Lula com Alckmin: O Brasil vale uma missa
"Lula e Alckmin, neste momento, estão tentando fazer a política maior, a do P maiúsculo, colocando o interesse do país acima das conveniências individuais. Podem não conseguir, mas é preciso pelo menos reconhecer a natureza do gesto que estão fazendo", diz a jornalista Tereza Cruvinel
Por Tereza Cruvinel
Bastou Lula admitir que está "em processo de conversa" com Alckmin, e este afirmar que está "caminhando" a ideia de sua participação como vice na chapa do petista, para começar o ranger de dentes na esquerda e na direita. Enquanto nas redes militantes petistas esconjuram a aproximação com o "neoliberal", porta-vozes da direita na mídia atacam o ex-governador, reduzindo seu gesto político a mera desejo de vingança contra João Dória.
E com isso, sectários dos dois lados estão dizendo que, apesar dos discursos feitos nestes últimos tristes tempos, para eles a prioridade não é derrotar Bolsonaro e o fascismo, restaurar plenamente a democracia e tirar o país da decadência intolerável a que foi condenado pela ignorância e a incompetência do bolsonarismo.
Os indignados da esquerda deviam prestar mais atenção ao que Lula disse à Rádio Gaúcha: "eu quero construir uma chapa para ganhar as eleições. E quero construir uma chapa para mudar outra vez a história deste país". Objetivo e claro.
A direita estrila contra Alckmin pela razão óbvia de que, aceitando a vaga de vice, ele potencializa a chapa de Lula e torna mais remoto o sonho do momento da direita não-bolsonarista: turbinar a candidatura de Sergio Moro, polir sua imagem de juiz ladrão com um banho de mídia, atribuir-lhe um conteúdo político e intelectual que ele não tem e levá-lo ao segundo turno para uma disputa de vida ou morte com Lula.
Impossível não é, considerando-se que Bolsonaro está em seu momento de mais aguda desidratação política e eleitoral, como mostra a pesquisa Atlas desta semana, em que ele obteve apenas 19% de ótimo ou bom na avaliação de desempenho. Na intenção de votos, manteve o segundo lugar com 31,5%, bem atrás de Lula com 42,8%, mas viu Moro fincar seu nome em terceiro lugar com 13,7%.
Resta saber se outras pesquisas confirmarão o viés de alta de Moro, e se ela é consistente ou fogo de palha atiçado pela intensa exposição midiática que lhe foi conferida desde sua fiiação ao Podemos, há apenas 20 dias. Impressionante como inventam pautas com Moro. Agora está em cartaz o livro das mentiras e desculpas amarelas para seus delitos na Lava Jato e a perseguição a Lula que lhe rendeu o reconhecimento de parcialidade pelo STF.
Apostando tudo nesse cavalo do momento, a direita é atropelada pela declaração de Alckmin, de que pode mesmo vir a ser vice de Lula. E parte para o apedrejamento. Eles sabem que a aliança confere a Lula muito mais que votos. Ficam recordando que Alckmin perdeu duas vezes para presidente (e feio em 2018), e que até encolheu na disputa do segundo turno com Lula em 2006. Bobagens. Como vice, ele traria a chapa de Lula mais para o centro, como fez José Alencar em 2002, e enfiaria uma cunha nos setores da elite que, mesmo achando Bolsonaro inaceitável, consideram Lula indesejável. Como disse aquele dirigente da Natura. Alckmin na chapa neutralizaria resistências e atrairia apoios do campo conservador de que Lula necessita, se não para ganhar, com certeza para governar.
Já a indignação de grupos mais à esquerda, dentro e fora do PT, é sintoma de uma velha doença. Sim, aquela mesma que Lênin definiu como "Esquerdismo- doença infantil do comunismo". Atualmente ela atende mais pelo nome de sectarismo, pois o comunismo de fato passou a existir apenas na realidade paralela dos extremistas de direita. Para essa ramo da esquerda, só uma chapa puro-sangue, que tivesse como vice um Flávio Dino ou alguém parecido, garantiria a natureza progressista do eventual terceiro governo Lula. Em verdade, gostariam que tal governo fosse revolucionário sem ter havido revolução, mas apenas uma eleição. Está faltando a essa turma compreensão da correlação de forças. Se o PT pudesse ganhar sozinho, Bolsonaro não seria presidente hoje.
Aí surgem desculpas as mais diversas: Ah, o Alckmin é privatista e neoliberal. Ok, mas ele não vai governar. Algum acordo sobre o programa de governo haverá mas Lula não venderá a alma para ter um vice. Quando eu disse ontem que ele será um substituto eventual de Lula, naturalmente não dizia que ele só servirá para isso. Obviamente que representará interesses conservadores no governo, mas daí a dizer que será golpista como foi Temer vai larga distância. Os jornais de 2016 trazem declarações do ex-governador pedindo cautela com o impeachment de Dilma e guardando alguma distância do processo. Depois veio o completo embarque dos tucanos e ele foi junto, mas não teve o papel de um Aécio.
Outros dizem: Ah, com Alckmin de vice a direita vai tramar um golpe contra Lula para empossá-lo, como fizeram com Temer. Contra isso, não temo dizer: se Lula fosse o presidente em 2016, não teria havido golpe. Tanto é que Dilma o buscou como ministro da Casa Civil na certeza de que ele, com sua habilidade e capacidade de articulação, evitaria o impeachment. Mas Moro vazou seletivamente aquela conversa entre os dois, sugerindo que Lula fora nomeado ministro apenas para não ser preso, e Gilmar Mendes tomou a pior decisão de sua vida no STF, impedindo que Lula assumisse o cargo depois de já empossado.
Mas então os purosanguistas acrescentam: Ah, as forças do imperialismo, que foram parceiras da Lava Jato e do golpe de 16, vão cooptá-lo e para a derrubada de Lula. Sobre isso digo: a viagem de Lula à Europa mostrou que sua dimensão internacional é uma blindagem considerável contra golpes dessa natureza. Os norte-americanos já fizeram de tudo neste planeta, contra diferentes povos, mas é preciso levar em conta quem é Lula no mundo. E, sobretudo, que a natureza de seu governo dificilmente dará pretexto a tais estrepolias na geopolítica. Quando presidente, ele conseguiu ter boa relação com Bush, sem virar as costas para Cuba ou para a Venezuela.
Lula, mais uma vez, lembra Henrique IV, que abdicou do protestantismo e abraçou o catolicismo para garantir seu reinado, dizendo: "Paris bem vale uma missa". Lula, mais uma vez, reconhece que o futuro do Brasil vale uma aliança e uma concessão, vale a troca da chapa puro sangue por uma aliança que será de centro-direita e centro-esquerda. E para isso, Alckmin também caminhará mais para o centro. Se dará certo, veremos.
Alckmin está sendo mais atacado que Lula por conta do "processo de conversa" sobre a aliança. E vale reconhecer que, se decidir filiar-se ao PSB para ser vice de Lula, estará abrindo mão de uma eleição quase certa ao governo de São Paulo pelo PSD.
A opção por um cargo de pouco poder e parco protagonismo, como o de vice-presidente, não pode ser reduzida a mero desejo de vingança contra Doria. Alckmin já se vingaria voltando ao Palácio dos Bandeirantes. Doria, com 1,7% na pesquisa Atlas, está destinado à planície se insistir em disputar a Presidência.
Ao aceitar essa conversa para ser vice de Lula, para a qual foi procurado e não procurou, Alckmin também se dispõe a algum sacrifício para garantir o isolamento do fascismo, a derrota de Bolsonaro e a reconstrução deste país que vem tolerando o intolerável, pois o bolsonarismo foi também capaz de criar esta apatia política que tudo naturaliza. É preciso reconhecer, no mínimo, que dificilmente um político troca o certo pelo duvidoso em matéria eleitoral.
Lula e Alckmin, neste momento, estão tentando fazer a política maior, a do P maiúsculo, colocando o interesse do país acima das conveniências individuais. Podem não conseguir, mas é preciso pelo menos reconhecer a natureza do gesto que estão fazendo.
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