INCELS: uma conversa sobre adolescência, masculinidade e exclusão social
'O machismo não nasce pronto e quando não interrompemos esse ciclo, ele se transforma em violência real', alerta Sara York
O artigo parte do questionamento abordado em textos anteriores da nossa coluna sobre infância, futuro e exclusão LGBTI+, trazendo relatos reais de mães preocupadas com o comportamento de seus filhos. Uma delas, por exemplo, manifesta sua vontade de estar próxima da filha, mas sente que a jovem não se abre para trocas genuínas. Em outro caso, uma mãe observa as interações virtuais de seu filho, percebendo um padrão preocupante: ele segue figuras masculinas que exalam testosterona, adotam masculinidades tóxicas e compartilham piadas que frequentemente beiram o crime. E ainda há aquelas que descobrem os DIX!
O Dix é uma rede social que se destaca por sua ênfase na privacidade. Ou seja, a troca de identidade que muita gente assume para atacar, stalkear entre outras coisas que se pode imaginar.No Dix, os usuários criam perfis que são acessíveis apenas para amigos mais próximos, escolhidos a dedo. Isso proporciona um ambiente mais íntimo e seguro para compartilhar momentos pessoais, ou seja perfil privado. Diferente de outras redes sociais, onde as postagens podem ser vistas por um público amplo, o Dix permite que os usuários compartilhem conteúdo apenas com um círculo restrito de amigos, ou seja, sem exposição pública.
Esse padrão levanta questões profundas sobre os efeitos da internet, a construção da masculinidade e os riscos associados ao fenômeno dos incels. Vamos conversar sobre isso?
A série ‘Adolescência’ e as relações parentais
A série da Netflix “Adolescência” explora as angústias da juventude masculina, abordando temas como machismo, feminicídio, paternidade e a comunidade incel, assim como assuntos relacionados entram na conversa. A história acompanha Jamie, um jovem de 13 anos suspeito do assassinato de uma colega. Contudo, mais do que focar no crime em si, a narrativa busca compreender os fatores sociais, familiares e psicológicos que podem levar adolescentes a atos extremos.
Desenvolvida pelo ator Stephen Graham, que interpreta o pai de Jamie, “Adolescência” toca em pontos sensíveis da parentalidade e nos medos mais profundos de pais e mães. A trama também reflete sobre as pressões sociais que meninos enfrentam e como a internet amplifica padrões de comportamento que reforçam hierarquias de gênero e estruturas de exclusão. Para adolescentes a exclusão tem se tornado cada vez mais parte do seu mundo de escolhas e cardápios e isso é mundial. No Brasil apenas tem aparecido mais lentamente por que temos tratado, discutido e questionado o sintoma e nao a causa.
Sintoma: um caso recente no Brasil
Um senador da República afirmou que “foi difícil ouvir Marina Silva por seis horas sem enforcá-la.” Uma fala brutal, carregada de violência, que deveria causar repulsa imediata. E, no entanto, quantas vezes já ouvimos algo parecido, mascarado de piada, de brincadeira, de “modo de falar”? Já estive em grupos onde essas piadas pareciam inofensivas. Quando escolhi não rir, virei a “mimizenta”, a “amarga”. Enquanto isso, mulheres cis apenas baixavam a cabeça, já acostumadas ao peso invisível do que sempre disseram ser normal.
E o Eduardo “Bananinha”? A piada sobre falo e seu tamanho, feita por mulheres cis — que, segundo Freud, passam pela castração — por homens negros — que, vez ou outra, esquecem que o “negão da piroca” foi o modo docilizado do preconceito pós-escravagista que os colocava como estupradores diante de qualquer relato branco. E não vamos esquecer as travestis, que falam do “bananinha”, esquecendo que o falo é o mote da transfobia recreativa lançada sobre seus corpos. Afinal, os casados querem elas para serem comidas!? Preconceito em cima de preconceito…
Essas frases não são casos isolados. Elas são o eco de séculos em que vozes femininas foram silenciadas, desmerecidas, ridicularizadas. Porque o que ensina não é apenas a palavra, como nos lembra Viviane Mosé, mas o que ela carrega de sentidos. Tudo começa com a piada sobre a mulher que dirige mal, a esposa que fala demais, a colega que é “muito sensível”. Continua com insinuações de que o feminismo “estraga” as mulheres e termina com a constatação resignada de que “homens são assim mesmo”.
O machismo não nasce pronto — ele é cultivado em cada comentário banal, em cada silêncio conivente, em cada riso que tolera o intolerável. E quando não interrompemos esse ciclo, ele se transforma em violência real. Em palavras que enforcam. Em atos que matam.
Causa: a origem e a radicalização
O termo “incel” surgiu nos anos 1990 como um espaço de apoio para pessoas que enfrentavam dificuldades em estabelecer relações românticas. No entanto, com o tempo, partes dessa comunidade adotaram discursos misóginos e fatalistas. Atualmente, muitos incels veem a sociedade como um sistema injusto que os condena à solidão, promovendo ressentimento contra as mulheres e alimentando teorias conspiratórias sobre relacionamentos. O psicologo Mayck Hartwig, que é doutor em Psicologia (UFRRJ) postou recentemente um conceito que nos ajuda a refletir sobre o assunto:
Red Pill e Black Pill: o mercado das relações
Os incels frequentemente adotam conceitos como “Red Pill” e “Black Pill”, que funcionam como lentes para interpretar suas próprias vidas e o mundo ao redor.
Red Pill: Enxerga os relacionamentos como um mercado hierárquico baseado na beleza e na atratividade. Os “Chads” (homens altamente atraentes) e as “Stacys” (mulheres extremamente desejadas) estão no topo da pirâmide, enquanto os incels se veem na base, lutando para melhorar sua posição. Black Pill: Representa uma visão niilista e fatalista. Para quem adere a essa perspectiva, esforços para ascender na hierarquia social são em vão. Acreditam que o destino romântico de uma pessoa é selado no nascimento e que homens “inferiores” jamais encontrarão parceiras.
A manosfera e seus subgrupos
A “manosfera” é um ecossistema online que abriga diversas comunidades ligadas a conceitos de masculinidade e relações de gênero. Entre os principais grupos, destacam-se:
MGTOW (Men Going Their Own Way): Homens que optam por se afastar de relacionamentos com mulheres, argumentando que a sociedade é dominada pelo feminismo.MRAs (Men’s Rights Activists): Defendem direitos masculinos, criticando leis e normas sociais que consideram prejudiciais aos homens.PUA (Pickup Artists): Comunidade que ensina técnicas de sedução e manipulação emocional para conquistar parceiras. Parceiras essas que funcionam mais como troféu que como alguém para qualquer troca.Na minha adolescência com 4 irmãos mais velhos que eu, a minha vida era entre a porta do inferno e o seu porão. A testosterona exalava e a frase era: se apanhar na rua, apanha em casa! Resultado eu vivia apanhando. Mas voltemos aos velhos-adolescentes. Ainda segundo a postagem de Mayck Djúnior Hartwig, dentro desse universo, surgem expressões como Nice Guys, que acredita que ser gentil deveria automaticamente lhes garantir o interesse das mulheres, e White Knights, que defendem mulheres, mas, em busca de aprovação.
Adolescência e Exclusão
O problema dos incels vai além da atratividade ou do “interesse” individual. Trata-se de um reflexo de como a sociedade capitalista molda subjetividades, criando hierarquias de gênero e desvalorizando a vulnerabilidade masculina. Os relacionamentos são vistos como mercadorias, avaliadas por status econômico e estético, reforçando a ideia de que homens precisam ser bem-sucedidos para serem desejados.
Jovens crescem sob a pressão de um mundo que cobra sucesso a qualquer custo, incluindo o “sucesso romântico e sexual” como passaporte para validação social. O fenômeno incel não é apenas uma questão individual, mas um sintoma de uma cultura que ensina aos homens que seu valor está em seus atributos e conquistas. Do mesmo modo, essa cultura transmite a ideia de que mulheres existem para servi-los e que a rejeição é um ataque à sua identidade. Sabe o jovem senhor de 30/40 que ainda espera das mulheres o prato na mão como a mamãe fazia?
Esse pensamento não apenas gera frustração e ressentimento, principalmente neles, mas está na raiz do machismo estrutural, perpetuando violência contra mulheres e levando, em casos extremos, ao feminicídio. Quando a sociedade falha em discutir masculinidade de maneira aberta e inclusiva, permite que jovens vulneráveis busquem respostas em espaços que reforçam misoginia e isolamento.
Adolescência e(m) desejo
A adolescência e o desejo estão em constante movimento, acompanhando as novas gerações, mas ainda não nos perguntamos: quem forma nossos jovens para a vida sexual? No dia 25 de março de 2025, o Ministério das Mulheres publicou um dado alarmante: entre 2013 e 2023, o Brasil teve 232.000 nascimentos em gestantes com até 14 anos. Essa informação nos faz refletir sobre como, em um contexto de desigualdade, falta de educação sexual e (re)pressão social, os jovens lidam com questões de desejo e sexualidade.
A discussão sobre os incels e a juventude masculina vai muito além de uma condenação superficial. Devemos entender as múltiplas camadas desse fenômeno, considerando fatores como exclusão social, transtornos não diagnosticados, e as estruturas que perpetuam a desigualdade de gênero. As pesquisas revelam que apenas uma pequena parte dessa comunidade se envolve em comportamentos agressivos, mas fica a dúvida: o que significa, de fato, comportamento agressivo? Não seria o discurso de ódio uma forma de agressão? Sem dúvida, os incels precisam de apoio psicológico, mas a ideia de que a sociedade e as mulheres os impõem um celibato involuntário é por si só uma atitude agressiva. Essa concepção parte do pressuposto de que as mulheres são apenas objetos do desejo masculino, algo que deve ser desconstruído urgentemente.
Adolescência e as regras
O problema não está no autismo em si, mas nas interações entre os aspectos neurobiológicos, cognitivos e a socialização de jovens autistas em ambientes neurotípicos. Esses ambientes, regidos pelo patriarcado, machismo e capitalismo, reforçam os papéis de gênero e a busca incessante pelo sucesso, bem-estar e status social. Aprendemos que nosso valor está atrelado ao que possuímos, e quando nos negam isso, começamos a questionar nossa existência. Esse cenário gera frustração em diversas esferas da vida, especialmente nos relacionamentos, e aprender a lidar com o fracasso é algo que não é ensinado, principalmente aos homens.
A busca por pertencimento em comunidades online, como os fóruns de incels, é alimentada por sentimentos profundos de desesperança, fracasso e desajustamento social. Isso cria um terreno fértil para a construção de discursos deterministas, que podem levar, em alguns casos, à adesão a ideologias extremistas e à prática de ódio. A interseção entre a ideologia incel, o autismo e a saúde mental apresenta um cenário complexo, que é abordado por diversas lentes acadêmicas. Essas comunidades, compostas principalmente por homens que se consideram celibatários involuntários, expressam sentimentos de vitimização e ressentimento, culpando as mulheres e as normas sociais pelos seus fracassos românticos e sexuais. Essa visão de mundo pode aumentar os sentimentos de desesperança e depressão entre os membros.
Estudos mostram que os incels geralmente apresentam taxas mais altas de depressão, ansiedade e ideação suicida, agravadas pela participação nessas comunidades. Além disso, a internalização do vitimismo e do direito sobre o corpo feminino só consolida as crenças misóginas e disfuncionais. No caso de indivíduos autistas, os desafios de comunicação e regulação emocional podem ser mal interpretados, tornando-os mais vulneráveis à influência negativa dessas comunidades.
Todas as abordagens consideram as dimensões corporificadas e afetivas das experiências, revela a complexidade dessa interseção, apontando para a necessidade de intervenções personalizadas. Ou seja, cada caso é um caso específico, por que especial, todos nós somos!
PSIs e suas percepções
Enquanto Psica-na-lista percebo a questão de como os indivíduos racionalizam seu pertencimento a essas comunidades e como podemos abordar a partir da compreensão dos mecanismos de defesa, que são estratégias inconscientes para lidar com sentimentos de ansiedade, dor ou desconforto emocional. Quando alguém se sente isolado ou marginalizado, pode usar a racionalização como uma defesa para justificar o que sente ou faz, suavizando o impacto de sua dor emocional. No caso dos incels, por exemplo, a crença de que a sociedade ou as mulheres impõem um “celibato involuntário” pode ser uma racionalização para lidar com a frustração e o sofrimento causados pela falta de conexões íntimas e afetivas. Isso permite que o indivíduo se distancie da realidade do seu sofrimento e o projete em fatores externos, como o comportamento das mulheres ou as normas sociais.
Além disso, a psicanálise pode entender o fenômeno de repetição observado nessas comunidades como uma forma de “repetição compulsiva” de padrões de pensamento e comportamento que, embora destrutivos, oferecem alguma forma de alívio temporário para o indivíduo. A teoria freudiana sugere que a repetição de experiências dolorosas ou traumáticas (como o fracasso em relacionamentos) ocorre porque o indivíduo ainda não conseguiu elaborar essa dor de maneira saudável.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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