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    Pedro Cláudio Cunca Bocayuva

    Professor do PPDH do NEPP-DH/UFRJ

    31 artigos

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    Golpismo bolsonarista e arquitetura da destruição

    (Foto: Reuters/Ueslei Marcelino)

    O que podem contribuir a arquitetura, o urbanismo, o planejamento e o desenho urbano  na construção do bem viver, da democracia, por via da "solidariedade tecnológica" para derrotar a barbárie bolsonarista?

    Os eventos em Brasília de invasão do palácio e prédios dos poderes da República vistos sob o ângulo das disciplinas espaciais são o desdobramento lógico da morbidez de que alimentou o genocídio racista, o desgoverno, a destruição ambiental e a fome que tem efeitos devastadores sobre a vida das cidades brasileiras. Os traumas e os desastres se somam na catástrofe gerada pelo bolsonarismo que é estimulada pela inversão de valores com a destruição material e imaterial do público, do comum e dos laços comunitários e familiares que assistimos nas cenas do espetáculo do apelo ao golpe, a ditadura sob a forma de um banho de sangue. O nome disso tudo, quando lido no recorte espacial monta o quadro clássico da chamada "arquitetura da destruição". O que se retroalimenta com o manejo da mentira, do medo e da razão cínica, que servem ao autoritarismo e a uma lógica de fascistização com a rebelião das milícias, e a mobilização dos sicários com o reforço da pulsão de destruição. A idéia de inimigo, contra toda diferença e diversidade social é chave nesta guerra suja do golpismo. 

    A ação extremista vem sendo construída com o reforço manipulador robotizado, no modo de produção do “fake” pela bolha, via algoritmos visando  a destruição da noção de cultura, a negação do valor da educação, consequência dos discursos contra a dignidade humana comum e diversa. A cruzada da extrema direita acaba cada vez mais delirante e terrorista, agora atinge valores simbólicos elementares, visando destruir o pouco de Estado Democrático de Direitos que alcançamos, conforme o seu caráter projetual de programa inscrito na Constituição de 1988.

    A psicologia de massas que mobiliza as hordas fascistizadas se utiliza dos aparatos empresariais, militares, religiosos e associativos que vivem no centro ou na base do clientelismo que se alimenta das funções e serviços privatizados de violência, da desigualdade e do medo. A face miliciana e o subversivismo de extrema direita repetem de maneira trágica as receitas de Mussolini com a conivência de forças do Estado. O fato é que a crise orgânica se abre quando a institucionalidade democrática se torna sensível ao social,  ao popular e aos direitos. Neste momento frações do bloco dominante partem para a ruptura com a liberal-democracia através  do neoliberalismo e da militarização. Neste quadro o fascismo social se revela sem máscara. O golpe se organiza em clubes de tiro, igrejas, quartéis e fazendas que são palcos de doutrinação que ganha força no espaço da comunicação e da política. 

    A sedução da barbárie é atrativa para grupos sensíveis ao discurso da violência. Existe sempre uma racionalização para que parte das elites possa viver em dissonância cognitiva, cega e surda diante da visibilidade das consequências desastrosas na miséria da  cena publica. O que explica que até médicos se aproximassem do negacionismo contra as vacinas e as medidas de distanciamento, fora a adesão a valores individualistas-possessivos.   A política pelo alto das oligarquias se torna uma ação terrorista através da mobilização do exército dos recalcados, manejando o narcisismos das pequenas causas. Crueldade, destruição e rapina tem  seu registro nos números do desastre de  Temer-Bolsonaro.

     A busca de encobrir a verdade perde sentido, não existe "segredo “na intenção de forçar a ditadura aberta como vemos na ação cada vez mais reveladora dos efeitos do golpismo bolsonarista. Tentam gerar bloqueios, buscam forçar as FFAA ao golpe gerando cenas e espetáculos com uso da força para gerar caos e medo. Nada disso encobre o fracasso eleitoral, jurídico, econômico  social, moral e sanitário que leva o ex-presidente para sua fuga com  a busca da chantagem  e jogo para impedir o funcionamento da justiça. 

    O alivio inicial com a posse e as festas de fim de ano deram uma trégua curta. As feridas estão abertas, o  crime do terror continua na base do projeto de destruição golpista, que busca no apelo a guerra civil promover um banho de sangue. Mais do que as medidas de barragem do golpe será a direção das políticas nos primeiros cem dias que permitirá medir, na vida das cidades, as vantagens da democracia como economia e politica a partir do calculo do acesso ao "habitat" seguro. Como mudar o eixo da noção de segurança com efeitos sobre o cotidiano e a vida nas cidades, um novo horizonte de ampliação da democracia pela centralidade das favelas e periferias, na cidade antirracista? 

    Nas lutas por moradia existe um programa que deriva da longa duração, da autoresolução do modo de morar. Pois existe um povo com braço forte que constrói molecularmente suas lutas e sua morada, que luta por uma bela alvorada da Democracia e dos direitos humanos com a busca de soluções alternativas. . As ações individuais e coletivas horizontais e construtivas autônomas, com os limites dos meios escassos, apresentam resultados interessantes para a reforma urbana e o direito à cidade.  Por isso, contra o golpismo precisamos de uma arquitetura do diálogo e da cooperação saudável, socialmente produtiva e sustentável. Um novo urbanismo contra a arquitetura da destruição, dos cemitérios, das valas comuns, dos porões da tortura, do encarceramento em massa e  da crueldade, do trauma continuado da catástrofe do capitalismo da rapina.  

    O projeto deve ser orientado pelo urbanismo crítico que leve em conta os esforços da luta pela moradia popular e dos impulsos para: o saneamento ambiental, as politicas sociais e todas as infraestruturas de energia, comunicação, saúde, educação, mobilidade, cultura, esporte e lazer. O que no conjunto depende de um  novo planejamento que redirecione a economia numa perspectiva capaz de projetar um horizonte de longa duração, com capacidade de resistir ao processo de financeirização, da guerra, da precarização e da devastação e rapina social, ambiental e criminal. A dimensão sanitária e epidemiológica urgente exige um refinamento e adoção de uma articulação entre direitos humanos e saúde,  através de medidas urgentes de saúde publica/coletiva, globalmente.  O que implica combinar as opções de governo na relação entre atenção básica, vigilância sanitária, vacinação, alimentação e protocolos que exigem o uso de tecnologias de comunicação e acesso a água potável.

    Para isso, a arquitetura urbana critica rompe com a guerra colonial interna e com o capitalismo selvagem.  Para isso é preciso partirmos dos patrimônios construídos histórico/populares e relermos, reformarmos, reciclarmos, recombinarmos, inovarmos as cidades. O que se viabiliza sempre pela construção que se organiza  aproveitando as ruinas, preservando a memória, aprendendo e trocando saberes, experimentando com base na solidariedade tecnológica e contando com os processos da democracia participativa. 

    Derrotar o negacionismo, a necropolítica e a arquitetura da destruição é uma tarefa monumental, ecológica, urbanística e ética. O "partido arquitetônico-urbanístico" aqui proposto, segue sentidos projetuais abertos que ligam as muitas escalas  territoriais e a nossas diversidade, desde a centralidade e a urgência do social. Assim, estamos ante o desafio de  barrar a cultura do medo, do racismo, do sexismo, do classismo e da força da barbárie com um horizonte projetual do desenho de um planejamento de futuro em liberdade e igualdade..

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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