TV 247 logo
    Denise Assis avatar

    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

    811 artigos

    HOME > blog

    Grande dia!

    O que foi escrito na estátua de Ceschiatti, com batom – “perdeu, mané” –, pode ser reverberado por nós, no dia de hoje, escreve Denise Assis

    Celso Vilardi e Jair Bolsonaro (Foto: Gustavo Moreno/STF)

    Hoje foi um dia em que o noticiário impresso – sim, ele ainda existe – nasceu velho. Não deu conta de acompanhar os fatos que se atropelavam e desfilavam na nossa frente, abrindo antigos escaninhos, onde emoções represadas afloravam a cada citação das faltas dos acusados, a cada prova, a cada movimentação em direção a um golpe que nos jogaria com a força de uma catapulta a um passado que conhecemos e não queremos de jeito nenhum revisitar.

    Me vi de novo, pelos corredores da universidade, abraçando o meu conjunto de livros entrelaçados com o Decreto 477 (publicado em 26 de fevereiro de 1969, uma ferramenta a mais do recém instituído Ato Institucional nº 5, para dar conta de solapar os destinos de nós, os jovens estudantes e o dos nossos professores. O principal legado do ministro Jarbas Passarinho). Uma fala mais alta e bastava para o banimento, o fim do sonho, a distância do almejado diploma.

    Coube ao ministro relator, Alexandre de Moraes, esquadrinhar o que cabia a cada um dos oito integrantes do “núcleo crucial” de forma tão eficiente e irretocável, que mobilizou até mesmo o tecnicista Luiz Fux. Em seu voto, que pretendia asséptico, tal como eu, Fux voltou às salas da universidade, para ouvir os ecos da voz do brilhante jurista Heleno Fragoso, a dar boa noite aos bisbilhoteiros “arapongas”, mais assíduos às suas aulas do que os próprios alunos.

    Cabia a mim, por minha vez, dar bom dia ao colega ao lado, descabelado, roupas extravagantes, barulhento, que entrava na sala de forma espalhafatosa, e que anos mais tarde encontrei em Brasília, metido num terno com o broche da Polícia Federal, revelando, enfim, o que fazia nas manhãs dos anos de 1970, no curso de Comunicação. Nos espionava.

    À ministra Cármen Lúcia, coube explicitar por que reivindicamos a presença feminina na corte.

    Não apenas porque, sim, nós mulheres devemos estar em todos os lugares, mas também para evidenciar o quanto soma a emoção genuína, nessas horas, em que a história está sendo passada a limpo. O período de arbítrio (esperemos), está sendo enfim interrompido, num recado explícito aos nossos ameaçadores de plantão. E foi ela, em seu voto, que veio amarrando os fatos, nivelando os personagens, as perseguições, as quedas, até desembarcar dos ônibus financiados pelo Agro, nos gramados de Brasília, no 8 de janeiro. Sem pieguice, com a determinação de quem assistiu aos fatos que narrava, Cármen Lúcia os enfileirou para finalizar seu voto contundente, competente e que demarcou: é o fim da linha. Acabou para vocês.

    Aos que colocaram em dúvida a tal da dosimetria, aos que mediram palmo a palmo, que tamanho devem ou não fixar as penas – pois condenados eles já estão, pelo menos tecnicamente –, coube ao ministro Flávio Dino, com a sua capacidade de aprofundar e trazer à tona conhecimento com pitadas de ironia e brilhantismo, deixar claro que não é isso que se está discutindo agora, embora haja de sobra, artigos e penas a serem somadas. O que se discutiu ali foi o fim da impunidade. O fim do medo de enfrentar a história.

    A Cristiano Zanin, que presidiu e arrematou, coube pouco espaço para emoção, técnica ou história. Coube, porém, o fecho de um capítulo que, esperamos, termina aqui, de idas e vindas entre o Planalto, o Judiciário e os comandos militares, para tomar a febre dos “militares”, a cada crise política, sempre eles, a turvar os nossos destinos.

    O que foi escrito na estátua de Ceschiatti, com batom – “perdeu, mané” –, pode ser reverberado por nós, no dia de hoje, quando tivemos a decretação do fim de uma era em que virávamos a página sem ler o seu conteúdo.

    Hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF), houve uma sessão de leitura conjunta do que são capazes esses senhores.

    Tivessem tido êxito e teríamos um presidente eleito morto, o seu vice também, e um ministro do Supremo enforcado na Praça dos Três Poderes, como chegaram a mencionar em suas trocas de mensagens. Os que protestassem, seriam mandados para um campo de extermínio, à imagem e semelhança dos nazistas, tendo como capataz o general Augusto Heleno.

    Não, não é ficção. Estava descrito no projeto autoritário de Bolsonaro. Como bem disse Cármen Lúcia, eles caminham de mãos dadas com a morte. Só ela é capaz de deter os inconformados, como muitos que partiram num rabo de foguete, nos idos da luta por liberdade. Ou talvez nem ela.

    Estão aí Hildegard Angel e Ivo Herzog, que não nos deixam mentir. Com suas presenças, levaram para aquela sala da primeira turma do STF, a nossa resistência. Stuart Angel, vive! Vladimír Herzog, vive! Assim como vivos estão os nossos sonhos de uma democracia que não mais caia nas mãos dos que caminham pelo poder guiados apenas pela vontade de se perpetuar nele. Grande dia!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: