Haverá um grande confronto entre Bolsonaro e o Papa com reflexos em toda América Latina
Outubro promete uma colisão de alto impacto entre o Papa Francisco e o governo Bolsonaro, com reflexos em toda a região, escreve o jornalisa Mauro Lopes. Em Roma, acontece a reunião final do Sínodo da Amazônia, acusado de subversivo por Bolsonaro; na Argentina, deve ser eleito o peronista Alberto Fernandéz, católico e amigo pessoal de Begloglio; na Bolívia, deve ser reeleito Evo Morales, também próximo do Papa; e, se Lula for solto, já disse que irá a Roma para articular uma frente global com Francisco em defesa dos pobres
Por Mauro Lopes, editor do 247 e fundador do canal Paz e Bem -
Há um grande confronto político, espiritual e social em preparação, e ele terá grandes repercussões sobre o Brasil e a América Latina. De um lado estarão o Papa Francisco e a porção da Igreja Católica brasileira que lhe é fiel, provavelmente com protagonismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). De outro, Jair Bolsonaro e as hostes fundamentalistas cristãs que conforma parte da base bolsonarista.
A confrontação acontecerá em outubro com repercussões ainda difíceis de dimensionar. Será em torno da Amazônia. Entre 6 e 27 de outubro acontecerá em Roma a reunião final o Sínodo sobre a Amazônia sob o título “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”. Estarão em Roma 250 bispos e cardeais de todo o planeta e mais assessores, especialistas, líderes dos povos originários da Amazônia. líderes de movimentos sociais amazônicos, de ONGs e de outras religiões.
O próprio título da reunião indica os caminhos opostos entre o Bolsonaro e Francisco: este fala em "ecologia integral"; aquele, em devastação total.
O Sínodo foi convocado pelo Papa em outubro de 2017 e desde então sua preparação tem sido liderada pela Repam - Rede Eclesial Pan-Amazônica . A entidade é presidida por um homem de confiança do papa, o cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes.
A constituição da e organicidade da Repam é, em si, mesma, um contraponto à maneira como o bolsonarismo enxerga a Amazônia.
Para Bolsonaro e a cúpula militar brasileira, a floresta seria como que propriedade do governo e estaria disponível para ser entregue à exploração-destruição pelos Estados Unidos, sob a capa de um discurso nacionalista.
Para a Repam e o Papa, a floresta deve ser encarada como múltipla dimensão de países e povos indígenas e como patrimônio da humanidade. A rede articula organizações, movimentos, dioceses e articulações da Igreja Católica e outras de nada menos que oito países, além do Brasil: Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, as Guiana Inglesa, Guiana Francesa, Suriname. Esta multinacionalidade é vista como uma afronta por Bolsonaro e seus militares e, por si, só torna o tema em algo que deixa de pertencer ao Brasil para se tornar numa agenda no minimo latino-americana.
UM ENCONTRO SUBVERSIVO
A visão do Papa e de Bolsonaro sobre a Amazônia é antagônica, sem pontos de contato. O documento preparatório do Sínodo é visto como subversivo pelos militares no governo (e pelo catolicismo bolsonarista). Vale a pena ler o documento: aqui.
Logo na abertura, o documento indica quem são os interlocutores privilegiados do Sínodo, "os povos indígenas e todas as comunidades que vivem na Amazônia" que são qualificados "os primeiros interlocutores deste Sínodo". O texto detalha quem são os protagonistas desta interlocução: "habitantes de comunidades e zonas rurais, de cidades e grandes metrópoles, ribeirinhos, migrantes e deslocados e, especialmente, para e com os povos indígenas". Todos eles são alvo da aberta hostilidade do governo Bolsonaro.
Os em três subtítulos e linhas de ação do Sínodo soam como uma afronta para o governo braileiro, baseados no método ver-discernir-agir que a Igreja latino-america construiiu por meio da Teologia da Libertação: “A voz da Amazônia” (Ver), “Ecologia Integral: o clamor da terra e dos pobres” (Discernir) e “Igreja Profética na Amazônia: desafios e esperanças” (Agir).
No capítulo sobre a dimensão social da presença da Igreja na região, a redação é de uma radicalidade ímpar: "Hoje, o grito da Amazônia ao Criador é semelhante ao grito do Povo de Deus no Egito (cf. Ex 3,7). É um grito desde a escravidão e o abandono, que clama por liberdade e pela escuta de Deus. É um grito que pede a presença de Deus, especialmente quando os povos amazônicos, ao defenderem suas terras, se confrontam com a criminalização de seu protesto, tanto por parte das autoridades como pela opinião pública; ou quando são testemunhas da destruição da fl oresta tropical, que constitui seu hábitat milenar; ou quando as águas de seus rios se enchem com espécies de morte em lugar de vida".
Bolsonaro afirmou abertamente no último sábado, que os trabalhos do Sínodo são monitorados-espionados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e que o encontro tem "uma agenda de esquerda" -o que é uma condenção das mais taxativas para o bolsonarismo.
Nesta segunda, o miitar que é o cérebro do atual governo, o general Villas Bôas, concedeu entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo na qual incorporou toda a linguagem do regime militar na relação com a Igreja Católica, com frases recheadas de ameaças. Praticamente decretou um veto à pauta da reunião, acusando-a de um "viés político" -como se o governo brasileiro pudesse delimitar a agenda do encontro. O general usou expressões que em tudo lembram o tempo da ditadura: "não vamos admitir", "há uma ação orquestrada", "não vamos admitir interferência em questões internas do nosso País".
O confronto é inevitável. Uma variável que pode tornar a ação da Igreja Católica mais contundente é o protagonismo da CNBB. Dominada pelos moderados e sob constante ameaça dos fundamentalistas católicos, a entidade esteve tomada pela paralisia mas, no caso do Sínodo, tem dado sinais de que sairá da letargia, alinhando-se ao Papa.
ALBERTO FERNÁNDEZ, EVO E LULA
Outra linha de radicalização do confronto entre a Igreja e o bolsonarismo -e a direita de toda a região e o governo dos Estados Unidos- é a desenvoltura com que o Papa passará a agir na região a partir de outubro.
Com a mais que provável eleição do peronista Alberto Fernández à Presidência da Argentina, o Papa deverá reatar seus laços e visitar sua pátria. Desde a eleição do direitista Maurizio Macri em 2015, Bergoglio nunca cogitou visitar a Argentina, algo que deverá acontecer se confirmada a eleição de Fernández, católico, amigo pessoal de Francisco e de Lula.
A volta da esquerda ao poder na Argentina -a terra do Papa- e a provável vitória de Evo Morales na Bolívia também em outubro permitirá a Francisco uma desenvoltura na América Latina que não lhe era possível com a supremacia da direita e extrema-direita na região. Este será um fator a mais -e pode ser dramático- de acirramento do confronto do governo Bolsonaro com Roma.
Para completar: como informou Lula em sua entrevista ap 247, assim que sair da cadeia uma das iniciativas que pretende tomar é extamente visitar o Papa para articularem uma ação global em defesa dos pobres do planeta.
O confronto tem data: outubro. Sínodo, eventual libertação de Lula com o estabelecimento de uma frente entre ele e o Papa e as eleições na Argentina e Bolívia prometem irão colocar a Igreja Católica e o governo Bolsonaro em rota de colisão de alto impacto.
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