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Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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Janaína Xavier: a barbie jornalista que sofre com o racismo reverso

A fala da bolsonarista é uma forma de negar a capacidade e a competência dos negros, desvalorizando assim as suas conquistas

Janaína Xavier (Foto: Reprodução/YouTube/Benja Me Mucho)

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A branquitude tradicional não pode ver uma vergonha que logo quer passar. E passa no débito, para demonstrar superioridade e poder socioeconômico. É o caso da jornalista Janaína Xavier, ex-Rede Globo, que está dando entrevistas alegando que o motivo de sua demissão da vênus platinada, foi porque ela é branca, loira e bonita demais. Não vou entrar no mérito estético da questão e nem cair na armadilha de julgar a referida beleza da jornalista, mas tenho a certeza de que se nenhuma outra emissora quiser contratá-la pelo mesmo motivo que a Globo a demitiu, ela pode oferecer consultorias para pessoas com baixa autoestima ou fundar o grupo das “Bonitas Anônimas” para ajudar outras mulheres que pretendem se libertar da beleza e passarem por um processo de ressocialização que as fariam ser melhores aceitas na sociedade.  “Feia só por hoje”, seria o lema da instituição.

Feias mesmo, e também problematicamente preconceituosas, foram as falas de Janaina Xavier ao Podcat do jornalista esportivo Benjamin Back, onde ela chega a destilar até um certo narcisismo ao inferiorizar os padrões que ela entende estarem sendo beneficiados por aquilo que ela chama de “cota de diversidade”, como se a sociedade devesse ser composta apenas por Barbies e Susis como ela. Pergunta sobre o porquê de sua saída da emissora, ela começa elaborando o seu, digamos, raciocínio, dizendo que é de uma época em que as mulheres com mais atributos de beleza tinham uma certa vantagem sobre as demais para entrar na televisão e no jornalismo. Algo que ela, que também se diz defensora da meritocracia, deveria achar muito justo e meritocrático. Aqui começa o problema existencial de alguém que percebe que os seus privilégios estão sendo ameaçados e sua competência racial desprezada. Isso deve doer demais naqueles que são herdeiros sócio raciais dos criadores de uma estrutura montada para favorece-los ad eternum.

Mas Janaína ainda podia extrair um pouco mais daquilo que já estava no bagaço. E assim o fez ao dizer que “eu não tenho nenhuma dúvida de que hoje a cor da pele é o critério fundamental na hora da decisão. “, se referindo a presença de mais pretos e pretas num ambiente que sempre foi dominado por uma branquitude competentemente bonita como ela. Aqui vemos uma tentativa de conceituar o racismo reverso com uma pretensão quase sócio antropológica, onde as peculiaridades raciais da espécie humana determinam o seu lugar na sociedade. Seria profundo se não fosse desonesto intelectual e racialmente falando, uma vez que os não brancos e não bonitos como Janaína acredita ser, são aqueles que historicamente foram, e ainda são submetidos a esse processo. Dá para espremer mais o bagaço da laranja? Dá! E o copo do puro suco de racismo transborda quando ela se presta ao papel de abordar as características fenotípicas das mulheres pelas quais ela teria sido preterida.

“Chegou uma época em que eu estava me sentindo muito bonita para estar ali, porque eles tinham que inserir a menina mais cheinha. Mas eu não estou dizendo que a mais cheinha não seja bonita, eu estou falando como passou a ser a visão deles. Vamos falar de padrões de beleza então. Eles queriam outros padrões lá. A loira de olho claro não servia mais. Eles queriam trazer perfis diferentes de mulheres. Queriam a mulher que não tivesse nariz empinado, que tivesse nariz grande. A mulher que não é paquitazinha. Inclusive, a mulher preta. ” - dissertou a jornalista, tentando nos fazer acreditar que era favorável a esta inclusão, mas que não achava justo que ela estivesse sendo feita a partir da exclusão do que sempre foi o padrão. Tadinha de Janaína. Está experimentado na pele e no peeling, o que é ser uma mulher preta numa sociedade racista. Caiu até uma lágrima no teclado enquanto escrevia esta frase.

Eu poderia dizer que Janaína não tem a mínima vergonha de verbalizar publicamente o racismo e a gordofobia internalizados dentro de si, mas vou propor uma reflexão com relação ao fato de uma jornalista se orgulhar por ter um perfil de “paquitazinha”. Eu acho que nem nas casas de lupanar esse critério de beleza ainda é adotado. Até porque, o prazer também deve ser diverso. Mas como isso aqui não é um capítulo do Kama Sutra, voltemos ao que de fato interessa. O choro da bolsonarista contém uma substância muito perigosa e nociva à civilização como um todo. O racismo invejoso. Não que ela quisesse ser preta e “mais cheinha” para ser aceita no que ela classifica como novo padrão da televisão brasileira. É muito mais perigoso do que isso. Ela constrói um argumento que visa desvalorizar as conquistas da negritude, colocando em dúvida o talento, a capacidade e a competência dos pretos que estão ocupando espaços de representatividade antes exclusivos à branquitude. Uma narrativa pouco inteligente para combater a inclusão social e lamentar a perda de seus privilégios, mas que irá reverberar entre racistas, e poderá ser absorvida por outros indivíduos pouco atentos à desonestidade da elite dominante.

Ela deixa sua intenção evidente quando diz “já vi colegas falando que: ‘eu abro mão da minha vaga para que uma apresentadora negra tenha uma oportunidade’. Mas não precisa ser assim, não precisa ter essa desculpa, basta escolher quem tem o perfil para esse ou aquele programa. Eu sempre fui a favor da meritocracia. ” Não duvide se você começar a ver pretos questionando, inconscientemente, a presença de outros pretos em alguns espaços. Até porque, como bem dizia Malcolm X, fomos ensinados a nos odiar, a nos desvalorizar, a fazer de tudo para nos aculturarmos e nos aproximarmos do padrão ISO de branquitude estabelecido. A unidade da negritude é o grande temor do imperialismo capitalista, uma vez que sem racismo estrutural e sem os cismas que a luta pela sobrevivência dentro dessa estrutura racializada pode provocar entre nós, ele ruiria. Janaina também revelou que “na Globo eu perdi uma oportunidade por conta da cota de diversidade. ” – Sugerindo que alguma mulher preta ou “mais cheinha” tomara o seu lugar, e pontuando que todos a consideravam muito “foda” no seu trabalho.

Ao se sentir tolhida em sua liberdade de ser bela e loira, e induzir os ouvintes a acreditarem que ela realmente foi vítima de preconceito e de um jogo de interesses comerciais que usa a diversidade para faturar, a jornalista praticamente convoca os “seus” para uma luta pela sobrevivência estética do padrão de beleza branco e pela manutenção da estrutura racista que protege os seus “direitos”. Janaina nunca se incomodou com o fato de a cor da pele sempre ter sido um critério de avaliação de competência na TV e no jornalismo. Isto porque a pele branca sempre foi a favorecida. Quando se tenta promover equidade racial, social e econômica, a gritaria dos historicamente privilegiados é grande. No lugar dela, eu cogitaria a possibilidade de ter sido demitida por não se encaixar no perfil civilizatório que a descolonização da mente e a desconstrução de padrões preconceituosos, capacitistas, classistas e excludentes exigem de quem, de fato, deseja conviver num ambiente social mais justo. Parafraseando o poeta, que me desculpem as bonitas demais por fora, mas nesse caso, beleza interior é fundamental.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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