História e memória são fundamentais para a sociedade brasileira
É necessário acabar com essas “histórias e realidades alternativas” no Brasil, que procuram sustentar projetos políticos de interesse do capital selvagem
Em 1932 emergiu um movimento político de caráter fascista na sociedade brasileira. Era a Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado. Dentre tantas coisas, esse movimento fascista inventou um símbolo (a letra grega sigma) e uma forma de saudação similar ao do nazi-fascismo alemão (Anauê). Seu lema era “Deus, Pátria e Família”. Em março de 1964 apareceu na cena política brasileira uma manifestação pública a favor do golpe civil-militar e da suposta defesa da família, de Deus e da liberdade. Era a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Já no ano de 1992, Collor, então na Presidência do Brasil, para se defender de diversas acusações, especialmente de corrupção, solicitou dos seus apoiadores que se vestissem de verde e amarelo (com bandeiras do Brasil e camisas da seleção). Não adiantou, foi impichado!
Temos no parágrafo acima, em linhas muito reduzidas, alguns fatos históricos que marcaram o cenário político brasileiro, mas que certamente foram esquecidos, em outras palavras, perdeu-se essa memória. E essa “amnésia histórica” é extremamente prejudicial e perigosa para a sociedade brasileira. E isso explica o Brasil de hoje. Vejamos!
O que esses movimentos têm em comum é a criação de uma “realidade imaginária alternativa” de que existe um “inimigo interno” (socialismo/comunismo/esquerdismo, considerados absurdamente como sinônimos) que se empenha em acabar com a “família, com a pátria, com Deus e com a liberdade”, atrelando ainda a esse suposto “inimigo” um comportamento ligado à corrupção e também a “imoralidades diversas”. É o que alimenta o uso político e ideológico do discurso de combate à corrupção e da inversão de valores, dois componentes fundamentais que, de forma concomitante, nutrem sentimentos de ódio e intolerância contra grupos sociais e movimentos políticos progressistas (vistos como homogêneos) e pavimentam caminhos (esgarçam o tecido social) para golpes políticos.
Mas essa “realidade imaginária alternativa” só “cola” em parte significativa da sociedade brasileira em função da sua “amnésia histórica”, individual e coletiva. Aqui gostaria de fazer um paralelo com a obra de Oliver Sacks (Um antropólogo em marte. São Paulo: Companhia das Letras, 2006). Nesta obra, o autor analisa alguns dos seus casos clínicos, ele é neurocirurgião. No capítulo 2, ele fala de Greg, um indivíduo que foi acometido de um tumor no cérebro, numa região que afetou a sua memória recente. Nas palavras do autor:
“Era fácil demonstrar a gravidade de sua amnésia imediata. Se eu lhe desse uma lista de palavras, era incapaz de se lembrar de qualquer uma dela após um minuto. Quando lhe contei uma história e pedi que repetisse, ele o fez de uma maneira cada vez mais confusa, cada vez com mais “contaminações” e associações digressivas – algumas cômicas, outras extremamente esquisitas – até que, em cinco minutos, sua história não tivesse mais nenhuma semelhança com a que eu lhe contara. Assim, quando lhe contei a fábula do leão e do camundongo, ele logo se afastou da história original e fez o camundongo ameaçar devorar o leão – tinham se transformado num camundongo gigante e num mini leão. Ambos eram mutantes, explicou Greg quando o questionei sobre suas digressões. Ou talvez, ele disse, fosse criaturas de um sonho, ou de uma “história alternativa” onde os camundongos fossem de fato os reis da selva. Cinco minutos depois, não tinha mais a menor lembrança da história” (p. 56).
Pensemos, a partir do trecho acima, a atual situação política brasileira. Será que temos muitos Gregs no Brasil? Parcelas significativas de Gregs que sofrem de uma “amnésia histórica imediata” e que individual e coletivamente constroem uma “história alternativa” a partir de uma realidade histórica concreta? Gregs que possuem uma memória histórica confusa, cheia de contaminações e associações digressivas, criando “camundongos armamentistas, fundamentalistas, intolerantes e cheios de ódio à diversidade e a justiça social”? Ou Gregs que simplesmente perderam a memória?
Enfim, é mirando nos Gregs, particularmente em função da sua “amnésia histórica imediata”, que os agentes do bolsonarismo criam e propagam intencionalmente (redes sociais, mídia corporativa, etc.) uma “história alternativa”, com a finalidade de confundir e contaminar a “memória histórica” dos Gregs, para que estes assumam a “história alternativa” como se fosse a “real”.
Inclusive, nesse processo, até as bravatas verbalizadas por Bolsonaro – “Deus, Pátria, Família e Liberdade” – são “plágios históricos”, pois pertencentes a movimentos fascistas e autoritários do passado brasileiro, como constam no primeiro parágrafo deste pequeno texto. Movimentos políticos que serviram e ainda servem à elite brasileira ligada ao capitalismo ultraliberal selvagem (produtor de fome, desmatamentos, desigualdades, pobrezas, etc.).
É necessário acabar com essas “histórias e realidades alternativas” presentes no Brasil de hoje, que procuram sustentar projetos políticos de interesse do capital selvagem. O remédio para isso são doses cavalares de História (Ciência Histórica) e de memórias dela advindas. História e memória são fundamentais para a sociedade brasileira.
É essa a operação necessária para curar o tumor do cérebro dos Gregs.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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