Heidi Reichinnek: a nova cara da esquerda alemã e o fenômeno das redes sociais
Não desistam! Resistam ao fascismo neste país. Vão para as barricadas!
A câmera estava focada em Friedrich Merz, candidato da CDU, mas quem dominava a cena era Heidi Reichinnek. No meio do plenário do Bundestag, sem hesitação, sem rodeios, ela disse de forma contundente o que milhões de alemães pensavam. “Vocês não aceitaram uma maioria com a AfD por acaso. Isso não foi um acidente. Vocês procuraram essas maiorias deliberadamente. Junto com a FDP (partido do também candidato Christian Lindner), vocês articularam conscientemente para que essas votações ocorressem com o apoio da extrema direita – e esse é exatamente o problema! E até agora vocês ainda não entenderam a gravidade disso!”, disparou, sua voz carregada de indignação. O plenário do Bundestag ficou em silêncio por um breve momento, até que Reichinnek lançou um chamado direto à população: “Mas eu também digo às pessoas lá fora: Não desistam! Resistam ao fascismo neste país. Vão para as barricadas!” em meio a aplausos da audiência.
O efeito foi imediato. Em menos de uma semana, sua fala viralizou e alcançou números impressionantes. O discurso bateu a cifra de 30 milhões de visualizações em diversas plataformas, o maior engajamento já registrado pelo Die Linke. A repercussão ultrapassou os limites da própria esquerda, tornando-se uma das falas políticas mais assistidas do Bundestag na história recente. Nas palavras da própria Reichinnek: “Muitas pessoas estão assustadas e com raiva. Elas querem uma sociedade democrática e solidária, se opõem ao avanço da extrema direita. Minha fala tocou um nervo, e isso me dá esperança.” Com esse impulso digital, Heidi está emergindo como a nova face da resistência progressista na Alemanha, impulsionando não apenas sua própria carreira política, mas revitalizando um Die Linke que muitos já consideravam um partido em declínio.
Quem é Heidi Reichinnek?
A ascensão de Heidi Reichinnek não foi repentina. Formada em Ciências Políticas e Artes, ela ingressou cedo na militância, com foco em causas feministas e justiça social. Sua trajetória política dentro do Die Linke foi marcada por um ativismo constante e uma abordagem combativa que a levou ao Bundestag em 2021. No parlamento, consolidou-se como uma das vozes mais firmes especialmente em questões relacionadas aos direitos das mulheres e das crianças, acesso à moradia e o combate à desigualdade na Alemanha. Em 2023, assumiu a copresidência do grupo parlamentar do partido, tornando-se uma das figuras centrais da nova fase do Die Linke. Agora, ao lado de Jan van Aken, Reichinnek é uma das principais candidatas do partido para as eleições federais de 2025, representando a esperança de renovação e fortalecimento da legenda.
O Contra-Ataque da Esquerda no Tik Tok
Heidi Reichinnek discursa no Bundestag em 29 de janeiro de 2025, criticando a aproximação da CDU com a AfD. Imagem retirada do canal oficial do Die Linke no YouTube.
Durante anos, o TikTok era dominado por discursos conservadores e populistas, com a AfD liderando o alcance digital na política alemã. Alice Weidel, por exemplo, era a política mais seguida na plataforma. Mas algo mudou. A nova estratégia digital da esquerda, impulsionada por Reichinnek, destronou a AfD no TikTok. De acordo com uma análise da Universidade da Bundeswehr em Munique, o Die Linke alcançou mais usuários no TikTok do que qualquer outro partido este ano. Os números são impressionantes para um país de pouco mais de 84 milhões de habitantes. No Instagram, os vídeos de Reichinnek alcançaram 16,4 milhões de visualizações, enquanto no TikTok ultrapassaram os 35 milhões.
Para efeito de comparação, embora esses números possam parecer modestos em relação a mercados digitais maiores como o Brasil, dentro do cenário alemão, onde o envolvimento político digital ainda está em expansão, eles são altamente expressivos.Além disso, a popularidade da deputada disparou. Seus seguidores no Instagram saltaram de 130.000 para mais de 386.000, e no TikTok, de 348.000 para 512.000. Nunca antes um político do Die Linke havia alcançado tamanha relevância digital. Esses números não significam diretamente votos, mas mostram o impacto massivo que Reichinnek tem sobre a nova geração. Seu estilo direto, seu tom de confronto e sua habilidade em transformar discursos políticos em conteúdo digital a tornam uma figura única na política alemã atual.
O partido se reinventou e atraiu uma nova base de apoio
Heidi Reichinnek e Jan van Aken, candidatos do Die Linke para as eleições federais de 2025, com o slogan “Todos querem governar. Nós queremos transformar.” Imagem retirada da página oficial do Die Linke.
A explosão de Reichinnek também reflete um novo momento do Die Linke. Com a saída de Sahra Wagenknecht – que também é candidata à chancelaria alemã –, abriu-se caminho para uma nova linha política no Die Linke. O partido fortalece seu discurso em torno da justiça social, defendendo o limite para aluguéis, o corte de impostos sobre alimentos básicos e a taxação dos super-ricos. Na política migratória, diferencia-se do SPD e dos Verdes ao adotar uma posição mais humanitária, contrária às deportações em massa e em defesa dos direitos de imigrantes. Além disso, intensifica sua resistência à extrema direita, denunciando o avanço da AfD e a aproximação da CDU com os ultraconservadores. Desde o final do ano passado, 30.000 pessoas se filiaram ao Die Linke, elevando o número total de membros para 85.000, o maior da história do partido. O mais interessante é que a maioria dos novos filiados tem, em média, 30 anos e é predominantemente feminina. Esse novo Die Linke, impulsionado por rostos como Reichinnek, parece entender melhor do que nunca como dialogar com uma geração que cresceu em meio à crise climática, à precarização do trabalho e ao aumento das desigualdades.
O desafio eleitoral e os primeiros sinais de recuperação
Apesar do sucesso digital e do crescimento na militância, o grande desafio de Reichinnek e do Die Linke ainda está por vir. Para continuar representado no Bundestag, o partido precisa alcançar ao menos 5% dos votos nas próximas eleições. O cenário político alemão está cada vez mais polarizado, com o fortalecimento da extrema direita e a fragmentação da esquerda. No entanto, a ascensão de Reichinnek indica que há um público disposto a ouvir e a se mobilizar. Diferente dos políticos tradicionais, que muitas vezes falam apenas para seus próprios círculos, ela conseguiu romper a barreira da comunicação política convencional e alcançar um eleitorado jovem e digitalizado.
A estratégia bem-sucedida do Die Linke pode servir como um exemplo valioso para a esquerda brasileira, que tem tempo para se preparar para as próximas eleições. O caso de Reichinnek mostra que a presença digital não pode ser subestimada e que um discurso claro, alinhado com as preocupações da população jovem e trabalhadora, pode fazer a diferença na reconstrução da base eleitoral progressista. O aprendizado está na necessidade de combinar militância online e atuação política concreta, traduzindo engajamento em mobilização real e, principalmente, em votos. O que acontece na Alemanha hoje pode ser um indicativo do caminho que a esquerda deve trilhar em outros países para enfrentar o avanço da extrema direita e reconquistar espaço político.
Se Reichinnek conseguirá transformar essa força nas redes em votos concretos, ainda é uma questão em aberto. Mas os primeiros sinais já surgem nas pesquisas eleitorais. O Die Linke, que nos últimos anos esteve à beira da irrelevância política, agora aparece com intenções de voto variando entre 6% e 7%, superando a barreira mínima para se manter no parlamento. O crescimento nas sondagens indica que o discurso combativo de Reichinnek e sua capacidade de mobilização digital começam a se traduzir em apoio real. O que já está claro é que sua presença não passa despercebida. Com discursos afiados e uma habilidade incomum de se conectar com a nova geração, ela se tornou um nome central na disputa pelo futuro da esquerda na Alemanha. Se depender dela, a resistência progressista não ficará apenas no campo digital – será levada às ruas, às urnas e ao coração do debate político alemão.
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