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    Carlos Henrique Abrão

    Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo

    161 artigos

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    Insolvência empresarial

    A recuperação não pode ser um guarda chuva para empresas sem características de boa administração ou gestão

    Homem usando máscara de proteção passa próximo de painel com cotações do mercado financeiro. 8/9/2020 (Foto: REUTERS/Willy Kurniawan)

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    O Brasil e muitos países em desenvolvimento enfrentam os revezes da pandemia e da desaceleração do crescimento econômico e, com taxas de juros elevadas, o consumo retrocede em consequência. As empresas atravessam um momento de completa insolvência que vai desaguar na justiça mediante pedidos e mais requerimentos de recuperação judicial, sem falar naquelas que logo de cara estão falidas.

    Nenhuma boa lei por melhor que seja a intenção do legislador cura as doenças da economia combalida ou tem o condão de salvar empresas com iliquidez em grau de insolvência. O diploma 11105/05 foi amparado no modelo francês até que uma guinada excepcional em 2020, por intermédio da Lei 14112, tentou restabelecer o ambiente de negócios e encontrar meios mais eficientes de recuperação, porém como temos uma forte amarra tributária e a jurisprudência do STF reviu ultimamente a própria coisa julgada, o questionamento em torno do sucesso de empresas que conseguem sair ilesas da recuperação judicial não passa de vinte por cento.

    O mundo vive uma espécie de nova etapa de consolidação do fim do emprego e de redução da jornada de trabalho, conquistando por meio de fundos de investimentos, fintechs e startups um doce estilo de reabilitação do mercado e de empresas sem capital de giro. Porém o que precisamos é acabar com a falência da recuperação judicial.

    Vamos colocar o dedo na ferida e explicar exatamente nossa posição aos que compreendem bem o tema, mas também àqueles que ainda se mostram curiosos e precisam enfrentar as adversidades.

    Em primeiro lugar, a recuperação não pode ser um guarda chuva para empresas sem características de boa administração ou gestão perpetuando o tempo de salvaguardas ou prorrogando indefinidamente o cumprimento do plano homologado. Além disso, o retorno ao estado recuperacional exige sérias triagens para saber o que de errado aconteceu e qual o motivo, se é que existe, para que tantas empresas acreditem nos milagres do soerguimento extra.

    Embora quiséssemos copiar pelas mãos do Deputado Hugo Leal o modelo norte-americano, incluindo até a ampla territorialidade nos procedimentos de salvamento das empresas em crise, nada pode ser cotejado. Lá nos EUA não há filigranas ou brigas processuais, mas sim um pedido que se lastreia nos investimentos projetados e injetados para que a recuperação não se torne mera quimera ou abuso na utilização do instituto.

    Vejam que a empresa Oi nem bem saiu da recuperação prorrogada e uma nova medida cautelar foi bem sucedida, mas ao mesmo tempo ingressou com proteção contra credores no exterior USA.

    Podemos avaliar que temos no momento cinco grandes problemas na área empresarial: taxa de juros, baixo consumo, reflexos da pandemia, legislação pouco fadada ao sucesso e finalmente graves e sérios riscos sistêmicos provocados por gestos e fraudes contábeis, o que contamina a seriedade e o comando do caminho de bom propósito pelo gestor.

    Não basta simples e puramente se proteger por meio do mecanismo judicial de recuperação, mas é essencial que a viabilidade da empresa seja desde logo testada e não se arraste anos a fio --o que poderia ser determinado anos antes.

    O caso da Livraria Cultura demonstra a realidade do mercado editorial e de livrarias, que vem ruindo ao longo dos anos e hoje somente edita obras coletivas sem pagamento dos direitos autorais, que são aliás ínfimos. O estado não pode ficar alheio ao gravíssimo problema e um apoiamento mais direto deve lancetar as feridas de perdas, cujas lacunas não são preenchidas. Falham todos, inclusive os que dizem que o mercado se encarrega de liberar via concorrência um novo produto.

    Vimos o que sucedeu com a Varig, empresa de grande prosperidade. Com sua quebra, até hoje o setor aéreo enfrenta dezenas de problemas e não se surpreendam que no atual modelo as poucas empresas que operam num verdadeiro cartel de preços disponibilizados têm receio da concorrência.

    Enfrentamos ao mesmo tempo horrores político, econômico, social, empresarial e principalmente da leniência impregnada no atavismo de querermos por via legal ressuscitar empresas falidas. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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