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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    Indignação vazia

    "A “indignação” de Biden e de alguns aliados europeus em relação à Faixa de Gaza é totalmente vazia e um tanto cínica", escreve Marcelo Zero

    Benjamin Netanyahu e Joe Biden (Foto: Reuters )

    O governo de extrema-direita de Netanyahu ultrapassou todos os limites. Limites morais, legais e políticos.

    Não respeita nada e ninguém. Tratados e convenções internacionais simplesmente não existem para ele. Resoluções da ONU, inclusive a última que obriga o cessar-fogo em Gaza, são solenemente ignoradas. Ignoradas há décadas, frise-se.

    Atacar hospitais, campos de refugiados, escolas etc. tornou-se a norma macabra do governo Netanyahu. Matar mulheres e crianças também. Cerca de 70% das vítimas fatais em Gaza fazem parte desse grupo de inocentes. Já morreram, até agora, mais de 32 mil pessoas em Gaza e há cerca de 15 mil desaparecidos, provavelmente gente morta embaixo das imensas ruínas.

    Fome, sede, falta de energia, de comunicação, de assistência médica, de saneamento básico etc. é a situação dantesca imposta pelo governo Netanyahu aos palestinos de Gaza. Uma punição coletiva cruel, sádica, que desrespeita as normas mais comezinhas do direito humanitário internacional.

    Gaza fede a carne humana em decomposição, fezes e urina.

    O governo de extrema-direita de Netanyahu, ao que tudo indica, parece empenhado também em agravar a fome em Gaza e em atacar, intencionalmente, a pouca ajuda humanitária que consegue entrar naquela “prisão a céu aberto”.

    Primeiro, vieram os ataques à UNWRA, agência das Nações Unidas que leva, há décadas, alívio humanitário aos palestinos. Agora, são atacadas ONGs que tentam cumprir o mesmo papel, como a World Central Kitchen.

    É óbvio que, ao contrário do que afirmou Netanyahu, não foi um “acidente”.

    Nada entra ou sai de Gaza sem a permissão expressa e oficial do governo Netanyahu. O comboio da World Central Kitchen, claramente identificado, obteve autorização oficial para entrar em Gaza, distribuir os alimentos aos famélicos e sair de lá em suposta segurança.

    Mesmo assim, foi selvagemente atacado. Morreram 7 “trabalhadores humanitários”.

    Não foi, é claro, a primeira vez. Segundo as Nações Unidas, ao menos 196 agentes que trabalhavam na ajuda humanitária em Gaza já foram assassinados.

    Entretanto, a grande maioria dos agentes que morreram antes era formada por palestinos. No “Ocidente”, não se deu muita bola.

    No episódio mais recente, contudo, tratou-se de uma ONG com sede nos EUA, embora seu fundador seja espanhol. Ademais, morreram um cidadão estadunidense, dois britânicos, um australiano... Somente uma das vítimas era palestina. Faleceu gente branca e ocidental. Assim, a repercussão foi grande.

    Conforme o The New York Times, o próprio Biden estaria “indignado”. É possível. O apoio incondicional a Netanyahu está causando estragos políticos internos e prejudicando a posição dos EUA no Oriente Médio.

    Não obstante, a gigantesca ajuda militar e financeira dos EUA a Israel continua.

    Israel é o país que mais recebe ajuda militar, técnica e financeira dos EUA, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. De 1946 até 2023, foram ao menos cerca de US$ 300 bilhões em ajuda para que Israel estruturasse um dos mais eficientes exércitos do mundo, praticamente o dobro da ajuda dada ao segundo colocado na lista, o Egito.

    Mais recentemente, após o atentado do 7 de outubro, a administração Biden tornou públicas duas grandes vendas militares a Israel.

    Em dezembro de 2023, Biden aprovou a venda de quase 14.000 cartuchos de munições de tanques, no valor de 106,5 milhões de dólares, e a venda de munições de artilharia, com valor aproximado de 148 milhões de dólares.

    Porém, isso foi apenas uma pequena fração da ajuda.

    Ocorreram mais de cem outras transações. Entre muitas outras armas fornecidas, estavam munições guiadas com precisão, bombas de pequeno diâmetro e foguetes “destruidores de bunkers”. Houve também, e isso é mais grave, envio de 1.800 bombas MK84 de 2.000 libras (907 quilos) e 500 bombas MK82 de 500 libras (227 quilos). O Departamento de Estado, da mesma forma, autorizou a transferência de 25 novos caças F-35, de última geração.

    Muitas dessas armas vêm sendo utilizadas em Gaza, desde o 7 de outubro, principalmente as bombas de 1.000 ou 2.000 libras, como a Mark 84.

    Além disso, é preciso observar que os EUA mantêm um grande estoque de armas em Israel, conhecido como “Estoques de Reserva de Guerra para Aliados-Israel”, desde a década de 1990.

    Não bastasse, o governo Biden pretende enviar uma ajuda adicional de US$ 14,3 bilhões a Israel, já aprovada no Senado, o que ascende a um montante quase 4 maior que a ajuda “normal” anual (US$ 3,8 bilhões).

    Portanto, a “indignação” de Biden não é acompanhada de ações concretas. Ao contrário, as medidas tomadas até agora estão estimulando o morticínio em Gaza.

    Os EUA, se quisessem, impediriam ou, ao menos, dificultariam muito o horror que acontece na Faixa de Gaza e na Palestina, de um modo geral.

    Bastaria suspender a bilionária ajuda a Israel.

    Evidentemente, isso não vai acontecer. Israel é um dos grandes e mais firmes aliados dos EUA no mundo. Netanyahu sabe disso. Sabe que, apesar dos protestos retóricos, tem uma espécie de “carta-branca” para prosseguir com sua agenda macabra.

    A “indignação” de Biden e de alguns aliados europeus é totalmente vazia e um tanto cínica.

    Em breve, Rafah deverá ser atacada. Atacada com armas fornecidas pelos EUA.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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