Governo Lula: uma crise de comando?
O que está claro é que a crise do governo tem uma natureza essencialmente política
Não é novidade para ninguém a constatação de que o governo Lula não vai bem. Para quem olha de fora, o governo parece desorientado. As informações que vêm de dentro não são boas. A desorientação do governo aparece na explicitação pública de divergências acerca dos rumos a seguir. Tanto dentro do governo quanto em setores do PT são frequentes os ataques à condução da política econômica dirigida pelo Ministério da Fazenda. O próprio presidente Lula emite sinais ambíguos. Este é um ponto crucial: sem clareza na condução econômica do país, o risco de fracasso é enorme. Os agentes econômicos e os setores sociais ficam sem um horizonte de previsibilidade e de estabilidade para agir. Crescem as desconfianças.
Além da política econômica, divisões e confusões do governo que provocam desgastes apareceram em outros pontos: na forma atabalhoada de como foi tratada a crise na Petrobrás, no tema do imposto sobre produtos importados de até 50 dólares, na desoneração da folha de pagamento para setores da economia. Nesses e em alguns outros temas votados no Congresso, setores do governo e da bancada petista preferiram ficar com a oposição, contra o Ministério da Fazenda. O esforço do ministro Haddad de onerar setores privilegiados que não pagam impostos é justo e visa reduzir as desigualdades. Qualquer pessoa de bom senso sabe que arrumar as contas nos dois primeiros anos de governo é crucial para evitar crises e para ter um bom desempenho nos dois últimos anos.
As informações que vêm de dentro do governo indicam a fragmentação política, a paralisia e as divisões entre e dentro dos ministérios. Existem grupos para todos os gostos: grupos dos ministros, grupos dos funcionários públicos e até os grupos da Janja. Diz-se que as opiniões da primeira dama constrange decisões de ministros. Claro, que ela tem todo o direito de emitir opiniões. Mas as decisões do governo precisam pautar-se pelo interesse público e pelo interesse do Estado.
A perda de popularidade em setores sociais que votaram em Lula é o sintoma mais agudo de que o governo vive uma crise política. Tudo isso, como já se disse em outros artigos, é paradoxal porque na economia o governo não vai mal. Pelo contrário: os indicadores de crescimento, renda e emprego estão bem. É certo que há uma inflação de alimentos e de serviços, mas nada que fuja ao controle.
Na busca do equilíbrio entre a política fiscal e a política social faltam três coisas: 1) corte de gastos, principalmente nos privilégios; 2) uma política nacional de eficiência do gasto público; 3) bom senso para atender demandas de determinados setores. Exemplo de falta de bom senso foi a arrogância de como representantes do governo trataram a greve dos professores das universidades públicas. Essa arrogância produz desgarramento e desilusão de setores que sempre foram apoiadores de Lula.
O que está claro é que a crise do governo tem uma natureza essencialmente política. Os principais focos são: 1 ) a falta de um comando claro de rumos no governo; 2) as divisões no governo e no PT transformadas em disputas públicas; 3) os desastres na comunicação e na articulação política. Em várias pastas ministeriais existem bons resultados, mas o grande público não os conhece. A articulação política do governo no Congresso, excetuando a pauta econômica, é um grande fracasso. O resultado de tudo isso são as derrotas no Congresso e a perda de apoio popular.
A crise política do governo, além de ser uma crise de direção, é também uma crise de sentido. Com a emergência da extrema-direita ocorre um acirramento de disputa pelas subjetividades, por valores. As esquerdas estão perdendo esta batalha para a extrema-direita, que avança empunhando bandeiras de valores conservadores e autoritarismo.
O governo Lula não consegue comunicar à sociedade quais são as suas grandes causas, os seus valores. Não consegue sinalizar para onde quer conduzir o país. Não consegue sequer definir claramente de que lado está na batalha crucial do nosso tempo: a crise climática e a transição ecológica. Concede incentivos a projetos depredadores e intensivos em carbonização e quer explorar petróleo na foz do Amazonas.
Ao não travar a batalha pelas subjetividades, faz uma disputa de hegemonia manca, com uma só perna. Ao não ter uma narrativa coerente de sentido, não consegue dirigir a coalizão que montou. Quanto mais Lula e o governo perdem popularidade, mais ficam à mercê das chantagens do centrão e mais riscos de perda de controle correm.
As pessoas que estão no governo são experientes. Mas são prisioneiras de uma solidez inconsequente de concepções e de métodos que não mais funcionam. Esquecem-se que a natureza da realidade é a mudança e que na Era da revolução digital a mudança ocorre com uma velocidade espantosa.
A mudança provoca continências de todo o tipo – objetivas e subjetivas. Com a solidez mental fixa no passado, não têm as capacidades necessárias para enfrentar os novos desafios, os rios furiosos do imprevisto. Os dirigentes políticos e operativos do governo não operam com o imperativo dos líderes virtuosos: estar preparados para as mudanças. Podem ser felizes com os seus cargos, mas serão infelizes com o resultado que produzirão: o fracasso.
Na felicidade e na arrogância de seus cargos, não se preparam para o ataque inimigo. Parecem acreditar que a detenção do poder é garantia da vitória. Relaxam as prontidões, descansam as armas da luta política. Perdem o senso dos riscos e da responsabilidade. Esquecem que o povo elegeu esse governo para livrar-se de um mal e depositar esperanças em dias melhores.
O governo passa a imagem de que está cansado e envelhecido, entregue à própria indolência. Lula parece ter mais fidelidade a ministros e métodos que não funcionam do que aos objetivos estratégicos que informaram a sua vitória nas eleições. A principal lealdade que Lula deve ter é com os objetivos e os resultados que precisa entregar para o povo. Não entregará resultados se não for inovador e se não implementar mudanças reclamadas pela realidade social e econômica do país, dominada por injustiças e pelo particularismo dos grupos hegemônicos. Muitas das mudanças urgentes não dependem do Congresso.
O governo não pode ser autocomplacente com a ordem medíocre que domina Brasília e a política brasileira. Não pode ser autocomplacente com a suposição de que é prisioneiro de um fatalismo político decorrente de uma correlação de forças desfavoráveis. Este suposto é a antessala do desleixo, das desculpas esfarrapadas, da ruína.
Todos sabemos que adiar mudanças necessárias agrava os males de um corpo político adoentado. Lula precisa fazer mudanças no governo agora. Fazê-las no início do ano que vem poderá resultar na gangrena do governo. As derrotas políticas e a perda de popularidade deveriam servir de alerta acerca da urgência de proceder às mudanças. Afinal de contas, quanto mais se postergar mudanças e retificação de rumos, mais crescem os riscos de uma vitória da direita em 2026.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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