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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Lula bateu a porta corta-fogo e viajou para cobrar responsabilidade climática

"Lula tem ambição, mas lhe faltou ousadia para perceber que a questão climática no Brasil precisa ser enfrentada", pontua a colunista Denise Assis

Lula (Foto: Reprodução (YT-CanalGov))

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, todas as vezes que cruza a linha do Equador, rumo ao Norte, parece ter se servido da latinha de espinafre do marinheiro Popeye. Assume um vigor com as palavras, que por aqui anda mais comedido – e não menos atacado, a cada vez que direciona os seus comentários para a área econômica -, daí ser mesmo mais prudente.

Em seu discurso na sessão de abertura da Cúpula do Futuro, evento paralelo à Assembleia-Geral das Nações Unidas, apesar de interrompido abruptamente -, talvez um erro de cálculo que o adequasse à minutagem a seu dispor -, Lula afirmou que "faltam ambição e ousadia" no cenário atual. Não a ele, quando fala para fora.

Apesar do pouco tempo para o seu pronunciamento, não deixou de demarcar os temas de que vem tratando com líderes estrangeiros. Conclamou os seus homólogos a refletir sobre questões fundamentais e urgentes ao mundo: o combate à fome, a atenção às questões climáticas e a preocupação com os avanços tecnológicos desenfreados que, sem regramento, transformam verdades em mentiras e mentiras em verdades. Uma questão acrescida de um enorme problema. A morte agora chega direcionada, a um clique.

No que falou, passou exatamente isto: coragem e ousadia. Cobrança que dirigiu aos seus pares. Na sede da ONU, criticou o passadismo e a pouca autoridade da instituição, num mundo onde Israel dita as regras do armamento e rasga a Convenção de Genebra (o conjunto de Tratados celebrados em Genebra, na Suíça, - 1863; 1906; 1929; 1949 -, que versam sobre Direito Humanitário Internacional).

Com a sua sanha expansionista, o líder de Israel, Benjamin Netanyahu, dizima Gaza, mira o Líbano e provoca o Irã, de costas para o que foi idealizado pelo filantropo suíço, Henri Durant, para a regulação dos direitos humanos em tempos de guerra, agora solenemente desprezados. Vale tudo: de dedo no olho a crianças degoladas, desde que desocupem a terra almejada. Um massacre ou, “um genocídio”, como já definiu Lula.

Lá, no auditório das Nações Unidas, o presidente exortou: “Vamos recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial”, apontando para alguns avanços, como as negociações para um Pacto Digital”, para em seguida reconhecer: “Todos esses avanços serão louváveis e significativos, mas, ainda assim, nos faltam ambição e ousadia”.

Em seguida, criticou a omissão dos países desenvolvidos para mitigar os efeitos do aquecimento global. Apontou o quanto são insuficientes os recursos para financiar projetos ambientais e alertou para o fato de que os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) podem se transformar em um grande fracasso coletivo.

Nesse ponto, corre um sério risco. Lula bateu no país a “porta corta-fogo” e viajou, deixando atrás de si mais de 80 inquéritos abertos contra criminosos ambientais, cerca de 11 governadores insatisfeitos e o setor do agronegócio ultrapassando limites, incendiando áreas nas quais depositam rebanhos, para dar concretude a uma invasão que ali na frente tentarão regularizar. Pode acabar recebendo críticas por ser um ferreiro em casa de pau.

Lula tem ambição, mas lhe faltou ousadia para perceber que a questão climática no Brasil precisa ser enfrentada tanto quanto uma conversa olhos nos olhos com os governadores de oposição, antes de viajar. Não é questão que se delegue. Quem sabe na volta eles não estejam mais no mesmo lugar, como diz o samba-canção.

Talvez tenha se escorado no fato de que “os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos e caminham para se tornarem nosso maior fracasso coletivo. No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo”, alertou na ONU. Um dado tão real quanto os hectares destruídos em seu país. Passou confiança.

Voltou aos assuntos que lhe são caros: “não se pode recuar na promoção da igualdade de gêneros, nem na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação”. Não deixou de lado as ameaças nucleares e repisou “a necessidade de uma frente mundial de combate à fome”, citando de cor o número de 733 milhões nessa situação.

E, por fim, tocou num assunto em que vem dando recados ambíguos: a reforma da governança global, uma das prioridades do Brasil na presidência do G20 (grupo formado pelas maiores economias do mundo). “A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades. O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico”.

Não fica claro se ele quer a “reforma e a modernização” da ONU ou que ela abra espaço, no seu atual modelo: “A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades. O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico”, queixou-se.

Para que essa governança evolua no sentido de formar esse bloco coeso, de países que se identificam com essa proposta, talvez seja necessário avançar no princípio de uma América Latina unida e uma América do Sul alinhada. Isso não será mais possível, desde que o Brasil se colocou na indefinição quanto às eleições na Venezuela. E com essa divisão na América do Sul, será difícil avançar nesta pauta. Aguardemos os próximos capítulos.

Há um ponto, porém, que sua assertividade é indiscutível: “A pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais. A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões”. Sim, a ONU precisa voltar a ser ouvida. Do contrário, seu prazo de validade estará absolutamente vencido.

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