TV 247 logo
    Tarso Genro avatar

    Tarso Genro

    Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

    235 artigos

    HOME > blog

    Jornalismo geneticamente modificado

    Desde que o mundo é mundo, a informalidade é consequência do desemprego. A busca de espaços nas ruas, para vender produtos sem nota fiscal e a presença de crianças, nas sinaleiras – vendendo balas e pentes – sempre foi sinal de crise desesperadora e de ataque frontal ao comércio estabelecido, fonte de empregos e impostos

    Aliss035:Trabalhadores ambulantes18 17/08/16 CREDITO:ALISSON J. SILVA (Foto: Tarso Genro)

    Na semana que findou a imprensa tradicional lotou de notícias positivas seus surrados jornalões e noticiários, com uma informação extraordinária: a informalidade estava combatendo o desemprego no país! Pela primeira vez na história da imprensa brasileira esta assume, com segurança, a responsabilidade e o risco de dar um atestado de imbecilidade a todos os seus leitores e declará-los mentalmente incapazes de olhar uma informação com um mínimo de lucidez. Felizmente – além das redes – uma pesquisa publicada no jornal "O Valor" (29.08), de forma solitária – mas digna – colocava as coisas nos eixos: "No segundo trimestre deste ano, o Brasil tinha 15,2 milhões de lares onde ninguém trabalhava, 2,8 milhões a mais do que no mesmo período de 2014 – um incremento de 22%. Isso significa que um, em cada cinco domicílios (21,8% do total), não tinha renda fruto do trabalho (formal ou informal)".

    Desde que o mundo é mundo, a informalidade é consequência do desemprego. A busca de espaços nas ruas, para vender produtos sem nota fiscal e a presença de crianças, nas sinaleiras – vendendo balas e pentes – sempre foi sinal de crise desesperadora e de ataque frontal ao comércio estabelecido, fonte de empregos e impostos. Só pessoas desesperadas e famílias sem rumo, buscam esta solução, para não caírem diretamente na marginalidade. Desde que o mundo é mundo, a imaginação manipulatória da imprensa tradicional não chegava a um lugar tão alto para atestar, igualmente, que galgamos depois de um avanço de 0,2% no PIB – recuperação de ínfima parte do absurdo recessivo a que estamos submetidos – "o primeiro degrau para sair do fundo do poço". Nem a informalidade reduz o desemprego nem chegamos, ainda, ao fundo poço.

    A professora e pesquisadora Concha Mateos, da Universidade Rey Juan Carlos, denomina este tipo de jornalismo de "jornalismo modificado geneticamente". Ele – como uma sentença do Juiz Moro – seleciona premissas de maneira arbitrária, para chegar a um fim (conclusivo), previamente definido, pela ideologia dominante na pauta daquele órgão de imprensa. Assim, estes mesmos fatos apontados como positivos no contexto do Governo golpista – cujo golpe teve o apoio desta imprensa – em outro Governo não adepto das reformas "liberal-rentistas", teriam um tratamento completamente diferente. O dado de que a informalidade aumentou seria tratado (corretamente), como consequência do aumento do desemprego, e o crescimento de 0,2% do PIB, seria apontado como um indicativo de que a recessão permanece e o crescimento pequeno é simples espasmo na economia.

    O último reduto da utopia, dada a vitória do capital em todos os "fronts" (que chegou à subsunção do Estado pelo capital financeiro) é o "progressismo" da sociedade industrial. E ele está morrendo. Ele chegou ao período de crise em que a vitória "material" do capital irradiou-se como uma metástase "espiritual", sobre todas as políticas social-democratas, para as quais a única estratégia viável – na marcha ao poder – é o reconhecimento de que é preciso "ceder em tudo, conciliar tudo com seu contrário" (Agamben): "a inteligência com a televisão e a publicidade, os trabalhadores com o capital, a liberdade de expressão com o Estado-espetáculo, o meio ambiente com o desenvolvimento industrial, a ciência com a opinião, a democracia com a máquina eleitoral, a má consciência e a abjuração com a memória e a fidelidade". Esta morte do progressismo -que aqui se arrasta lentamente- certamente não vem de uma traição, mas decorre das consciências cansadas de lutas sem projetos definidos e da semelhança na aplicação dos mesmos, quando as diferentes facções chegam nos Governos.

    Com o "progressismo" material e espiritualmente bloqueado, com os projetos de revolução sem um futuro minimamente palpável, o que resta – nestas circunstâncias – é a guerra interna no capital, pela conquista de mercados, matérias primas, mão de obra barata, água e fontes de energia, para que o processo de acumulação continue ao infinito. Como se sabe pela experiência histórica secular, na guerra, as primeiras vítimas são os pobres e os miseráveis, e os primeiros favorecidos são os fabricantes de armas e banqueiros que os financiam. Que eu esteja enganado é o meu desejo sincero, mas aqui no Brasil -ao que tudo indica-,já estamos trilhando o caminho de uma guerra civil não declarada. Contra os pobres e miseráveis, intoxicados pelo jornalismo "geneticamente modificado".

    .oOo.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: