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    João Antonio da Silva Filho

    Mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Advogado, foi vereador da capital por três mandatos consecutivos e deputado estadual por São Paulo

    5 artigos

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    Ideias para valorizar a solidariedade e impedir que o individualismo competitivo determine nosso futuro

    "Esse modelo ultraliberal, sem nenhuma mediação com o futuro do nosso planeta, sem dúvidas, provoca desarranjos nas relações intersubjetivas, estimula o pragmatismo sem limites. Prefiro estimular a solidariedade como base fundamental de organização dos humanos, com todos os seus significados", escreve João Antonio da Silva Filho

    Não vejo a hora de poder olhar o futuro com normalidade. Na vida é assim: a negação de algo quase sempre é a afirmação de uma expectativa. E quando olhamos o nosso dia a dia de modo criterioso, notamos que os detalhes não podem ser desprezados. Pelo contrário, numa pesquisa séria e rigorosamente projetada, é a soma de detalhes que torna as conclusões mais precisas. Recomenda-se que tenhamos criteriosos olhares para nossa realidade, mesmo sabendo que tal postura exige esforços, pois, na falta de conhecimento aprofundado, nossa tendência é simplificar o complexo para facilitar o nosso viver.

    No mundo atual as anormalidades têm ditado a dinâmica do convívio social. E quando se fala de anormalidades, o que salta aos olhos é a desgraça pandêmica causada pelo coronavírus. De fato, as consequências do vírus são um desafio que mobiliza energias, dinheiro e esforços concentrados de estruturas estatais, governos e sociedade. Não poderia ser diferente. Mas, para além da pandemia, outras anormalidades, quase todas por consequência da ação desarrazoada dos ambiciosos, campeiam sem freios, ameaçando o necessário equilíbrio estável nas relações humanas.

    E por ser a vida o principal bem do planeta, preservá-la na sua inteireza é o desafio dos sapiens. Todavia, em seus incontroláveis desejos e no afã de impor o seu domínio, estes não conseguem, pela auto-organização, administrar suas ambições. Essa ganância desmedida embrutece as pessoas e faz da competitividade entre si um falso impulso desenvolvimentista e, com ele, amplia as chamas destrutivas da vida nesse nosso planeta azul. Não se trata aqui, de numa atitude conservadora – fazer o tempo parar. Impossível! Trata-se de estimular o equilíbrio das relações entre os humanos e destes com a natureza. Trata-se, portanto, de estimular as medidas necessárias para inibir o imediatismo ambicioso que corrói por dentro as formas horizontais e equânimes de organização das diversas comunidades políticas.

    Dessa forma, importa fazer com que as atitudes do presente dialoguem com as necessidades das futuras gerações.

    Reconheço na capacidade humana de transformar a natureza – e até na sua ambição – a locomotiva impulsionadora das evoluções científicas, todas historicamente: revolução agrícola, surgimento do pensamento filosófico, da revolução industrial e da evolução tecnológica, até chegar no mundo globalizado de hoje, um mundo sem fronteiras econômicas e com informação global em tempo real. Todavia, esse processo evolutivo não foi capaz de superar um gritante paradoxo: a transformação da natureza para gerar desenvolvimento e riquezas não resolveu a exclusão social, nem inibiu as ações do homem na progressiva degradação do meio ambiente. Esse é o principal motivo da ameaça à vida na Terra.

    A forma de agir dos humanos: é disso que quero chamar a atenção nas conclusões deste texto. Farei isso abordando a díade solidariedade e individualismo competitivo. Entender essa contradição é uma questão fundamental para os que desejam e projetam a construção de uma sociedade mais humana e um mundo saudável. Por certo, é impossível dissociar a vida em sociedade, desenvolvimento e preservação do planeta, dos propósitos dos indivíduos e, por consequência, do seu modo de agir.

    O individualismo competitivo, por exemplo, modo de agir bastante badalado pelos liberais, é estimulado com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento econômico. É por seu intermédio que a ideia do desenvolvimento pela concorrência se concretiza. Esta visão de mundo possui algumas marcantes características:

    • Está associada diretamente à ideia de acumulação de bens materiais;

    • Possui como fim o estímulo ao consumo sem critério na qualidade do uso;

    • O uso do bem consumido é associado ao status – títulos, marcas famosas, lugares badalados, mansões etc;

    • O mérito se confunde com “esperteza”. Esperteza no sentido de ardil, malandragem – fazer tudo que estiver ao alcance para se obter algo – até ludibriar se preciso for.

    • Acumular o máximo no menor tempo possível (imediatismo sem ponderação).

    Como se vê, se por um lado a ambição de fato é uma força motriz na construção de riquezas, e sem dúvida alguma acaba por estimular a criatividade e até o desenvolvimento – pela sua própria natureza -, ela acaba por obstruir uma maior organização horizontal da sociedade. A livre iniciativa, por intermédio do mercado, é predadora.

    Esse jeito pragmático de ver o mundo faz da igualdade do ponto de partida a justificativa das desigualdades materiais. Mas vai além, tudo sem nenhuma distinção – a vida em seu sentido amplo, a relação com a natureza, normas comportamentais subjetivas, as relações jurídicas e econômicas, a política, as organizações de Estado – ficam submetidas a esta lógica, ou seja, à lógica do individualismo competitivo.

    E quando alguma voz se ergue contra esse modo de agir, logo vêm os seus defensores clamarem por “liberdade”. De que liberdade falam eles? Liberdade para acumular mais? Para fazer do dinheiro acumulado instrumento seletivo do prazer? De usar a transformação da natureza como instrumento particular de acumulação de bens?

    Esse modelo ultraliberal, sem nenhuma mediação com o futuro do nosso planeta, sem dúvidas, provoca desarranjos nas relações intersubjetivas, estimula o pragmatismo sem limites e, por consequência, transforma a busca pelo prazer momentâneo em razão de subsistência.

    Prefiro estimular a solidariedade como base fundamental de organização dos humanos, com todos os seus significados:

    • Compromisso pelo qual as pessoas e a coletividade pactuam regras comportamentais e se obrigam umas com as outras e delas para com o todo social;

    • Sentimento de empatia, fraternidade – um estender a mão aos que sofrem;

    • Juntar o eu e o nós numa perspectiva do bem-estar coletivo;

    • Combater qualquer tipo de discriminação – religiosa, de orientação sexual, etnias e classes sociais;

    • Juntar os interesses da atual geração com os das futuras, articulando o necessário desenvolvimento econômico com todos os elementos necessários à preservação do planeta Terra;

    • Estimular a cooperação humana, de modo a fazer com que a igualdade do ponto de partida não seja uma mera justificativa das desigualdades materiais;

    • Valorizar a igualdade do ponto de chegada como meio eficaz de diminuir as desigualdades materiais;

    • Dividir responsabilidades, sejam elas individuais ou coletivas;

    • Buscar no respeito às diferenças – aquelas inerentes aos humanos – mecanismos justos de composição plural para alcançar a desejada harmonia social.

    Como se vê, são duas maneiras completamente diferenciadas de encarar a organização da sociedade. No individualismo competitivo – modo neoliberal de estimular o desenvolvimento econômico – a solidariedade é confundida com caridade. A filantropia é um jeito fácil de amenizar o peso na consciência dos individualistas frente às desigualdades sociais e o seu jeito pragmático de explorar as riquezas naturais.

    Já no modo solidário de conduzir as relações humanas – práticas que se identificam mais com o socialismo -, o desenvolvimento do ser humano na sua inteireza é o centro de sua prioridade.

    Como a história não segue em linha reta e as narrativas construídas a partir dos fatos são importantes elementos na construção de hegemonias político/culturais, as disputas nos seu cotidiano seguem no seu curso: todo tempo é tempo de convencimento e nesse processo construtivo dialético a humanidade segue na busca do melhor caminho para diminuir suas tensões.

    De uma coisa eu tenho certeza: a paz social só se alcança com a diminuição das desigualdades materiais. Solidariedade e harmonia social caminham juntas. Nada mais é expressivo desse jeito de pensar o futuro da humanidade do que o termo cunhado na atual resistência democrática brasileira: “Ninguém solta a mão de ninguém”. E o caminho é longo. Segue o jogo.

    E você caro leitor, como pensa o futuro da humanidade?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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