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      Sara York

      Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

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      “Hands Off!”: a performance do poder e a estética da resistência nas ruas dos EUA

      A performance do poder, no regime Trump-Musk, é uma cena calculada

      Manifestantes protestam contra o presidente dos EUA, Donald Trump, e seu conselheiro Elon Musk durante um protesto em Asheville, Carolina do Norte, EUA, 5 de abril de 2025 (Foto: REUTERS/Evelyn Hockstein)

      No dia 5 de abril de 2025, as ruas dos Estados Unidos se tornaram um imenso palco de insurreição. Sob o grito uníssono de “Hands Off!”, uma multidão diversa, vibrante e decididamente política ocupou praças, avenidas e redes sociais para protestar contra o autoritarismo crescente do segundo mandato de Donald Trump e a controversa nomeação de Elon Musk como chefe do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE).

      Em ambos os casos, observamos uma insistência teatral na manutenção do poder por meio de atos de fala que excedem sua autoridade legítima — seja quando Lear declara dividir seu reino como se as palavras pudessem garantir controle, seja quando Trump proclama fraude eleitoral como se a negação pudesse reverter a realidade.

      Esses enunciados carregam uma natureza paradoxal: tentam afirmar domínio, mas, ao fazê-lo, revelam o quanto o poder do falante já se esvaziou. A performance da autoridade, dissociada da autoridade real, transforma-se em espetáculo de impotência. O que Lear e Trump acabam por encenar não é a soberania, mas o colapso da voz soberana — uma voz que ressoa, cada vez mais alta e errática, justamente à medida que sua força real se dissolve. A tragédia, então, não é apenas política, mas também linguística: quanto mais falam, mais evidente se torna sua perda de poder.

      Foram mais de 1.200 atos em todos os 50 estados. Mas além dos números, o que saltava aos olhos era a cena: corpos performando resistência, cartazes que mais pareciam peças de teatro de rua, gestos que desestabilizavam a coreografia do poder. Um deles, escrito à mão em Denver, dizia: “No King for USA.” Simples, direto, mas repleto de significados. A frase contestava não apenas a imagem gerada por inteligência artificial em que Trump se exibia como monarca digital — compartilhada por ele mesmo com orgulho nas redes — mas toda uma dramaturgia política que vem se impondo como espetáculo.

      A performance do poder, no regime Trump-Musk, é uma cena calculada. A estética da autoridade se expressa não só no conteúdo dos discursos, mas no modo como os corpos que ocupam o poder se apresentam: a gravata vermelha de Trump, a sobriedade das roupas de Musk, seus gestos contidos e suas presenças cuidadosamente lapidadas por algoritmos. Como nos ensina Judith Butler, o poder é também uma repetição performativa. E hoje, esse poder se repete como um espetáculo de masculinidade tóxica, tecnológica e higienizada.

      Um palco onde poucos podem subir

      Enquanto isso, outros corpos — principalmente os dissidentes — são jogados para fora do enquadramento. A ausência midiática de figuras expõe um outro tipo de violência: o desaparecimento estético. Ativistas de conveniência se tornam o silêncio que grita a pergunta incômoda: quem pode ser visto? E a que custo?

      Vivemos uma era onde a visibilidade é moeda e prisão. A travesti que aparece, muitas vezes, precisa se enquadrar num roteiro alheio. A estética do excesso — das bichas, das drags, das pretas, das travestis — é sistematicamente lida como ameaça. O corpo dissidente, quando não é neutralizado, é transformado em espetáculo, em dado, em mercadoria de si.

      A lógica por trás disso tem raízes profundas. Desde o Iluminismo e a Revolução Industrial, como analiso em “A Inversão do Espelho” texto no prelo, o corpo masculino foi separado da vaidade, enquanto o feminino foi aprisionado nela. A estética virou atributo da mulher e pecado para o homem. No mundo atual, essa dicotomia reaparece, mas sob novos códigos: o CEO de camiseta preta e smartwatch performa uma masculinidade eficiente, racional, asséptica. Enquanto isso, os corpos que performam cores, brilhos e afetos são lidos como infantis, descontrolados ou simplesmente descartáveis.

      O trono é digital; a resistência, encarnada

      O governo Trump-Musk é uma ópera tecnocrática. Direitos são cortados como linhas de código; agências públicas fechadas como aplicativos em desuso. O que está em jogo não é apenas a governança, mas a narrativa do que significa “governar”. E nessa narrativa, o corpo performático, afetivo e exuberante é apagado em nome da eficiência.

      Mas as ruas responderam com outra cena. “Hands Off” não foi apenas um slogan. Foi um manifesto corporal, um gesto que desautorizou o toque não consentido — do Estado sobre os corpos, das corporações sobre as vidas, dos algoritmos sobre os desejos. Foi um levante de pele, de suor, de coletividade.

      Paul B. Preciado já nos alertava: o corpo é o novo campo de batalha. Farmacopornográfico, tecnomodulado, racializado e queer, o corpo hoje resiste ao ser visível, sensível, político. Ele dança onde não devia, brilha onde mandaram apagar, grita onde queriam silêncio.

      No centro da cena, a pergunta: quem pode performar?

      A manifestação #HandsOFF escancarou que estamos vivendo uma disputa estética — e não só política — sobre quem tem o direito de performar o poder e quem tem o direito de performar a si mesmo.

      Essa é a verdadeira batalha. Não se trata apenas de política institucional, mas de imaginação radical. De ocupar os palcos do poder com nossos próprios corpos, textos e travessias. De recusar o terno como traje único da autoridade. De entender que a vaidade — aquela que já foi acusada de futilidade — pode ser, sim, um ato de revolta.

      Porque resistir, hoje, também é performar. E nas ruas dos Estados Unidos, dançou-se a insurreição.

      Milhares de pessoas tomaram as ruas de Nova York hoje. Estamos com raiva, tristes e (des)organizadas da melhor forma possível. Há um clamor coletivo que se expressa não só nos cartazes e gritos de protesto, mas nas ideias que vêm se acumulando há tempos — propostas simples, mas poderosas, que enfrentam o status quo. Abaixo, quatro delas, seguidas de algumas perguntas que não querem mais calar. Passo aqui a discutir com as ideias apresentadas por Jack Halberstan em suas redes sociais.

      1. Idade máxima para ocupar a presidência: Se existe uma idade mínima de 35 anos para se tornar presidente nos Estados Unidos, por que não estabelecer também uma idade máxima? Que tal 65? Pergunto: Não seria isso também etarismo? Em 2026 teremos Lula, com 81 anos? Afinal, depois de certa idade, está-se legislando para um mundo em que talvez já não se estará vivo para viver. Quem se responsabiliza por decisões políticas de longo prazo feitas por quem não estará presente para ver seus efeitos? E a luta pela presidencia que urge em gritar o embate entre Nicholas Ferreira e Érika Hilton?
      2. Por que não um teto salarial? Tanto se discute o salário mínimo — e é claro que ele deve existir. Mas por que não existe um salário máximo? Halberstan discute sobre os EUA, mas mesmo em países como o Brasil que têm teto máximo, muitos ainda encontram brechas para burlá-lo. Agentes do judiciário brasileiro, como no caso do ex-governador do RJ que ensinava a burlar a lei. E os militares famosos 4 estrelas? O que dizer de seus lucros? Um teto salarial poderia nos livrar de sermos governados por bilionários completamente desconectados da realidade. Após determinado patamar de renda, o excedente deveria ser revertido à sociedade: habitação, educação, creches, bancos de alimentos. O mesmo vale para heranças astronômicas. Ninguém deveria começar a vida com bilhões enquanto outros lutam por migalhas.
      3. O teste de cidadania e o paradoxo ideológico: Durante o exame de cidadania nos EUA, é preciso jurar que não se pertence ao Partido Comunista. Mas por que não há um juramento semelhante contra o fascismo? Fascistas não só existem — estão em ascensão: na Hungria, na França, na Alemanha, na Argentina, no Brasil e, sim, aqui nos Estados Unidos. Essa omissão é mais do que simbólica: é cúmplice. E o que dizer sobre a venda de cidadania?! Você é cidadão onde seu dinheiro abre a porta!
      4. Estudantes sempre lideraram movimentos de mudança: Por que tanto pânico com os protestos estudantis? Eles foram, historicamente, a vanguarda das grandes lutas democráticas, e continuam sendo. Hoje, muitos se levantam contra o bombardeio contínuo na Palestina e o desaparecimento de líderes ativistas. Permitam que protestem. Parem com a criminalização das universidades, com as prisões arbitrárias, com as mentiras sobre antissemitismo nos campi. Deixem os estudantes exercerem sua cidadania. Mas precisamos dizer que em milhares de anos de história como conhecemos, parece que finalmente podemos dizer que pessoas trans existem! Em todos os movimentos sociais.

      É hora de parar Trump, enfrentar o fascismo, lutar de verdade! Conclama Halberstan, aqui no Brasil nós já sabemos como isso termina:

      #SemAnistia

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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