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Flávio de Leão Bastos Pereira

Professor, doutor e mestre em Direito Político e Econômico, Pós-doutorado em Direitos Humanos e Novas Tecnologias (Mediterranea Reggio Calabria International Centre for Human Rights Research, Itália). Especialista em Genocídios e Direitos Humanos (Zoryan Institute e University of Toronto, Canada). Professor convidado da Technische Hochschule Nürnberg Georg Simon Ohm (Alemanha).

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Justiça Eleitoral e a proteção do regime democrático no caso de violação das leis eleitorais pela divulgação de Laudo falso

Cabe à Justiça Eleitoral o dever de garantir a lisura do processo eleitoral por meio de sua organização

Luiz Teixeira da Silva Jr., Pablo Marçal e Marcos Paulo (Foto: Reprodução/Instagram)

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O processo eleitoral em um país formalmente democrático como o Brasil e que busca, por parcela de sua sociedade, tornar concreto o conjunto de direitos, garantias e liberdades consagrados no texto constitucional, constitui-se num dos mais importantes instrumentos fundamentais para a equalização das desigualdades estruturais que caracterizam o Brasil.

Em verdade, é sabido que o Direito e a Lei não garantem Justiça de forma equânime, aos brasileiros. Existem diversos “Brasis”, não importa a ótica jurídica pela qual se busque proceder a tal análise: pelo Direito Penal, Civil, Trabalhista, Previdenciário, Consumidor, Família etc., por nenhum dos ramos de operação do Direito se pode afirmar categoricamente que os brasileiros recebem tratamento isonômico (igual).

O Brasil da população em situação de rua, pobre, negra, indígena, das mulheres e população LGBTQIPA+ ou das pessoas com deficiência, não é o Brasil dos brancos e ricos; isso, todos sabem e só não vê quem não quer.

No que tange à Justiça, cerca de 25% da população brasileira a ela não possui acesso segundo pesquisa realizada pelo Conselho Nacional dos Corregedores Gerais (CNCG), pelo Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (CONDEGE) e pela Defensoria Pública da União (DPU), com o apoio da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (ANADEF), da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Global Acess to Justice Project e das 26 Defensorias Públicas Estaduais e do Distrito Federal (https://www.defensoria.rs.def.br/quase-25-da-populacao-brasileira-esta-impedida-de- reivindicar-seus-direitos-aponta-pesquisa-nacional-da-defensoria-publica).

Contudo, o momento do voto é único e equipara cada cidadã/o brasileira/o no momento das escolhas, nas urnas. Da mais humilde e sofrida pessoa, ao mais poderoso brasileiro, o momento do voto direto, secreto, universal e periódico, projeta a única situação na qual o Direito, mais especificamente o Direito e o sistema Eleitoral, propiciam igualdade real e concreta.

Não sem razão, constitui cláusula pétrea especifica e bem individualizada enquanto um direito humano fundamental (na modalidade “direitos políticos” – título II,

capitulo IV da CF/88), garantido pelo inciso II, do parágrafo 4º, artigo 60 da Constituição Federal de 1988. Referido fator é, sem sombra de dúvida, uma das razões pelas quais lideranças da extrema-direita populista imbuídas de seus objetivos consistentes em destruir o regime democrático por meio da utilização e manipulação de seus próprios instrumentos, atacam sistematicamente o sistema eleitoral brasileiro que, senão o melhor, está entre os melhores e mais seguros do mundo.

Cabe à Justiça Eleitoral não apenas “julgar” os processos sob sua competência (causas eleitorais), função jurisdicional típica e de responsabilidade de todas as demais Justiças existentes no Brasil mas, ainda, o dever de garantir a lisura do processo eleitoral por meio de sua organização, fiscalização (inclusive com seu “poder de polícia”) e sancionamento às violações comprovadas (artigo 92, inciso V; e, 118 e seguintes da Constituição da República de 1988).

É por meio da atuação da Justiça Eleitoral que são efetivados os fundamentos da República, como a cláusula democrática, a soberania, o pluralismo político e a própria cidadania (artigo 1º da Constituição Federal de 1988).

Diante do contexto acima se deve compreender a gravidade do ato do candidato Pablo Marçal ao replicar pelas redes sociais um suposto laudo toxicológico que atestaria que o candidato Guilherme Boulos seria “viciado”.

Assim, duas das principais violações ao sufrágio universal no Brasil, dizem respeito ao uso abusivo do poder político e ao abuso poder econômico durante as campanhas eleitorais e que violam o princípio da igualdade de condições ou igualdade de armas, que deve ser garantido entre as candidaturas, exatamente porque o regime democrático não existe se não garantir a quem desejar concorrer a um cargo eletivo a possibilidade de disputar o exercício de uma função política e eletiva, respeitadas as normas prévias postas e que regulam o certame eleitoral.Por ser um direito humano fundamental (artigos 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos; 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos e 14 da Constituição Federal de 1988), os direitos políticos e a consequente elegibilidade de uma pessoa não lhe podem ser retirados, salvo casos excepcionais expressamente previstos nas leis.Como uma das exceções, estabelece o parágrafo 9º do artigo 14 da Carta Política de 1988 que lei complementar poderá estabelecer novos casos de inelegibilidade (além daqueles já previstos pelo artigo 14) exatamente para o enfrentamento da influência do poder econômico ou do abuso do poder político, nas eleições.

Assim, considerando ainda a legislação infraconstitucional eleitoral, administrativa e penal, a propagação de notícia falsa sobre o candidato Guilherme Boulos às vésperas da votação em 1º turno das eleições municipais de 2024 constitui ato gravíssimo e violador das normas e princípios especificados acima, diante do alto poder de manipulação da vontade do eleitorado, que não pode sofrer tais indevidas interferências na formação de sua convicção política, sobre sua decisão pessoal sobre em quem votar e como cidadão a quem é garantida a privacidade e liberdade de escolha de suas candidaturas.

Considerando a falsidade do laudo toxicológico propagado pelo candidato Pablo Marçal, já declarado falso pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil de São Paulo (https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/10/05/laudo-postado-por- marcal-contra-boulos-e-falso-confirma-pericia-policial.ghtml), são diversas, em tese, as violações cometidas pelo candidato como abuso de poder econômico, além do cometimento de crimes eleitorais, como por exemplo injúria e difamação eleitorais (artigo 325 da Lei n° 4.737/65 - Código Eleitoral); divulgação de fato sabidamente inverídico durante a campanha eleitoral (artigo 323 do Código Eleitoral); falsificação de documento particular ou alteração de documento particular verdadeiro, para fins eleitorais (artigo 349 do Código Eleitoral), dentre outros a serem investigados.Segundo o 22 da Lei Complementar n° 64/90 (que trata das inelegibilidades, no sistema eleitoral brasileiro), qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político.

O caso presente, de alta gravidade, insere-se no conjunto das regulações acima.

A julgar pelas informações publicadas e sob investigação, além de todos os fatos teoricamente praticados pelo candidato Marçal, as falsas notícias sobre o candidatoBoulos ainda foram veiculadas pela plataforma do “X”. A se confirmar tal fato, o candidato teria, ainda, acessado ilegalmente tal plataforma, atualmente bloqueada no Brasil por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), o que também sugere a prática de abuso de poder econômico, pelo candidato, inclusive pelo uso indevido dos meios de comunicação social, também enquadrado pelo acima mencionado artigo 22 da L.C. n° 64/90.

Não sem razão, o Ministro do STF, Alexandre de Morais, já determinou que o candidato preste esclarecimentos por tais fatos, uma vez que a Polícia Federal já informou ao STF que a conta do candidato Marçal (@pablomarcal) foi utilizada para a efetivação de diversas postagens, entre as quais a divulgação do falso laudo que atinge a imagem e honra do candidato Guilherme Boulos, com o evidente objetivo de obter ganhos eleitorais às vésperas da votação.

Importante ressaltar que a Justiça Eleitoral brasileira já estabeleceu precedente para casos de candidatura que se valem de fake news para obtenção de vantagens eleitorais, quando do julgamento do então candidato Delegado Franceschini em 2021, acusado por espalhar notícias falsas que comprometiam a integridade do sistema eleitoral brasileiro (RO 060397598).À época, registrou o Ministro Barroso que “...as palavras têm sentido e poder. As pessoas têm liberdade de expressão, mas elas precisam ter responsabilidade pelo que falam...”. (https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2021/Outubro/plenario-cassa- deputado-francischini-por-propagar-desinformacao-contra-o-sistema-eletronico-de- votacao)

O falso laudo divulgado por Marçal possui diversos erros grosseiros, supostamente firmado pelo médico José Roberto de Souza, falecido em 2022 (fato que desagradou a família do mencionado médico), além de diversos erros de ortografia.

O caso é grave por seu poder atentatório contra a lisura do processo eleitoral e poderá ocasionar a cassação do registro da candidatura de Pablo Marçal ou, ainda, mesmo que eleito, na cassação de seu Diploma, resultando na necessidade de realização de nova eleição para a Prefeitura de São Paulo, caso se confirme sua cassação. Até lá, o Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, exerceria temporariamente o cargo.

Além disso, Pablo Marçal poderá ter declarada sua inelegibilidade por oito anos, com fundamento no artigo 1º da LC n° 64/90, que determina tal inelegibilidade para qualquer cargo a quem seja condenado após representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes.

O regime democrático e as instituições brasileiras não podem admitir situações como as manipulações da vontade do eleitorado por meio da divulgação de notícias falsas com alto poder de impacto nas eleições, sob pena de comprometimento de sua confiabilidade.

Contudo, os recentes exemplos sobre como a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal vêm lidando com os golpistas de 8.1.2023 e com situações como da plataforma “X”, vêm indicando ao mundo que o Brasil possui instituições confiáveis para proteger o regime democrático dos ataques oriundos de setores extremistas e candidatos populistas e irresponsáveis, como no caso presente.

Deve-se, também, debater com mais profundidade o grau de responsabilidade dos partidos políticos, essenciais que são para o regime democrático, quando lançam candidaturas populistas, despreparadas, extremistas e claramente contrárias ao regime democrático, vez que pelo artigo 17 da Constituição Federal de 1988, devem observar o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana, todos violados reiteradamente ao longo da campanha eleitoral de 2024 pelo candidato do PRTB.

A ver.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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