Guerra cultural
Não importa se Gramsci foi ou não introduzido de maneira equivocada no Brasil. O fato é que a direita aplica seus conceitos de forma muito objetiva e eficaz
O mais interessante de escrever essas poucas linhas quase todos os dias não é exatamente o que consigo compartilhar do meu pensamento, mas sim as oportunidades que surgem para que amigos me enviem conteúdos a serem absorvidos ou revisitados. Ontem, por exemplo, recebi de um amigo que não vejo há anos o link de um episódio do podcast Subsolo, produzido pela livraria e editora Da Vinci, com a participação do professor João Cezar de Castro Rocha.
No episódio, João Cezar analisa o crescimento da extrema-direita no Brasil e conecta essa ascensão ao pensamento de Antônio Gramsci, intelectual italiano associado ao antigo Partido Comunista Italiano. Ele revisita aspectos da ditadura militar brasileira desde suas formulações iniciais, em 1960/1961, até a Lei da Anistia e os desdobramentos recentes, como os atos golpistas de dezembro de 2022 e o 8 de janeiro de 2023, citando figuras como Olavo de Carvalho, que tiveram papel relevante nesse processo de apropriação indébita. Com clareza notável, João Cezar apresenta o conceito de guerra cultural elaborado por Gramsci, usado como fundamento para a atuação da direita até que, a real natureza de seus representantes sai dos bueiros, e eles chegam ao ápice de seus excessos golpistas.
Não importa se Gramsci foi ou não introduzido de maneira equivocada no Brasil. Não importa que perdemos cedo um dos seus melhores estudiosos no país. O fato é que a direita brasileira tem aplicado seus conceitos de forma muito mais objetiva e eficaz, como demonstra o bate-papo do professor João Cezar no podcast.
Por exemplo, em um processo revolucionário cultural, basta apenas instituir cotas para o ingresso nas universidades? É suficiente? A mesma dúvida se aplica ao financiamento estudantil. É inegável que as cotas e o PROUNI são políticas públicas essenciais para reparar dívidas históricas. Contudo, se limitarmos sua atuação apenas à garantia de acesso, corremos o risco de ficarmos no campo de uma mera meaculpa cristã.
Quero dizer, por exemplo, que é necessário politizar a relação com os beneficiários dessas políticas ao entrarem nas universidades. Mais que isso, é preciso politizar o ambiente universitário como um todo, já que ele é um espaço fundamental de disputa hegemônica na sociedade. A direita acusa a esquerda de manter uma “escola com partido”. Ah, se eles soubessem como as salsichas realmente são feitas! O ponto é que a esquerda e a centro-esquerda abandonaram a disputa pela hegemonia, especialmente pelos caminhos indicados por Gramsci, em todos os espaços, e não só nas universidades.
A centro-esquerda já nasceu com essa tendência, e a esquerda, ao longo do tempo no poder, se converteu a ela: “prefeitar”, governar e presidir passaram a ser o único objetivo final. Implementar políticas públicas tornou-se a meta última. E só isso, como a história tem mostrado, não será suficiente para transformar a sociedade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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