foi o exemplo, levando em conta que é o Alto Comando que escolhe os generais para subirem nas estrelas”. Daí se pode ter uma ideia do efeito que essa geração de oficiais que formou essas turmas, tiveram sobre a geração dos anos de 1980. Quando essa turma que foi para o governo se formou na AMAN, eles eram cadetes no AI-5. (De 1968 a 1978). Um general Braga Netto, por exemplo, saiu da AMAN em 1978, que é o ano do fim do AI-5. Para ele sair em 1978, significa que ele entrou lá no auge da repressão, em 1972 ou 1973.

    Quem os ensinava? Eram os capitães e majores que trabalhavam na repressão, nos DOI-CODIS da vida. O que os cadetes olhavam para cima, onde eles viam os generais dos anos de 1970? No poder. Governando o Brasil, sob a forma de ditadura e chefiando estatais. Quando essa geração que se formou nos anos de 1970, começou a chegar ao generalato nos anos de 2000, e nos anos de 2010, ao Alto Comando, partiram para a ação de natureza política, ainda como oficiais na ativa. Foram para a publicação dos tuítes, como foi o caso de Villas Boas, e como foi o lançamento da candidatura na AMAN, em 2014, quando lá era chefe o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva.

    As condições dadas nessa formação fizeram tanto a geração de 1970 como as de jovens oficiais dos anos de 1980 ter a certeza de que um governo de Bolsonaro seria o governo da geração de 1970. Era a oportunidade de chegarem ao poder pela “democracia”. Hoje estamos vivenciando o reflexo de tudo isto.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: